Cinzas

Batalhas Internas


40 – Batalhas Internas

Draco Malfoy adentrou o corredor com toda a altivez da sua linhagem nos gestos e na postura, como se estivesse entrando no Gringotes para retirar uma quantidade indecente de dinheiro - e não em um corredor onde feitiços eram lançados e homens se atracavam em busca de uma varinha.

Claro, o comportamento não tinha (estritamente) a ver com a necessidade de manter a aparência de superioridade ou com o fato de que precisava mostrar para os outros que ele, Draco, era um homem melhor – embora realmente o fosse.

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Draco agia daquela forma simplesmente porque sabia que aquele era um jeito eficiente de chamar atenção.

E chamar atenção ele fez.

Então essa é a hora de equilibrar as coisas, ele pensou enquanto se esgueirava para o meio do único lugar do mundo onde não queria estar.

Draco sacou sua varinha e caminhou pelo corredor a passos firmes, se aproximando de um comensal que estava no chão – Potter finalmente tinha feito algo produtivo e já derrubara dois dos adversários, incluindo aquele que estava na sua frente. Homem que, aparentemente, estava começando a voltar a si lentamente. Malfoy sentiu a urgência de rolar os olhos.

Vivo, Draco refletiu cheio de amargura consigo mesmo. Por que o Cicatriz não pode usar um feitiço efetivo uma vez na vida?

Enquanto essa dúvida existencial e certamente sem resposta racional invadia sua mente, Malfoy parou quase preguiçosamente em frente ao homem.

Então exclamou um "Oh!" de forma teatral quando chutou com violência a cabeça do homem caído no exato instante em que ele recobrava a consciência por completo. "Mil perdões! Não vi você parado aí, Rowle."

Ele deu seu sorriso mais doce – absolutamente falso – para todos que, com o alvoroço, tinham parado para olhá-lo passar elegantemente por cima do comensal no chão – novamente desacordado.

Alguns comensais urraram de ódio e Harry simplesmente dispensou a ele um rápido olhar reprovador de 'não se chuta quem já está caído no chão', mas Draco prontamente ignorou a todos.

Agora realmente eram quatro contra dois.

Em um instante, Avery e outro comensal – MacNair mesmo mascarado, o carrasco tinha um tamanho desproporcional e inconfundível - vieram para cima de Draco, enquanto Crabbe-pai e Amico Carrow permaneceram no ataque a Harry, que estava com as costas perigosamente cada vez mais próximas da parede.

"Poucas coisas dão mais nojo do que um maldito traidor." Avery praticamente cuspiu as palavras carregadas de repulsa.

E poucas coisas dão mais tempo ao adversário do que discursos enfadonhos, Draco pensou ao olhar de relance para Harry, que parecia estar retomando um pouco da vantagem no seu duelo particular. Era sua vez de ganhar tempo.

"Veja se isso não é injusto!" Draco colocou sua melhor expressão ofendida no rosto, sem nunca desviar a atenção dos dois comensais que o cercavam. "Nunca trai aqueles com quem sou fiel."

MacNair deu uma risada abafada pela máscara. "Sempre foi um merdinha traidor de sangue então."

Avery se aproximou mais ainda. "Tão típico da sua família."

"Vocês se esquecem de um ponto." Draco murmurou como se seus adversários tivessem deixado passar um detalhe muito óbvio.

"É mesmo?" Avery respondeu calmamente com uma curiosidade quase educada. "E o que seria?"

Draco semicerrou os olhos perigosamente. "Sou fiel apenas a mim mesmo." Ele murmurou entredentes antes de habilmente lançar um feitiço não-verbal em MacNair. "E não lembro de ter me traído nenhuma vez."

O feitiço ricocheteou na parede atrás do comensal - errando seu alvo - e Avery aproveitou o segundo de guarda exposta de Malfoy para lançar um feitiço cortante em Draco. Sem opções de bloqueio, Malfoy se jogou para o lado para se proteger. O movimento o fez bater violentamente na parede com o ombro esquerdo e deslizar sem controle para o chão. Automaticamente, Draco registrou uma dor lancinante no seu braço direito onde o feitiço o atingira de raspão e uma umidade morna começando a escorrer dali.

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Tentando não pensar no sangue que começava a ensopar sua capa, Draco abafou um gemido de dor e avaliou suas opções.

...

Estava na merda.

Bom, com a única exceção que ainda podia usar a varinha. Teve que agradecer brevemente ao universo por ser canhoto.

Alheio às indagações de Malfoy acerca da sua mão da varinha, MacNair se aproximou dele com determinação, como se ainda não tivesse digerido bem o fato de que Draco, um antigo associado, tivesse realmente lançado um feitiço nele.

"Vou quebrar cada osso dessa sua cara esnobe por esse feitiço, seu merdinha."

Draco recuou ainda mais em direção à parede e, quando não havia mais espaço, percebeu que o melhor que podia fazer – a única coisa que podia fazer – era deixar o comensal se aproximar ainda mais.

MacNair agarrou Malfoy pelo colarinho com uma mão e desceu sobre Draco a outra mão fechada em punho, num soco bruto e impiedoso.

Com o impacto na lateral direita do rosto, Draco bateu com a testa na parede e, apesar de sentir seu mundo sair do eixo por bons segundos, ele tentou sorrir. Tinha plena consciência que seus dentes estavam todos manchados de vermelho, mas isso não o impediu de mostrá-los num sorriso afetado e desagradável.

"Acredite, não foi e nem é nada pessoal." Ele cuspiu o sangue que enchia a sua boca depois do golpe. "Mas você está no meu caminho."

Surpreendendo aos dois comensais, Draco – totalmente caído no chão – somou toda a força que possuía e projetou seus dois pés para frente violentamente, acertando em cheio a canela de MacNair. Draco só podia torcer para que aquilo atrasasse o homem o suficiente para que ele pudesse se levantar.

E, pela primeira vez em muito tempo, a sorte sorriu para Malfoy: um dos pés de MacNair havia ficado preso num desnível causado pela explosão e foi com satisfação mórbida que Draco ouviu um crack típico de osso se partindo.

Draco sorriu ferozmente quando chutou a varinha do adversário para longe enquanto o comensal caía no chão, berrando de dor e levando a mão à tíbia.

Esse estará fora de combate por um bom tempo, Draco pensou com alívio enquanto ficava de pé em um movimento desesperado, com as costas apoiadas na parede.

Avery, que observou tudo atônito por um instante, avançou mais um pouco, firmando seus pés numa posição de duelo. "Somente a ralé luta com as mãos quando pode usar a varinha."

Draco não reteve sua expressão de desdém – que tinha seu efeito potencialmente diminuído pelo rosto ensanguentado. Não lhe era natural ter alguém como Avery questionando sua posição, ainda que parecesse que teria que se acostumar com aquilo, considerando ao lado de quem ele estava lutando.

Deu mais uma olhada em direção a Potter, que aparentemente tinha tirado Crabbe-pai de combate. O velho jazia imóvel no chão, certamente estuporado.

"Se isso me coloca na categoria de sobrevivente." Draco deu de ombros, enquanto Avery levantava a varinha novamente para atacá-lo. Ele estava mais uma vez pesando suas possibilidades de sair dali com vida quando –aparentemente impulsionada por nada– veio uma pedra retirada dos escombros voando do fim do corredor, que acertou em cheio a lateral da cabeça de Avery.

Não custou a Draco mais de cinco segundos para entender o que tinha acontecido.

Maldito garoto teimoso, ele pensou ao fazer uma careta de desgosto. E eu falei para ele não respirar. Se tivesse dito que ele poderia se mexer, provavelmente o endiabrado estaria dançando uma música d'As Esquisitonas no meio do corredor.

Claro, a pedrada não foi o suficiente para derrubar Avery, mas foi o bastante para que ele se virasse para a lateral do corredor, esquecendo Draco por um instante.

"Que merda-" o comensal começou a questionar.

Entretanto, aquele era um momento de distração que Draco se recusava a desperdiçar. Ele agitou sua varinha num gesto rápido. "Bombarda Maxima!"

O feitiço atingiu Avery em cheio, impulsionando-o contra a parede, que desmoronou sobre ele. Se ele padeceria da explosão ou com o soterramento, Draco não tinha a menor curiosidade em saber.

Uma ameaça a menos.

Respirando fundo e segurando o braço sangrando que sangrava profusamente, Draco se virou em direção ao duelo de Harry.

Desde que derrubara Crabbe, Potter estava duelando ferrenhamente com Amico Carrow, numa disputa que parecia equilibrada. Potter era um bruxo muito melhor – e Draco jamais admitiria isso em voz alta ou sem fazer uma careta-, mas Carrow tinha a vantagem de não ter passado por inúmeros duelos antes de enfrentar Potter, luxo ao qual o Cicatriz não pôde se dar. Apesar do cansaço visível e alguns cortes no rosto, Potter parecia relativamente ileso.

Que pena, Draco suspirou enquanto observou por alguns instantes, se dando ao direito de se recuperar do que havia acabado de passar.

"Estupefaça!" Harry gritou logo após defender um ataque de Carrow.

O comensal se esgueirou agilmente para o lado, saindo do caminho do feitiço de Harry. "Esse é o melhor que pode fazer, Potter?"

Estou começando a achar que esse é realmente o melhor que ele pode fazer, Draco refletiu amargurado. Depois de um momento, decidiu que já estava bem – mesmo que sua cabeça e seu braço gritassem o contrário – e que havia ficado entediado ao assistir tamanha ineficácia. Com o braço esquerdo, ele ergueu sua varinha firmemente, mirando nas costas de Carrow, que até então tinha ignorado o fato de que Malfoy estava observando.

"Avada Kedrava!" Draco disse lentamente, quase como um sussurro.

Harry demorou dois segundos para assimilar o que havia acontecido depois que um jato verde acertou em cheio o comensal. Carrow jazia morto aos seus pés e, a uns dois metros de distância, Malfoy estava parado com a varinha erguida e a expressão absolutamente ilegível.

Olhou para o corpo no chão de novo. E depois para Malfoy.

"Você – você." Harry parou para encontrar as palavras certas, parecendo ter dificuldade em interpretar aquilo. "Você o matou."

Não era uma pergunta, mas de qualquer forma Draco deu uma resposta. Era uma atitude válida para quebrar a tensão do momento.

"Tenho a impressão que sim." Draco respondeu simplesmente enquanto se aproximava para cutucar Carrow com a ponta da bota como se quisesse se certificar que eles estavam mesmo seguros. "Por mais que me agrade ver você apanhar num duelo, nunca tive muita paciência para esperar qualquer coisa que seja."

"Era uma vida!" Harry contrapôs fracamente, olhando Draco como se estivesse vendo-o de verdade pela primeira vez. Draco então se deu conta de que Potter não esperava por aquilo. Como se o fato de ele não ter tido coragem de matar Dumbledore tantos anos atrás fosse um indicativo de que não teria coragem de matar ninguém.

Draco quase sentiu vontade de rir sarcasticamente.

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Observe Potter, veja no que eu tive que me transformar enquanto você estava curtindo seu sono de beleza, ele pensou cheio de veneno. Veja como eu tive que anular minha consciência para sobreviver nesse mundo que você ajudou a criar ao falhar com todos.

"Era uma vida mais do que disposta a a acabar com a minha vida." Ele preferiu responder com a voz contida. Naquele momento, não havia tempo para suscitar mágoas do passado.

Harry não sabia o que dizer ou o que fazer. Aquilo era errado em tantos níveis que ele sequer poderia começar a enumerar. Em contrapartida, ele sabia que estaria mais do que encrencado se não conseguisse neutralizar o comensal. Mas neutralizar daquele jeito...

Malfoy bufou irritado ao perceber a confusão nos gestos de Potter. "Se você não tem estômago para fazer o que deve ser feito, aqui é o pior lugar para se estar, não acha?"

"Somos muito diferentes." Harry balançou a cabeça tristemente, ignorando a pergunta de Draco. Muito para evitar o desconforto da situação, ele olhou ao redor em busca de mais adversários que não vieram.

"Graças a Merlin por isso." Draco contrapôs friamente, imitando o movimento de Harry para se certificar que tinham acabado mesmo. "De qualquer forma, você pode me agradecer depois por salvar sua pele."

Harry se sobressaltou, se virando novamente em direção a Malfoy. "Eu estava prestes a derrubar o quarto deles!"

"Admita que nunca conseguiria sem mim." Draco sussurrou com voz doce e arrastada, piscando seguidamente num gesto de falso flerte. "É mais honroso."

Harry, que nunca poderia ter imaginado que Draco era capaz de quase ronronar as palavras – e, de fato, não queria imaginar com quem exatamente ele aplicava aquela voz - simplesmente resolveu ignorar o Malfoy e se concentrar num assunto mais importante.

"Onde diabos você deixou meu filho, Malfoy?!" Ele exclamou horrorizado.

"Desmancha prazeres." Draco rolou os olhos diante da tentativa de Harry em mudar de assunto. Ele indicou com o polegar por cima do ombro, em direção a James. "O garoto está no fim do corredor, protegido."

Isso é, se não saiu por aí combatendo o mal pelos corredores de Hogwarts, Draco refletiu, mas sabiamente guardou o pensamento para si.

Potter assentiu solenemente – estranhamente não questionando a veracidade das palavras de Malfoy. Ele o olhou e ajeitou os óculos embaraçado.

"Precisa de ajuda com isso?" Ele apontou para o braço direito do sonserino, cujo sangramento Draco tentava estancar com a mão esquerda.

De você? Nem em um milhão de anos.

"Não." Foi tudo que Draco grunhiu em resposta.

"Ótimo." Harry afirmou, tão desconfortável em tentar praticar algum feitiço de cura em Malfoy quanto o próprio Draco estava desconfortável em ficar à mercê das habilidades curativas de Harry. "Vamos encontrar a Gina."

E Draco não poderia ficar mais feliz ao ouvir aquilo.

xxx

Se Gina conseguisse pensar racionalmente naquele instante que antecede a queda, ela riria com a coincidência da situação. Pela segunda fez na sua vida, ela estava sendo arremessada para fora das paredes de Hogwarts, caindo em direção à morte iminente.

Morreria com Goyle e Rony.

Um dor cruzou seu peito ao imaginar a dor do seu irmão, se esquecendo de si mesma por um instante e se dando conta de que daria sua vida para que ele pudesse viver mais um pouco, mesmo com todas as mágoas e feridas abertas tão presentes entre os dois.

Pensou no que Gui havia dito, sobre o fato de que ela não sabia o que aconteceria no dia seguinte, que era melhor deixar para trás tudo que havia acontecido entre os dois. Agora, morreria sem a oportunidade de dizer a Rony tudo que estava no seu coração.

Cheia de arrependimento.

Cairia e dessa vez não havia Luna para salvá-la do seu destino.

Entretanto, desde muito cedo na vida Gina já tinha comprovado que o Universo possuía um jeito todo especial de contrariar toda e qualquer expectativa que ela detinha.

Mesmo as expectativas muito ruins.

Então ela sentiu dedos fortes se fechando em torno do seu pulso, freando sua queda e, com a parada brusca, sacudindo dolorsamente todo seu corpo.

"Aguenta firme, Gina." Ela ouviu uma voz cansada sibilar com um esforço quase sobre-humano

Não havia Luna, mas havia Rony.

Graças a Merlin, sempre tinha havido Rony.

Como se tudo ocorresse com uma lentidão excruciante, Goyle passou caindo por ela, ainda tentando segurá-la pelo pescoço, roçando os dedos carnudos e sangrentos na sua pele, mas a única coisa que ele conseguiu segurar foi seu colar. O colar em troca da sua garganta.

O adorno se rompeu com o peso e seguiu para seu destino inevitável, junto com Goyle que não conseguira se agarrar em nada mais, caindo com os olhos pequenos permeados de desespero de quem sabe quem vai morrer.

O presente de Draco havia poupado-a, literalmente salvado seu pescoço.

Gina queria ficar feliz enquanto observava o corpo dele se afastando cada vez mais, diminuindo por causa da distância até se tornar pequenino, quase engraçado, e atingir o chão de forma inaudível. Entretanto, tudo que ela sentiu foi um alívio tão avassalador que tudo que pôde fazer foi soluçar, soltando aos poucos as lágrimas nervosas contidas desde que entrara em Hogwarts.

E ela não ignorou o sentimento de pena que aflorou dentro de si por aquela vida tão torturada e que havia se perdido, que nunca havia encontrado paz depois de perder Crabbe, a única pessoa que lhe demonstrara algum afeto e respeito na vida. Goyle era fruto dos erros de Draco, Harry, Rony, Hermione, Crabbe, de uma sociedade corrompida por ideias venenosas e também fruto de si mesmo.

Erros pelos quais todos eles tiveram que prestar contas no futuro.

Gina, por sua vez, também tinha sido envolvida numa espiral de decisões e casualidades que culminou nos seus próprios erros em relação a Goyle. Em como, ao subestimá-lo, ela tinha decretado sua sentença com relação a Voldemort.

Decretado o fim da sua ilusão, a perda do seu filho.

Mas não importava mais. Goyle seria mais uma página que ela – todos eles - teria que virar. Seguir em frente e enfrentar o próximo obstáculo, como sempre tinha feito.

Com isso em mente, Gina finalmente teve coragem de olhar para cima.

De alguma forma, Rony tinha conseguido se segurar com uma mão nos alicerces do que tinha sido a parede do terceiro andar. Uma mão que sangrava visivelmente pelo esforço de sustentar o próprio peso, além do peso de Gina. Com a outra, ele tinha procurado desesperadamente sua irmã, agarrando seu pulso de forma dolorida.

Gina nunca tinha se sentindo tão feliz ao lidar com a dor.

Respirando fundo pelo esforço, Rony a puxou para cima e, com o impulso para trás, os dois caíram no chão, Rony de costas e Gina por cima dele.

Foi então que, sobre o peito de Rony, o choro de Gina se tornou desesperador, num misto de alívio e pavor pelo que ela tinha passado.

"Ron-" Ela soluçou, sem conseguir dizer mais nada, nem verbalizar tudo que ela havia pensando sobre seu irmão.

Rony a abraçou forte, como se soltasse sua irmã naquele momento, Goyle voltaria para puxá-la em direção ao precipício.

"Não posso deixar ninguém mais te machucar, não posso." Ele soluçou, lidando com as próprias lágrimas que ameaçavam brotar. "Me perdoa, Gin, eu-"

Gina o interrompeu gentilmente.

"Eu amo você, Rony." Ela escondeu o rosto manchado de lágrimas e sangue no ombro do Rony, enquanto ele afagava os cabelos ruivos dela cheios de pó e escombros. "Acho que é só isso que sempre importou."

Ela mais sentiu do que viu Rony assentindo, enquanto passava a mão pelo cabelo dela. E eles ficaram daquele jeito durante um tempo, como se estivessem tirando forças um do outro.

Depois que o choro de Gina finalmente cedeu, Rony deu um tampinha encorajador no ombro da irmã, que rolou para o lado para que ele se movesse.

"Vamos, Gina." Ele limpou o rastro de lágrimas com as costas da mão antes de se levantar."Temos uma guerra para ganhar."

Gina não pôde evitar o grande sorriso que invadiu seu rosto diante das palavras.

xxx

Próximo à entrada do castelo, Jorge Weasley estava radiante.

Não que ele se orgulhasse do papel que havia desempenhado naquele caos em particular. Ainda que explosões fossem inegavelmente atraentes, os ferimentos, as mortes e a destruição que aquela havia causado não eram muito a sua praia.

Contudo, ele não era desonesto a ponto de negar que tinha esperado por aquele momento durante anos. O momento em que poderia dar um descanso ao seu irmão e, finalmente, talvez se sentir completo mais uma vez. Depois daquilo, talvez ele pudesse seguir em frente.

Ele riu como uma criança num parquinho quando um feitiço o errou por alguns centímetros – o que só ocorreu porque ele se escondeu atrás de uma grande coluna. Seu contra ataque, entretanto, foi muito efetivo. Um feitiço imobulus depois e seu adversário jazia no chão, numa pose que Jorge considerou bastante engraçada. Ele se aproximou do Comensal caído.

"As coisas estão meio paradas por aí, huh?" Jorge o cutucou com a ponta do varinha e sorriu de uma forma que Gina teria chamado de maníaca.

Foi quando uma mão tocou o seu ombro e todo o humor da situação foi esquecido. Jorge virou bruscamente cento e oitenta graus, mirando sua varinha no rosto da pessoa que havia abordado, pressionando-a contra a parede.

"Oh oh." Ele exclamou com vivacidade quando percebeu para quem estava apontando sua varinha ameaçadoramente. "Perdão, Sra. Thicknesse, não é meu hábito assustar Primeiras-Damas."

"Pode me chamar de Olívia, por favor." Olívia sussurrou – totalmente pálida devido a tamanha ferocidade nos olhos verdes do irmão de Gina- , enquanto desviava lentamente com a mão a varinha apontada para o seu rosto. Percebendo a posição em que se encontrava – praticamente pressionando seu corpo contra o de Olívia na parede-, Jorge ficou com as pontas das orelhas vermelhas. Então ele abaixou sua varinha de vez e deu espaço para que ela pudesse respirar. Depois de um momento, ela conseguiu formular uma frase trêmula. "Você pode me ajudar?"

"Ao seu dispor, senhora." Jorge fez uma meia mesura e seguiu silenciosamente Olívia quando ela recomeçou a andar de forma trêmula.

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Algo além da óbvia batalha estava incomodando-a.

Ela o levou até um corredor adjacente e depois até o outro, até que eles se depararam com dois homens que lançavam feitiços num grupo de jovens da Resistência, liderados por Percy.

Jorge entendeu a preocupação de Olívia. O Ministro-fantoche e seu ventríloquo eram aqueles que estavam atacando o grupo.

De uma forma que surpreendeu Jorge, Olívia sacou sua varinha pronta para duelar.

"Não precisa fazer isso, Olívia." Jorge interpôs indicando Yaxley com um movimento da cabeça. "Eu posso cuidar dele."

"É uma coisa que eu tenho que fazer." Olívia balançou a cabeça determinada. "Só preciso que você me dê cobertura e cuide para que Pio não seja machucado por aquele monstro." Ela apontou em direção a Yaxley, que ria ao lançar feitiços no grupo a sua frente.

"Sinta-se protegida." Jorge sorriu reconfortante para ela. "Ou melhor, sinta seu marido protegido, como queira."

Ela era tão baixinha e aparentava ser tão frágil, que pareceu quase surreal quando ela chegou perto de Yaxley praticamente sem ser notada, girou seu braço e deu um tapa sonoro no homem que era duas vezes o tamanho dela.

Por um instante, Yaxley pareceu verdadeiramente surpreso, sem saber ao certo o que o tinha atingido.

"Isso foi por todos esses anos em que você fez meu marido de marionete." Ela estava com as bochechas coradas, falando num tom alto que não combinava com ela. "Chega de ser controlada por você, seu monstro!"

Finalmente se dando conta do que estava acontecendo, Yaxley reagiu no automático, empurrando a bruxa mais velha. "Ora, sua vaca-"

Ele não teve tempo de terminar sua frase porque um feitiço irrompeu do outro lado do corredor – mais precisamente saindo da varinha de Percy – acertando em cheio a região entre os dois. Então tudo voltou ao caos. Percy se aproximou para duelar contra Yaxley ao lado de Olívia e, quando Pio Thicknesse fez menção de defendê-lo com seus olhos anuviados e movimentos mecânicos, Jorge foi obrigado a intervir.

"Nah, não, Sr. Ministro." Ele ergueu o dedo indicador e o balançou numa negativa, chamando a atenção do Ministros para si. "Estou incumbido de te proteger. Isso, é claro, não significa que eu não possa te machucar para te proteger de si mesmo."

Quando Pio pareceu não assimilar suas palavras, Jorge o estuporou sem pensar duas vezes. Então, com um suspiro resignado, ele arrastou Thicknesse para fora do caminho de escombros e feitiços. "Com certeza devo ter infringido alguma lei ao fazer isso." Ele deu de ombros para si mesmo. "Enfim, não foi a primeira, nem será a última, eu acho."

Não demorou muito para que Olívia encerrasse seu duelo com Yaxley. Tantos anos de mágoas e tristezas reprimidas parecia ter funcionado bem como um estímulo para ela, além da ajuda de Percy que jamais deixaria uma dama duelar sozinha contra um comensal da morte, por mais que ela tivesse desejado dar um fim naquilo sozinha.

Descabelada, cansada e parecendo que carregava o mundo nas costas, Olívia cuspiu sobre o Yaxley assim que ele atingiu o chão inconsciente, depois de um feitiço aplicado por ela mesma. E então ela sorriu verdadeiramente pela primeira vez em anos e Jorge não se lembrava de ter visto algo tão ofuscante na vida, tão... vivo.

Ele não resistiu a bateu palmas efusivamente. Sempre tinha sido um grande fã de entradas e desfechos teatrais. "Parabéns, Primeira Dama. Isso que eu chamo de grand finale!"

Olívia sorriu mais uma vez e só então se deu conta que seu marido estava jogado em um canto, totalmente imóvel. "Merlin, Pio!" Ela exclamou horrorizada, olhando de forma desesperada para Jorge. "Ele está...?"

"Nah," Jorge acenou com a mão para espantar a ideia. "Só tive que tirar ele de campo por uns instantes."

Com um suspirou aliviado, Olívia se aproximou de Jorge, envolvendo-o num abraço. "Obrigada por tudo."

Mais uma vez, Jorge ficou com a ponta das orelhas vermelhas e se sentiu muito agradecido quando ela virou de costas para ele para se dirigir a Percy. "Vocês me ajudaram a salvar uma parte da minha vida hoje."

"Não há de que, Sra. Thicknesse. Não fizemos nada além do nosso dever." Percy afirmou solenemente e Jorge podia jurar que o peito dele tinha inflado um pouco.

Exibido, Jorge pensou com veneno. Mais um salvamento e já pode pedir seu distintivo, Percy.

"Está ferida?" Percy perguntou depois que Olívia ficou pensativa e com a expressão pesada de preocupação.

"Não, não estou. A verdade é que..." Olívia se interrompeu um momento, pesando suas palavras. "Pio não pode ficar aqui. Se algum desavisado da Resistência encontrá-lo, poderá achar que ele está verdadeiramente ao lado dos comensais. E se um dos comensais encontrá-lo fora do domínio de Yaxley..." Ela deixou a conclusão no ar.

"A coisa vai ficar bem feia." Jorge completou por ela.

Um silêncio espesso se abateu sobre eles. Os três sabiam o que viria na sequência, assim como sabiam das consequências que aquilo acarretaria.

Foi Jorge que tomou a decisão pelos três. "Percy, pode levar Olívia e o Ministro até um ponto que seja seguro para que ela aparate para longe daqui?"

Olívia respirou fundo, impedindo que Percy respondesse o óbvio.

"Não posso." Mortificada, ela finalmente verbalizou o que os três estavam pensando. "Prometi a Gina que estaria aqui, para levar o filho dela para longe assim que ele fosse encontrado."

Jorge segurou a mão de Olívia de maneira gentil. "Você já fez uma série de sacrifícios por nós, Sra. Thicknesse. Acho que não há nada mais justo do que retribuir a gentileza."

"Mas-"

"Tenho certeza de que Jorge cuidará bem de Gina e de James enquanto estivermos fora, senhora." Percy argumentou trocando um olhar cúmplice com o irmão. Essa era coisa mais decente que eles podiam fazer. A única coisa, por mais que partisse o coração da sua irmã – e por consequência, o deles próprios. "Caramba, acho até mais fácil Gina cuidar de todos nós do que nós a protegermos." Ele tentou descontrair o clima.

Jorge se virou para o seu irmão mais velho, totalmente abismado.

"Percival Weasley acabou de fazer uma piada." Ele o olhou boquiaberto antes de apontar para a mulher do Ministro. "Está anotando, Olívia? Quando eu contar aos outros preciso que haja testemunhas de que não estou mentindo."

"Vai precisar mesmo, com a reputação que tem." Percy retrucou voltando ao seu estilo severo.

Olívia sorriu aliviada. "Eu não sei como agradecer a vocês dois."

"Quer agradecer?" Jorge afirmou, pela primeira vez sério. "Sobreviva."

Olívia assentiu gravemente e Percy a empurrou gentilmente em direção à porta principal.

"Vamos senhora." Ele apressou, guiando-a com uma mão em suas costas. "Jorge nos dará cobertura."

"Eu voltarei assim que puder, para pegar Ginevra e James." Olívia disse para Jorge em tom de despedida.

Eu espero que sim, Primeira Dama, Jorge pensou enquanto observava-os se afastarem pela noite cheia de névoa dos gramados de Hogwarts.

Ele firmou seus pés na soleira da porta principal e sacou sua varinha mais uma vez. Por aquela porta, nenhum outro comensal passaria naquela noite.

Esperaria sua irmã.

xxx

Gina estava ofegante. Ela e Rony tinha corrido enlouquecidamente por mais da metade do terceiro andar, deixando para trás a parte destruída do castelo e em busca de escadas intactas que os levassem para cima. Rony tinha dito que Harry e Draco haviam subido os outros andares e Gina tinha um palpite de onde eles poderiam estar.

Sala Precisa, ela pensou enquanto acelerava o passo seguindo Rony que estava logo à sua frente. Nada mais irônico acabar onde tudo começou.

Por isso, ela precisava subir, achar seu filho e mandá-lo embora em segurança com Olívia.

Foi então que subitamente ela esbarrou contra as costas de Rony, arrancando-a bruscamente das suas divagações. Rony tinha parado abruptamente e ela não havia percebido.

Gina não teve tempo de formular qualquer pergunta sobre o comportamento dele porque quando saiu de trás do irmão para ver o que tinha acontecido, ela finalmente os viu.

Achou que seu joelho cederia com a combinação de emoções que a inundou e a imobilizou ao ver Draco – com o rosto inchado e com sangue escorrendo pela capa - carregando James enquanto Harry olhava de um lado para outro, como se estivesse cobrindo sua retaguarda.

Sangue, ela sentiu uma onda de desespero invadindo-a quando viu o lado direito do rosto de James coberto de sangue seco e ferido. Merlin, quanto sangue!

Apesar disso, Gina fechou os olhos brevemente e agradeceu seja lá a qual força do universo que estava permitindo que ela se reunisse com seu filho novamente.

"James?" Ela disse com a voz baixa, quase inaudível, como se ela tivesse medo de que, se dissesse alto demais, tudo se revelaria como um sonho distante. Entretanto, a pequena manifestação foi suficiente para chamar a atenção dos principais homens da sua vida.

A atenção de Harry se voltou para o seu filho, incerto com relação a maneira como ele reagiria aquele encontro. Contudo, todas as suas dúvidas se dissiparam no instante seguinte: o menino deu o sorriso mais radiante que seu pai já havia visto e se desprendeu dos braços de Malfoy para correr até a mãe.

Também não escapou a Harry como a expressão de Draco havia se modificado sutilmente, como se ele estivesse tirando um peso insuportável das costas, mas o máximo que se permitia fazer fosse liberar um discreto suspiro que passou despercebido por quase todos.

"Mamãe!" James exclamou quando envolveu os braços ao redor da cintura de Gina, que por sua vez se curvou o máximo que podia para cobrir todas as partes expostas do garoto, inconscientemente tentando protegê-lo do ambiente. "Me perdoa, mãe, eu sei que fiz que não deveria ter fugido mas estava muito triste sentindo muito a falta de Della não queria que as coisas mudassem daquele jeito estava muito chateado por você ter mentido e e e-"

"Querido," Gina o interrompeu quando James começou a chorar copiosamente. "Você é quem tem que me perdoar. Juro que nunca mais vou mentir para você, nem vou deixar ninguém mais te machucar." Ela passou os dedos delicadamente sobre o rosto dele, tentando limpar o pouco de sangue da face do menino.

James estremeceu. "Foi aquele homem-"

"Shhh," Gina o abraçou mais forte. "Acabou, vou te tirar daqui."

"Essa é a ideia." Harry suspirou se aproximando da amiga em poucos passos. "Prontos para irmos?"

Rony assentiu. "Teremos que descer para encontrar a mulher do Ministro na entrada principal. Gina teve que explodir a entrada do terceiro andar para escapar dos comensais."

"A propósito, obrigado por isso, Gina." Harry ofereceu gentilmente. "Salvou nossas peles lá em cima quando neutralizou grande parte dos comensais."

"Eu que agradeço, Harry." Foi tudo que Gina conseguiu dizer, ainda observando atentamente seu menino. "A você também, Draco. Por tudo."

Draco não se moveu. Era como se estivesse pregado no chão ou com medo de se mexer, nem se incomodando com o sangue que escorria do seu braço e passava pelas pontas dos seus dedos, formando pequenas poças vermelhas no chão.

Alheio ao padrasto, James continuou falando empolgado. "Você tinha que ver como papai e o Sr. Malfoy derrotaram quinze comensais sozinhos, mãe!"

"Estava mais para seis, James." Harry corrigiu embaraçado, ajeitando os óculos timidamente.

O menino não se abalou pela correção. "Papai foi na frente e o Sr. Malfoy me protegeu com um feitiço para me encobrir e então - pow." Ele bateu com a mão fechada sobre a outra aberta indicando – talvez não com muita veracidade – que Harry e Draco tinham esmagado os comensais. "Até eu ajudei um pouquiiiinho, não foi Sr. Malfoy?"

Draco não foi capaz de responder novamente.

"Whoa!" Rony exclamou e bagunçou o cabelo do menino que quase pulava de animação, enquanto Gina sorria bobamente para o filho. "Nenhum comensal sai impune depois de um encontro com a gente, garoto!" Ele disse animadamente até olhar para Draco, ficando com as bochechas vermelhas. "Erm, quase nenhum."

Notando o comportamento impassível de Draco até mesmo diante de Rony – que parecia ter uma habilidade natural para irritar Draco-, Gina gentilmente se desvencilhou do abraço de James, passando-o aos cuidados do seu irmão, que discretamente repetiu a inspeção que Harry e que a própria Gina já tinham realizado no menino para garantir que, apesar dos pesares, ele estava bem.

Draco está em choque, Gina reconheceu depois de um momento, bufando discretamente. Ele derrota comensais, enfrenta Voldemort, fica lado a lado com Harry e decide entrar em choque quando me vê!

Gina caminhou até Draco parando um pouco a frente dele e só então Malfoy se virou completamente para ela, vendo-a parada e observando-o atentamente, com a roupa cheia de cortes e suja, com os cabelos vermelhos cobertos de poeira e embaraçados.

E era a coisa mais linda que Draco já tinha visto em toda a sua vida.

Draco ficou ali, imóvel a princípio, encarando friamente a mulher que estava bem - e viva– na sua frente.

"Draco." Esquecida sua exasperação inicial, Gina sorriu fracamente e uma lágrima de alívio ameaçou brotar dos seus olhos. Ela estava começando a se questionar se ele havia registrado mesmo a presença dela. A única indicação disso é que ele estava olhando diretamente para ela. "Nós conseguimos." Ela continuou falando suavemente para tirá-lo do estupor, Harry e Rony totalmente esquecidos. "Eu tive que explodir metade do castelo e..." Respirou fundo para evitar a dor ao se lembrar de tudo que tinha acontecido. "Tive que passar por Goyle e-" ela parou por um instante, incerta do quanto dizer na presença de James. "Rony me salvou dele, mas-" Olhou para as mãos machucadas, encarando-as como as provas da situação pela qual tinha passado.

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No instante em que ela se interrompeu, Draco a alcançou com dois passos rápidos e ergueu sua mão até o rosto. O polegar se moveu suavemente sobre a pele do rosto – sobre suas lágrimas - enquanto os outros dedos se moveram para descansar onde o cabelo ruivo se aninhava atrás da orelha.

Tudo pareceu desacelerar ao redor de Gina e pensou mais uma vez que seus pulmões nunca mais voltariam a respirar normalmente. Não era só o medo pela sua vida ou do seu filho, ou a ideia de que ela tinha acabado de passar por uma situação com risco de morte. Era também o jeito que Draco a olhava. Viu o medo nos olhos dele e também viu alívio. Tão intenso que ela achou que ia sufocar.

Durante muito tempo, Gina se maravilhou com o fato de que o rosto de Draco era capaz de revelar todos os seus turbilhões internos e, ao mesmo tempo, nenhum deles. Mas eles estavam ali, disso ela tinha certeza. Depois dos meses juntos, ela jamais poderia dizer que Draco não se importava ou que não tinha sentimentos.

E o peso da emoção que viu naquele momento era surpreendente.

Draco fechou os olhos e deixou escapar um suspiro de alívio que ele pareceu estar guardado por mais tempo do que era humanamente possível.

E, então, tão rapidamente quanto sua mão tinha se erguido até o rosto dela, Draco foi mais adiante e se inclinou, envolvendo os dois braços em torno da cintura dela. E, assim que o fez, ele se endireitou e Gina sentiu seus pés saírem do chão.

No instante seguinte ela registrou o que estava acontecendo e envolveu seus braços ao redor do pescoço dele, enterrando seu rosto na junção entre o ombro e a cabeça, sentindo os compridos fios de cabelo platinado se agitarem com sua respiração. Foi só então que ela finalmente sentiu sua respiração se regularizar e as lágrimas secarem.

Ali estava Draco Malfoy, um dos comensais no comando, segurando firme Gina Weasley, uma filha da Resistência. Os pés dela continuavam a balançar acima do chão enquanto Draco a segurava. Nenhum dos dois rostos estava visível, uma vez que estavam pressionados um no pescoço do outro, como um único símbolo, sem começo nem fim.

Draco raramente tinha experimentado uma sensação tão avassaladora de alívio e felicidade diante da visão da sua Gina Weasley, viva e parada diante dele. Quase apagou completamente o cenário de caos e medo de falhar que o dominava minutos antes. Ele sentiu que podia respirar de novo. E, temporariamente, ele não estava mais com medo.

Contudo, junto com essa sensação, veio a única certeza que ele tinha naquele momento. Precisava tirá-la dali.

Lentamente, Draco a abaixou e Gina pôde sentir novamente seus pés roçando o chão. Com um último suspirou resignado, ele a soltou completamente.

"Weasley," Draco praticamente rosnou quando se virou novamente para os outros dois homens. "Leve sua irmã até a entrada. Potter e eu ficaremos para evitar que vocês sejam alcançados."

Rony balançou a cabeça em concordância, pela primeira vez ignorando o fato de que Malfoy estava dando uma ordem a ele. "Vamos, Gin." Ele passou o menino para as mãos de Gina, empurrando-os gentilmente na outra direção.

"Tire nosso filho daqui, Gin."Harry acenou encorajadoramente quando Gina hesitou por um momento. "Nós cuidaremos do resto."

"Ok." Foi a única resposta dela e tinha sido preocupantemente fraca, incerta.

Rony seguiu a frente e Gina acompanhou seus passos mais alguns instantes até que, novamente, se virou para trás e seu olhar se prendeu no de Draco uma última vez.

Perdido dentro daquela profundidade castanha, Draco teve que reprimir um instinto louco de segui-la até o fim do mundo ou, pior, de mantê-la junto com ele, não importando as consequências.

O suspirou cansado de Harry interrompeu seu fluxo de pensamentos. Ele se aproximou mais de Malfoy, como se quisesse mostrar uma união – que todos sabiam ser, no mínimo, frágil.

"Draco vai ficar bem, eu prometo, Gina." Draco olhou Potter de soslaio, mas se manteve em silêncio. Seja lá o que o Cicatriz estivesse fazendo, sua intenção era tirar Gina dali, então Draco não poderia fazer nada além de cooperar. "Vou fazer o que estiver ao meu alcance para que Malfoy saia ileso de Hogwarts."

Gina os olhou por mais um segundo e então pareceu se convencer. Tirar James dali era sua prioridade naquele momento. Ela assentiu tristemente e deu as costas para os dois homens.

Harry e Draco permaneceram lado a lado, exalando firmeza e determinação, vendo Gina se afastar apressadamente rumo a escada para os andares inferiores, protegida por Rony e visivelmente apertando James contra si; o menino por sua vez, tinha os braços ao redor do pescoço dela e levantou a cabeça para dar um sorriso fraco e acenar em direção aos dois para se despedir, até que Gina virou um corredor e os homens puderam se entregar suas verdadeiras emoções.

Os ombros de Harry, antes firmes e resolutos, despencaram numa demonstração de desânimo diante da perspectiva de nunca mais ver Gina e seu filho. Draco, por outro lado, suspirou dramaticamente passando as mãos sujas pelo cabelo loiro num gesto nervoso.

"Fazendo promessas que não pode cumprir, Potter?" Draco quase sorriu diante da ironia da situação.

"Não é um hábito meu." Harry resolveu ignorar o sarcasmo da pergunta. "Sempre dei o máximo para cumprir com a minha palavra."

"Uma pena que seu máximo não vale muita coisa, geralmente." Draco respondeu com a voz entediada.

Como resposta, Draco teria esperado um insulto ou um comentário exasperado dizendo que ele era ingrato. Merlin, ele até podia esperar um soco como consequência de todo estresse que eles estavam passando, mas jamais esperaria o que Harry efetivamente disse na sequência.

"Sabe, você deveria ter ido com ela." Potter comentou, ainda olhando o ponto no qual Gina tinha desaparecido momentos antes, exatamente como Draco.

"Deveria, não é?" Escondendo sua surpresa, Draco retrucou enigmaticamente e Harry não soube dizer se Malfoy estava zombando dele, de si mesmo ou se estava mesmo zombando de algo, para começo de conversa.

"Sim." Harry se deu ao trabalho de responder uma pergunta que não exigia resposta. "Teria uma chance de escapar disso tudo e de passar mais um tempo com ela e com James. Merlin sabe que isso era a coisa que eu mais gostaria de fazer nesse momento."

Harry não sabia o que estava dando a ele coragem de dizer todas aquelas coisas, talvez a simpatia nascida entre aquele que passam por situações de estresse, mas ele disse mesmo assim.

"Talvez." Draco deu de ombros, aparentemente partilhando da rara simpatia de Harry. "Mas, então, Potter, quanto tempo você acha que ela aguentaria conviver com a ideia de que eu fugi e deixei as pessoas que ela ama para morrer, sem nenhuma razão além de 'eu estou salvando minha própria pele'?"

"Você sobreviveria." Harry apontou logicamente. "Não posso garantir isso com você ficando aqui."

"Sem ela..." Draco bufou impaciente, não sabendo articular o restante do que estava pensando. Então ele se limitou a dizer única coisa que passou pela sua cabeça diante da ideia. "Sobrevivência não é vida. Pode acreditar, experiência própria."

Harry pareceu absolutamente chocado, pela primeira vez alheio aos sons da luta abaixo e acima deles.

"Eu acredito..." Harry murmurou e se deu conta, talvez pela primeira vez, da intensidade dos sentimentos de Malfoy. Ele sentiu a necessidade de jogar limpo, por mais que essa fosse uma coisa que Draco nunca faria no seu lugar. "Quando tudo acabar... Vou fazer tudo que estiver ao meu alcance para ficar com ela novamente."

"Conte-me alguma novidade." Draco levantou uma sobrancelha, ainda que ele não tivesse se virado para olhar o rival. Em toda aquela conversa bizarra que estavam tendo, os dois tinham permanecido o tempo todo olhando para o mesmo lugar- no fim do corredor onde ela tinha sumido -, nunca um para o outro. "Partindo do pressuposto que vamos sair daqui com vida, é claro."

Harry foi direto ao ponto. "Se derrotarmos Voldemort, você sabe que as coisas não vão ser nada agradáveis para você, não é?"

"Sempre há uma esperança." Draco sorriu do jeito que sabia que irritaria Harry.

Harry ignorou a intromissão como se Draco não tivesse dito nada. "O Regime outorgado pelos Comensais ainda precisaria ser destruído."

"É simples: mate o Lorde das Trevas." Draco ofereceu como forma de Harry calar a boca. "Corte a cabeça e o corpo morre."

"Voldemort não é a cabeça de nada." Infelizmente, Harry não parecia ter percebido a dica. "Ele é um câncer, uma ideia que se fortalece e se espalha atraves de tentáculos baseados em ódio e em dor."

Draco chegou ao seu limite de paciência – que nunca tinha sido muito grande- e um lampejo de irritação cruzou seus olhos cinzas. "Onde diabos você quer chegar, Potter?"

"Você é a cabeça do Regime." Harry explicou simplesmente, pela primeira vez se virando para encarar Draco de frente. "E, se ganharmos, nós vamos cortá-la."