A jornada seguiu-se em parte pelo mar. Era mais rápido e mais silencioso, ainda mais que o caminho era salpicado de ilhas e faróis onde puderam descansar em breves pausas. Saíram do Atlântico, atravessando o Mediterrâneo e o Mar Negro, em direção à Latvéria. No entanto, após determinado ponto, o percurso deveria ser seguido à pé.

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A geografia daquele mundo não era tão diferente quanto Namor conhecia. A nação de Victor Von Doom ficava ao norte, dentro do leste europeu; o que mudava era o fato de ser um país ligeiramente menor. Um pedaço ao sul tornara-se um Estado independente há décadas, um país chamado Sokovia, e a fronteira entre os dois era delimitada por uma cadeia de montanhas. A mais alta era Wundagore e o príncipe não quis passar por lá.

Foram semanas em viagem.

As Incursões continuavam a acontecer em azul e vermelho, mas os dois não se envolviam mais nelas. Estavam longe e enxergavam o céu se colorir em tais cores, assim como ocasionalmente assistiam à distância drones e diferentes pessoas combatendo Sacerdotes Sombrios ou Cartógrafos que desciam das nuvens. De qualquer modo,as Incursões jamais duravam muito.

Era estranho. Numa Incursão normal, havia um limite de oito horas para os planetas colidirem ou então um planeta detonar o outro. Naquela realidade, as janelas interdimensionais se fechavam espontaneamente. Não duravam o suficiente para que o povo daquela Terra tivesse a necessidade de matar outro mundo… porém, tal sorte estava mudando. Gradativamente as Incursões duravam mais e o tempo não era um aliado.

Yabbat, ao menos, conseguia controlar mais seus espasmos quando vinha uma Sidera Maris. Já estava acostumada com o vermelho, agora jazia melhor com o azul. Ainda rangia os dentes de dor e preferia ficar parada, mas não desmaiava. Isso era bem conveniente, pois a IMA insistia em caçá-los. A Cisne Negro suspeitava que lessem a assinatura de energia proveniente do Cubo Cósmico para localizá-los, mas não iam abandonar o artefato para trás. Era o único trunfo no momento e não queriam perdê-lo.

A dinâmica entre a Cisne Negro e Namor permaneceu nas marés alternadas entre silêncio e deboches. No entanto, sem tanto amargor, sem tanto sal ou acidez. O príncipe a ajudava se levantar, dormia apenas depois de notar que Yabbat caía no sono. Era estranho, terrível. Não conseguia deixar de vê-la como uma tola, uma tola insuportavelmente doce e… Não, não ia completar o pensamento.

Mas algo havia mudado. Desde aquele momento no templo de Einalia, quando um viu o outro em seu pior estado… Existia mais do que entendimento mútuo, mais do que respeito. No entanto, esse era outro pensamento que Namor não iria completar. Preferia deixá-lo em zonas abissais de sua cabeça, embora sua luz fosse tentadora e fatal feito um traiçoeiro peixe-pescador.

Por seguirem cada vez mais ao norte e em altitudes mais altas, os dois também se preocuparam em levar mantimentos. Naquela realidade, ou talvez pelas experiências sofridas na IMA, Yabbat se sentia mais vulnerável à alterações de temperatura, de modo que simplesmente caminhar pelas montanhas com ombros nus se mostrou impossível. Furtaram vestes mais quentes de um vilarejo abandonado. Namor não precisava de casacos, mas pegou um manto escuro para si numa tentativa de se proteger do incômodo vento e levava o Cubo Cósmico numa bolsa de couro surrada, enquanto Yabbat trajava roupas grandes demais para seu corpo. Ela parecia uma pálida pérola, presa ainda em ostra preta.

Estavam caminhando há horas, de modo que a respiração de Yabbat tornara-se mais pesada, condensando-se no ar feito névoa. Namor caminhava pouco atrás dela,embora ainda guiando-a pelo cenário branco. Uma dúvida fazia sombra aos seus pensamentos e ele já não era capaz de segurá-la.

— Então me diga, passarinho. — Disse, de forma despreocupada, ainda que suas palavras servissem de breve e estúpida introdução. Suspeitava que Yabbat já soubesse que iria perguntar coisas agudas, mas ela parecia um tanto distraída, ou fingia estar assim, com seus olhos perdidos no horizonte. Talvez fosse o frio. E talvez fosse melhor mantê-la falando. — Por que Cisnes se preocupam em oferecer mundos à Rabum Alal se acreditam no fim de tudo? Me soa infrutífero.

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Houve uma pausa. Ela lentamente parou de caminhar e Namor acompanhou seu ritmo até também ficar parado.

— Nós não fomos criadas para oferecer mundos. — Ela lhe lançou um olhar breve, de esguelha. Fez menção à voltar a andar, como se para deixar o assunto para trás. — Isso seria mais simples.

— Eu não entendo. Rabum Alal é quem tudo devora, certo? E vocês são seus arautos.

Como ele não avançou para acompanhá-la, logo Yabbat virou seu torso para encará-lo.

— É o que eu e minhas irmãs decidimos ser. — A voz dela saiu firme, embora ele pudesse ver o leve tremor de seus lábios. A afirmação implicava que nem sempre as Cisnes Negros foram arautos, mas não explicou muito além disso. O príncipe não disse nada e ela inspirou fundo. — Bem, algumas de nós. Veja, eu não tenho desenterrar assuntos há tanto sepultados… Mas também não tenho motivos para lhe esconder nada. Nunca tive e sabe disso.

— Sua sinceridade é uma lâmina rara, Yabbat. — Concordou. — Ainda que não conte nada de graça.

— Nada que não me perguntem.

O príncipe atlante sorriu, achando graça e simultaneamente tristeza da situação.

— Então agora eu lhe pergunto com todas as palavras, Cisne: O que houve com você?

O vento respondeu primeiro, trazendo mais neve num uivo dolorido.

— O começo já sabe, príncipe, então vou apenas relembrá-lo: A Grande Roda atingiu meu planeta. Sacerdotes Sombrios tomaram o céu e a vida do meu povo. Tudo morreu.

— Menos você.

— Menos eu. — Yabbat assentiu, seus olhos mais uma vez distraídos. — Eu peguei a chave e escapei por uma das portas da Biblioteca de Mundos. Lá encontrei as Grandes Damas e elas cuidaram de mim, me levaram até seu ninho… E foi onde passei a servir Rabum Alal. — Focou sua atenção de repente nele, seu tom grave. — Um usurpador.

As palavras dela o atingiram como uma bofetada. Apenas a ideia, a mera sugestão, de que o caos que a Cisne tanto narrou não passava de uma bobeira de um deus falso, fervia-o por dentro.

— Está brincando comigo? Isso tudo então é uma peça e só me diz agora?

Isso é a verdade. Toda essa… Morte, as cores no céu. — Ela gesticulou fracamente com as duas mãos, trazendo mais peso ao que falava. A ira que Namor sentia pela situação foi convertida em gélida apreensão. Seriam essas as razões dos constantes pesadelos de Yabbat? — Isso é real. Antes, havia o que aprendi ser esperança. Uma palavra de som tolo e cor verde. A voz de Rabum Alal, ou aquele que diz ser Rabum Alal, ecoava pelos labirintos de nosso salão e dizia que precisávamos matar um homem para evitar o fim de tudo. Um único homem, uma mesma identidade… Em todas as dimensões que pudéssemos tocar.

— E quem…?

— Nomes mudam conforme os universos. — Ela deu de ombros. — Não sei se ele já existiu há muito tempo no seu universo ou sequer se você chegou a conhecê-lo, mas… Algumas características nunca mudam, como as cicatrizes em seu rosto. Se assemelham à raios e partem do centro da capital de de seu nariz e cortam toda sua face.

Uma ideia começou a surgir na cabeça de Namor. Um reconhecimento vago de tais características, somado à incredulidade. Se fosse quem cogitava… Não era ninguém tão especial. Ninguém especial a ponto da destruição absoluta ser seu destino é impactar todos os universos. Owen Reece, o Homem Molecular, como alguns jornais publicavam quando o louco cometia alguma atrocidade. Tinha particularidades notáveis, como o fato de ter a capacidade de manipular moléculas - e daí a origem de seu apelido ridículo - e energia. Seria um oponente formidável caso não fosse um homem problemático e limitado pelas próprias neuroses.

Namor ajudou o Quarteto Fantástico a vencê-lo vez ou outra, mas ele não fizera isso por puro heroísmo ou pelos humanos. Ele diria em voz alta que fez o que fez por seu povo e, por mais que isso também fosse verdade - já que o Homem Molecular ameaçava a vida no planeta inteiro - havia aquela faísca no peito que Namor sempre sentia ao ver Sue Storm.

Então ele não entendia ainda como Owen, um lunático derrotado mais de uma vez, estaria ligado ao fim da realidade em si.

— Ele era instável, o miserável. Dotado de poderes e problemas que o rasgavam por dentro… E que inevitavelmente o obrigavam a explodir. Uma bomba relógio. — Ela tentou resumir. — Veja, ele era um singularidade no multiverso capaz de obliterar cada dimensão existente. Se mais de uma versão dele decidisse explodir ao mesmo tempo, era o fim imediato de tudo. A explosão do primeiro homem ocasionou a morte precoce e gradual do multiverso. Nós, as Cisnes Negros, tínhamos a sina de matá-lo para manter o que restava. Nem sempre ele gritava. Às vezes a energia liberada pela sua morte aniquilava minhas irmãs. E sabe o que aconteceu em seguida?

Silêncio.

A pergunta dela era retórica e sua voz muito fria, muito frágil. Namor apenas esperou pela resposta.

Nada. Eu apunhalei um homem centenas e centenas de vezes e tudo continuou a morrer. Inúmeras irmãs se foram e o céu era… E ainda é tingido de vermelho e azul. Tudo morre. A destruição é real, o deus que me disse que eu poderia fazer o contrário, não.

Os olhos dela reluziam e, desta vez, não era por nenhum evento cósmico. Se tratavam de lágrimas que a Cisne Negro não se permitiria derrubar na frente dele, ainda desperta. O príncipe sentiu sua garganta fechar, seus braços pesarem. De um lado, o Cubo Cósmico; do outro, a dor fantasma por ter esmurrado o Portal de Einalia. Em seus tímpanos, a frase dela pareceu ecoar mais uma vez:

“O que é uma chave para quem está de frente com uma porta fechada?”

A compreensão de tal questionamento custou caro a Namor e agora ele também compreendia que Yabbat sempre estivera nessa situação sem escapatória. Foi levada a acreditar que havia um meio de parar, ou ao menos desacelerar, todo aquele caos destrutivo. Uma chave para tudo. Mas isso era somente uma ilusão.

— Eu o vi, Namor. Cometi a mais alta heresia e vi Rabum Alal. O deus que me cegaria por ser pura luz na verdade me cegava por suas mentiras. Ele também era só um homem, um ser de carne vestido de verde.

— Yabbat…

— Eu fugi com algumas irmãs. — Ela o cortou, incapaz de ver alguém sentir o mínimo de pena, compaixão. Sua voz recuperara a firmeza para finalizar a narrativa. — Oferecemos formas de mundos se defenderem em algumas rodadas, mas sabemos que o fim virá. Não fazemos diferença, só sobrevivemos. Eu sobrevivi. Não espero que entenda. — Sacudiu o rosto levemente. — Você foi capaz de coisas horríveis, no entanto o fez pelos outros, pelo seu povo. Pela vida, mesmo sabendo que não há volta para o que fez e que você não é nada diante da destruição. Você ainda tem a tal esperança… E o que houve comigo foi isso. Eu não sou mais escrava de uma mentira. Apenas da morte.

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De fato, ele não podia compreender na totalidade tudo o que aquilo significava. Sabia que enxergava dor na figura sempre tão distante de Yabbat. E distinguia também saltos temporais do que ela narrava, lacunas que poderiam ser importantes depois. Segredos. Só não sabia se era porque ela não estava preparada para falar ou ele pra ouvir, mas eventualmente… Isso viria à tona.

De uma coisa ele estava certo: aquele era o sofrimento da morte e silêncio de alguém que pensara um dia ter a chave em mãos, mas estava adiante de uma porta indubitavelmente fechada.

Ele nada disse e não havia muito o que dizer entre a neve que começava a cair com mais intensidade no ambiente. Outra pergunta, entretanto, escapou da garganta do príncipe atlante:

— Então por que está me ajudando a salvar meu povo, Yabbat, se é uma tarefa inútil e estúpida?

A expressão dos olhos da Cisne não mudou, enquanto em sua boca surgiu um sorriso pequeno, ácido. Disse calmamente:

— Eu não te odeio. — Uma pausa. — E além disso, é repetitivo e desgastante ser obrigada a explicar o que são incursões para quem não as conhece, então não quero outra companhia por enquanto. Ou deseja que eu vá até Rogers para pedir ajuda?

— Eu desejo que continue andando.

Ela soltou um riso curto e debochado, virando-se. Namor, por sua vez, divagava sobre como Yabbat tinha o hábito desconcertante de terminar diálogos sérios com alguma resposta simplória e de humor duvidoso. Andaram por muito tempo, remoendo muitos pensamentos. O clima tenso da conversa dos dois amenizara-se com o desfecho cômico, a caminhada e a temperatura gélida do local, mas nenhum deles foi capaz de quebrar novamente o silêncio por um longo período… Até que Namor viu algo no horizonte e segurou o ombro da Cisne, para mostrar a distância do antigo castelo de Victor Von Doom - e que finalmente estavam chegando.

— Lá está. — Apontou para uma larga estrutura além do nevoeiro. — O lar de meu velho amigo.

A Cisne apertou as pálpebras para focar melhor sua visão.

— Príncipe, você viu…

O som dos disparos veio depois que a luz e o impacto. Yabbat conseguira erguer um escudo de energia psiônica num átimo, protegendo a si própria e Namor. Ele sentiu o calor dos projéteis grossos, mesmo do outro lado da barreira, de modo que pôde concluir com facilidade que se tratavam dos drones da IMA. Tornou sua postura mais defensiva, os joelhos levemente flexionados.

— Desgraça. — Rangeu os dentes. — Com a névoa e o vento, não dá pra ter certeza de onde eles estão.

Yabbat apontou para os próprios olhos.

— Eu poderia disparar ao nosso redor.

— Nunca vi você usar os disparos ao mesmo tempo que sustenta um escudo. — Ela abriu a boca, mas não respondeu. Namor então soube imediatamente que sua observação era precisa. Ela não conseguia fazer as duas coisas simultaneamente e talvez fosse até insensato. Desse modo, concluiu: — Vai ficar vulnerável.

— Eles não vão parar de atirar. — Se justificou. — E esperar que fiquem sem munição é tolice.

Ele apenas lhe passou a bolsa com o Cubo Cósmico.

— Vou atrair os drones para longe e destruí-los. Você fica e protege o Cubo. — Antes de sair, sentiu-se na necessidade de completar: — Não morra. Não se encontram outras Cisnes Negros perdidas por aí e eu ainda preciso de alguém para me guiar no labirinto.

— Só partirei quando for o fim de tudo.

Ergueu somente uma sobrancelha.

— Eu a proíbo até segunda ordem. Isso é um comando de um rei.

— Que rei? Você é um príncipe.

Seu rei.

Um tolo.

E então ela soltou aquela sua risada selvagem e debochada, pois sabia que Namor não passava de um monarca de um reino em ruínas, seu povo condenado em outro planeta. Todos eles amaldiçoados. Mas, ela também assentiu sem discutir o quanto Namor estava errado.

A Cisne desfez o escudo por alguns segundos para que o atlante pudesse passar e voar. Em pouco tempo, ele encontrou as máquinas entre o nevoeiro e o vento, que se intensificava cada vez mais. Pelo o que enxergou, meia dúzia de drones voavam em formação e a velocidade com qual seguiam nos céus era preocupante. Ainda assim, cruzou o caminho deles de propósito.

Talvez não tenha sido uma boa ideia.

Tornou-se alvo principal, recebendo uma chuva de tiros. Levou um de raspão na braço, outro na lateral externa da coxa. Mesmo com sua habilidade de regeneração, o príncipe não era um fã de ferimentos e aquilo desestabilizava-o ao voar. Ao menos conseguiu fazer com que um drone colidisse contra outro, também induziu um terceiro a explodir ao desviar repentinamente de uma rocha. Considerava que estava indo bem, levando em conta que faltava metade dos inimigos e estava longe o suficiente para não colocar o Cubo Cósmico ou Yabbat em risco, até que… Notou que o restante da frota não atirava com tanta agressividade. Eram mais defensivos e pareciam recuar para mais longe ainda. Pareciam distraí-lo, enquanto Yabbat estava sozinha.

A ira por ter sido feito de tolo incendiou Namor de tal modo que ele avançou sobre as máquinas e as destroçou com as mãos nuas, levando segundos para fazer o que antes havia lhe custado minutos inteiros. Precisava ser rápido. Assim que terminou, voltou-se em direção onde sua aliada estava e voou na maior velocidade possível. Não demorou para vê-la cercada de agentes uniformizados de branco, uma cor apropriada para se camuflarem no ambiente, todos bem equipados com automóveis preparados para andar na neve. Havia um potente lança-missel acoplado em um deles e, pela fumaça escura no ar e pelo brilho fraco do escudo de energia da Cisne, ele entendeu que já haviam atirado uma vez e iriam atirar de novo. A contagem já estava em andamento, os agentes afastados a uma distância segura da futura explosão.

O atlante estava com o punho erguido durante o vôo. Pousaria no lança-míssel, obliterando-o por completo. Franziu os cenhos, rangeu os dentes. Deslocava-se tão rápido que o ar zunia em seus ouvidos, fustigando sua pele. Seus inimigos não iriam vê-lo ou ouvi-lo até que fosse tarde, até que tudo fosse pelos ares. No entanto, um dos agentes se destacou dos demais, mirou em sua direção e disparou.

Não foi uma bala.

Foi uma rede elétrica.
Namor despencou do céu, o som de seu impacto absorvido pela neve. O grito que soltou era mais de fúria do que de dor, mas à despeito de toda sua raiva, ele não conseguia se mover corretamente com a rede envolvendo seu corpo, eletrocutando cada músculo. A pessoa que atirou deu outro passo à frente, ajoelhando-se em seguida.

— Vejam só o peixe na minha rede. — Tirou o óculos de proteção, de modo que Namor pôde distinguir o rosto sorridente de Monica Rapaccini dentro do capuz. — Sabe, Namor... Você é esperto, mas não tão esperto assim. Quando vi a rota que seguiam, não foi difícil lembrar que me perguntou sobre a Latvéria, certa vez. Nem precisei rastrear mais a energia do Cubo. Mas te subestimar é um erro que não cometerei duas vezes.
Ele soltou um impropério e arrastou-se na neve, tentando se libertar. Monica apenas se afastou, seu rosto dividido entre desprezo e divertimento.
— Não grite tanto, você não vai morrer. Tem mais coisas para me contar, algo a ver com os tremores no oceano Atlântico, não? E o motivo pelo qual Yabbat só lhe chama por príncipe. Só não posso dizer que passará muito tempo com ela na base. — Deu de ombros e soltou um estalo com a língua. — Tenho mais experimentos para fazer e um universo para salvar. E garantirei que ela sinta dor durante o processo inteiro até que não sobre mais que uma casca vazia para ser jogada fora. Sem mais tranquilizantes.
Os dentes de Namor batiam um no outro devido ao choque intenso e ele já não conseguia mais se mover com destreza. Ouvia os estalos da eletricidade, o cheiro da queimadura superficial e sua pele tentando se regenerar logo em seguida. Inclinou o pescoço em direção à sua aliada, engoliu seco. Seu olhar cruzou com o dela, por detrás da barreira psiônica, e na expressão de Yabbat não havia nada: Temor, cólera, alívio. Nem ressentimento. Ela apenas esperava o disparo e o momento em que seu escudo não iria mais suportar. Apenas aguardava o fim.

Teria um plano? Sairia em disparada para esmurrar seus oponentes ou primeiro neutralizaria as máquinas? Usaria o Cubo? Não, não. Era arriscado. Lembrou-se dela, tão feroz nas missões com a Cabal. Lembrou-se dela, também tão vulnerável.

Veio o primeiro tiro e a Cisne Negro nem gritou, ainda sustentando a barreira.

No segundo, ela se ajoelhou.

Antes que o terceiro tiro viesse, Yabbat desfez seu escudo e disparou energia com seus olhos, atingindo o que estivesse à sua frente e na altura de sua visão: Automóveis, pessoas, equipamentos e o lança-mísseis engatilhado. Ela girou o queixo, desenhando um arco vermelho e provocando explosões, morte. Namor, já colado na neve, não sofreu nenhum ferimento pelas chamas, e aqueles que foram mais rápidos também se jogaram no solo para fugir do golpe. Monica foi uma dessas pessoas.

Quando a líder da IMA se levantou entre fumaça e fuligem, não demorou para que notasse que boa parte de sua equipe tinha sido aniquilada. Ela rosnou, procurando sobreviventes com os olhos, e encontrou apenas feridos e corpos mutilados. Tirou uma arma do coldre da cintura e se aproximou de Yabbat, andando trôpega em sua direção. A Cisne, por sua vez, também se ergueu da neve… Embora seus joelhos estivessem bambos de uma forma que Namor não conseguiu entender. Ela deveria correr. Sair dali. Sobreviver. Mas suas mãos estenderam-se ligeiramente para os lados, numa tentativa de se equilibrar ao mesmo tempo que segurava o Cubo na bolsa. Sua postura era tal que não parecia enxergar o que estava acontecendo ao seu redor.

Estava cega.

A garganta de Namor se fechou. Sabia que ela não podia usar escudos ao mesmo tempo que rajadas de energia pelos olhos, mas não imaginava que ela também não pudesse enxergar depois de usar tais poderes.

Ela só percebeu que Monica estava perto quando seus passos na neve tornaram-se altos o suficiente para ouvir. Tentou se defender do ataque, no entanto os movimentos de seus braços eram imprecisos, lentos em comparação aos da agente. Monica a jogou no solo gélido e deu um tiro em sua coxa.

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O grito que ela deu foi capaz de revirar as entranhas do príncipe, ainda preso e eletrocutado. Namor a viu arfando e sangrando do outro lado, incapaz de fazer algo a respeito. Sua consciência oscilava pela dor da eletricidade, mesmo com sua regeneração constante.

— Dane-se. — Aproximou-se mais da Cisne no chão, mirando em sua cabeça. — Eu vou estourar sua cabeça agora, infeliz.

Antes que o dedo dela apertasse o gatilho, um disparo de energia prata atingiu seu punho e a obrigou largar a arma. Monica xingou e gritou de dor, mas nada foi capaz de quebrar o momento sóbrio de uma figura encapuzada pairando no céu, cada vez mais próxima.

Namor mal acreditou que tal visão era real, não uma alucinação de uma mente falha.

O tecido ondulava ao vento, verde e pesado, e a figura não se pronunciou até que pousasse na neve. Andou sem cerimônias até as duas, o som metálico de sua armadura preenchendo o silêncio imponente.

Victor Von Doom.

— Apenas Destino decide quem vive e quem cai nestas terras. — Se colocou entre elas, virando-se especificamente para a agente. Sua máscara de metal não deixava nada transparecer além de força, poder. — E você não é bem-vinda aqui. Suma.

Monica somente alcançou outra arma reserva na cintura, logo atingida por mais um raio de energia de Von Doom. Ela caiu há pelo menos um metro de distância, arquejando de dor. Sua tentativa de retaliação havia falhado miseravelmente.

— Você roubou de mim, Rappaccini. — Ele continuou. — E sou generoso o suficiente para lhe deixar partir com vida. Vá, antes que eu revogue minha dádiva.

Ela não respondeu, quase inconsciente.

Von Doom, por sua vez, ocupou-se em checar o estado da Cisne Negro, abatida e com frio. Murmurou algo que Namor não pôde ouvir e em seguida caminhou em sua direção. Tirou delicadamente a rede de seu corpo, de modo que alívio inundou as veias do príncipe atlante. Ele tentou articular algo, qualquer coisa, mas sua boca não lhe obedecia direito.

— Ah, meu amigo de outra vida. — Destino falou, segurando-lhe pelos ombros. — Você deve ter percorrido um longo caminho, não?

Victor...

Foi só o que conseguiu dizer antes de cair na inconsciência.