Wake Me Up

Fantasmas do Passado


Rebecca esperou até que Aaron e Christopher se desfizessem de seu abraço e, então, saiu de seu esconderijo no corredor. Gostaria de ter dado um pouco mais de tempo aos garotos, afinal fazia quase sete anos que eles não se viam, mas havia se lembrado de que Aaron ainda não tinha tomado banho e, mesmo não querendo interromper aquele belo momento entre irmãos, achou melhor voltar para a sala.

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– Já terminei. – ela anunciou, ainda secando os cabelos com uma toalha – É melhor você também ir tomar um banho, antes que fique resfriado, Aaron.

– Ok. Eu já... – ele começou a responder, mas ao se virar e se deparar com Rebecca a sua frente, vestindo apenas sua camiseta preta do Mickey Mouse, as palavras lhe fugiram.

Aaron já tinha ido para a cama com mais garotas do que se orgulhava de dizer e já havia visto todas elas em vários estágios da nudez, mas nenhuma lhe pareceu tão bonita e sexy quanto Rebecca lhe parecia naquele momento, com suas belas pernas à mostra e seus cabelos castanhos, molhados, caindo sobre o ombro. Ela transmitia sensualidade e inocência com aquela roupa e aquilo era tão incrível que, por um instante, tudo o que ele conseguiu fazer foi ficar parado, encarando-a boquiaberto.

– O que foi? – Rebecca parou de enxugar o cabelo e olhou para a camiseta que estava vestindo, apreensiva – Ficou muito curta?

– Não. – Christopher sorriu e deu uma cotovelada nas costelas de Aaron para retirá-lo de seu transe – Ficou ótimo, não é mano?

– É. – Aaron sacudiu a cabeça, nervoso – O Mickey combina com você.

Rebecca sorriu.

– Obrigada.

– De nada. – ele respondeu, corando e, ao mesmo tempo, sentindo-se ridículo por isso – É melhor eu... Bem, eu vou... Enfim.

Aaron apontou na direção do banheiro, mas não chegou a concluir a frase. Simplesmente passou por Rebecca e seguiu para o banho, deixando Christopher atrás de si quase se engasgando enquanto tentava conter uma risada.

– Meu irmão gosta de você. – ele disse assim que Aaron fechou a porta do banheiro.

– Que bom. Eu também gosto dele. – Rebecca respondeu satisfeita – E eu também gostei muito de você, sabia?

– Obrigado. – Christopher sorriu – Eu também gostei de você, mas acho que você não entendeu o que eu disse.

– Como assim? – Rebecca franziu a testa.

– Deixa para lá. Você vai descobrir sozinha.

Christopher voltou a se sentar no sofá e se concentrar no videogame e Rebecca permaneceu de pé, encarando-o. Ela não tinha entendido nada do que Christopher tentara lhe dizer, mas, depois de um momento, desistiu de tentar entender e se sentou no sofá ao lado dele.

– Então, esse aí é o famoso GTA V? – ela tentou puxar assunto – Parece meio violento, não?

– Nada. É super de boa. Quer que eu te ensine a jogar?

– Hum... – Rebecca começou indecisa – Eu não sei se eu me sairia bem nesse jogo.

– Você nunca vai saber se não tentar. – Christopher pausou o jogo e lhe estendeu o controle, sorrindo – Vamos lá. Não é difícil e eu garanto que você vai gostar.

Rebecca encarou o controle por um instante. Ela sempre tivera vontade de jogar videogame, mas nunca tinha jogado porque seus irmãos mais velhos, Chad, Jared e Josh, nunca deixavam que ela fizesse isso. Eles costumavam dizer que videogame não era coisa de garotas e que, ao invés de jogar, ela deveria ir brincar de boneca, então era isso que Rebecca fazia. Agora, porém, seus irmãos mais velhos não estavam por perto e a curiosidade estava lhe consumindo. Então, contrariando toda a doutrina que havia recebido na infância, Rebecca agarrou o controle que Christopher lhe estendia.

– Ok. Vamos lá. – ela disse ajeitando a postura.

No início, ela teve algumas grandes dificuldades para controlar o boneco e para se lembrar de quais eram os botões que deveria apertar para executar certas tarefas, mas depois de alguns poucos minutos as coisas começaram a ficar mais fáceis. Rebecca ainda achava que GTA V era um jogo muito violento, mas, de fato, estava gostando e quando Aaron saiu do banho, ela e Christopher já estavam completamente entrosados, comemorando quando ela conseguia roubar um carro com sucesso e rindo sempre que ela fazia alguma coisa errada.

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– Caramba! – Aaron se postou atrás deles no sofá – Nunca imaginei que veria Rebecca Andrews roubando carros e assaltando lojas.

– Eu costumo surpreender as pessoas. – Rebecca se virou para ele com um largo sorriso – Além do mais, eu tenho um bom professor psicopata me ensinando, não é Christopher?

– Com certeza. Eu sei tudo sobre a arte das ruas, gata. – Christopher piscou para ela e Aaron riu.

– Você não deve nem saber andar de bicicleta, seu pivete.

– Eu sei, sim. – Christopher protestou – Aliás, foi você quem me ensinou.

– Ah. É verdade. Eu tinha até me esquecido. Faz tanto tempo.

O olhar de Aaron vagou pela sala, como se ele estivesse perdido em suas lembranças e Rebecca pausou o jogo para poder encará-lo. Aquele bad boy convencido que Aaron costumava ser no início do semestre parecia ter desaparecido por completo e, agora, Rebecca conseguia enxergar, com clareza, o garoto solitário e triste que havia por baixo de tudo aquilo.

– Você está com fome? – Aaron disse voltando a si – Acho que a Emma fez compras ontem, então deve ter comida de verdade aqui.

– Tem pizza? – os olhos de Christopher brilharam.

– Pizza não é comida de verdade, mas tem sim. Você quer?

Christopher assentiu, empolgado, e Aaron sorriu.

– Ok. Vou esquentar uma pizza para gente, então. Você também vai querer,Bee?

– Não. Eu ainda estou satisfeita da pizza que comemos no restaurante. – Rebecca passou o controle do videogame para Christopher e se colocou de pé – Mas vou te ajudar a preparar.

Eles seguiram para a cozinha e colocaram uma pizza de calabresa no forno. Rebecca, particularmente, não gostava muito das pizzas congeladas que eram compradas nos supermercados, mas no meio de uma tempestade como aquela, pedir pizza de uma pizzaria seria meio inviável e, diga-se de passagem, uma espécie de maldade com o pobre entregador.

Meia hora depois, ela, Christopher e Aaron estavam sentados no balcão da cozinha, enquanto ela saboreava um delicioso suco de abacaxi e os meninos devoravam a pizza que tinha sido preparada. Christopher se mostrou realmente horrorizado ao descobrir que Rebecca não tomava refrigerante e chegou a perguntar como ela conseguia sobreviver nessas condições, o que a fez cair na risada.

Quando terminaram, Rebecca se ofereceu para lavar as louças sujas enquanto os garotos se alternavam no videogame, jogando GTA V. Aaron parecia mais feliz do que Rebecca jamais o vira e o sorriso no rosto de Christopher indicava que, para ele, a felicidade era igualmente grande.

Rebecca se perguntou como era possível que Aaron tivesse conseguido passar quase sete anos longe do irmão, quando era evidente que ele o amava tanto. Certamente, ficar longe de Christopher por tanto tempo tinha sido duro para Aaron e isso dava a Rebecca ainda mais certeza de que o passado de Aaron escondia muitas grandes histórias. Histórias, essas, que ela estava ansiosa para descobrir.

Depois de lavar as louças, Rebecca voltou para a sala e ficou observando os garotos jogarem. Eles pularam de GTA V para Need For Speed e, de Need For Speed, para Dead Or Alive e quando finalmente se cansaram de jogar, decidiram assistir ao primeiro filme dos Transformers.

Christopher acabou adormecendo na metade do filme e, quando o filme acabou, Aaron precisou acordá-lo e guiá-lo até a cama, quase da mesma forma que as pessoas costumavam fazer com os sonâmbulos.

– É legal te ver agindo como um irmão mais velho. – Rebecca comentou enquanto Aaron puxava o edredom para embrulhar um Christopher novamente adormecido.

– Isso é algum tipo de piada?

– Não. Eu realmente acho a relação que você tem com o Christopher algo bem legal.

– Ah. – Aaron abriu um pequeno sorriso – Obrigado.

– De nada. – Rebecca deu um tapinha no ombro dele – E já que você vai dormir no seu quarto e o Christopher vai dormir nesse aqui, eu preciso perguntar: o sofá da sala é confortável?

Aaron riu.

– Eu já dormi no sofá e posso dizer que ele é confortável, mas você não precisa dormir lá. Pode dormir no meu quarto, Bee.

– E você vai dormir aonde?

– Bem, eu esperava também poder dormir na minha cama, mas se não me quiser por lá, como eu já disse, o sofá da sala é confortável. Posso me virar essa noite.

Rebecca fingiu analisar a sugestão por um instante e, depois, depositou um beijo rápido na bochecha de Aaron.

– Acho que a sua cama tem espaço suficiente para nós dois. – ela disse se retirando do quarto – E, como você não cansa de me lembrar, eu já dormi com você uma vez. Posso fazer isso de novo.

Rebecca fechou a porta ao passar e tudo o que Aaron conseguiu fazer foi ficar parado, prendendo a respiração enquanto ainda sentia o toque cálido dos lábios dela em sua pele. Se outra garota tivesse feito aquilo, ele a teria agarrado e a deixado completamente nua antes mesmo de chegar ao sofá da sala, mas não era assim que ele via Rebecca.

Ela o deixava cheio de desejo, era verdade, mas diferente das outras garotas, isso não era tudo o que ele sentia quando estava perto dela. Com ela, havia também o sentimento e o respeito e era exatamente isso que o impedia de jogá-la na cama naquele instante. Ele sabia que Rebecca não era aquele tipo garota, mas por um momento ele se pegou imaginando como seria beijá-la e tocá-la sem qualquer pudor.

O simples pensamento fez seu corpo inteiro se aquecer e Aaron decidiu permanecer um pouco mais no quarto de Christopher, antes de ir encontrar Rebecca novamente. Vestindo apenas aquela camiseta e agindo daquela maneira tão confiante, Rebecca estava deixando-o louco e se ela continuasse agindo daquela forma com ele, Aaron precisaria de outro banho. Só que, dessa vez, de água fria.

Quando achou que já estava calmo o suficiente, Aaron saiu do quarto de Christopher e foi para o seu próprio quarto, onde encontrou Rebecca terminando de arrumar a cama. Ela realmente tinha caprichado na arrumação e não apenas jogado os cobertores e travesseiros ali em cima, como ele costumava fazer.

– Tã-dã! – Rebecca estendeu as mãos para a cama como se apresentasse uma nova mercadoria para Aaron – O que achou?

– Ficou muito bom. Pena que vamos destruir tudo assim que nos deitarmos.

– É. Eu sei. Mas, pelo menos, nós temos a chance de apreciar a arrumação por um instante.

Aaron assentiu e, sem lhe dar nenhum aviso, Rebecca se jogou na cama, bagunçando toda a arrumação que tinha feito. Ele riu e ela deu dois tapinhas no espaço ao seu lado, convidando-o a fazer o mesmo, mas ao invés de se deitar, Aaron ficou de pé onde estava.

Não podia confiar em seu autocontrole quando Rebecca estava tão perto dele e agia daquele jeito e não queria correr o risco de fazer algo que a incomodasse, pois agora que os dois tinham começado a se entender, Aaron não queria que aquilo se perdesse.

– Não vai começar a ficar tímido agora, vai? – Rebecca riu e, mais uma vez, deu dois tapinhas no espaço vago ao seu lado – Vamos lá, Aaron Greed, deixe de bobagem e deite-se logo aqui.

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Aaron revirou os olhos para ela e, antes de finalmente se deitar ao seu lado, retirou a camiseta regata que usava, pois, simplesmente, não conseguia dormir com ela. Rebecca pareceu ficar um tanto constrangida por ele ter se desfeito da peça, mas não falou nada. Apenas respirou fundo e se ajeitou sob as cobertas.

– Sabe, se há uns dois meses alguém tivesse me dito que hoje eu seria sua amiga e que até estaria dormindo no seu apartamento, por livre e espontânea vontade, eu teria exigido que essa pessoa parasse de me xigar.

– Nossa!

– Não era nada pessoal. – Rebecca pensou um pouco a respeito – Quer dizer... Na verdade até era, mas era só porque você era um ser humano desprezível no início do semestre, entende?

– E hoje eu não sou mais? – Aaron virou o rosto na direção dela, encarando-a.

– Não. Você mudou muito daquela época para cá. Hoje eu consigo ver todas as coisas boas que há em você e... acho que a pessoa que você é hoje é quem você é de verdade. Não aquele garoto terrível que você era antes.

Aaron abriu um pequeno sorriso, mas permaneceu calado e Rebecca percebeu que se queria mesmo descobrir qual era a história dele, aquela era a hora. Não haveria um momento melhor.

Ela se virou para Aaron e se apoiou sobre um dos cotovelos, para observá-lo melhor.

– Quem é você, Aaron Greed?

– Como? – Aaron franziu a testa, confuso com a pergunta.

– Até algum tempo atrás você era um bad boy convencido e, então, começou a se mostrar um cara um legal e atencioso. Hoje, com o Christopher, eu pude ver uma parte sua que nunca imaginei que veria. Você foi gentil, responsável e carinhoso e isso faz com que eu me pergunte: porque você era tão cafajeste e tão cruel antes? Qual é a sua história, afinal?

Aaron encarou o teto por um momento e Rebecca percebeu que ele estava relutante. No dia em que brigaram, em frente ao prédio do St. Hilda’s, quando Rebecca descobriu que ele havia chantageado Ty, Aaron tinha assumido aquela mesma expressão. A expressão de alguém que tem muito a dizer, mas pouca coragem de falar.

Ela se aproximou dele.

– Você confia em mim? – perguntou.

– Eu deixei você dirigir o meu carro. – Aaron olhou, brevemente, para ela – Nunca deixaria você fazer algo assim se eu não confiasse.

– Então, essa é a hora de você confiar um pouco mais. Eu sei que você não me conhece há muito tempo e eu sei que eu nem devo ser a pessoa com quem você se sente mais a vontade para falar sobre a sua vida, mas eu realmente queria que você me contasse toda a sua história, Aaron. Eu queria te conhecer melhor, porque você ainda é uma incógnita para mim.

Aaron fechou os olhos e suspirou. Parecia estar travando uma grande batalha interna entre contar sobre sua vida para Rebecca ou mudar de assunto como sempre fazia e Rebecca aguardou, em silêncio, enquanto ele se decidia.

– É uma história muito longa e não é nada legal. – ele disse ainda de olhos fechados, pegando Rebecca meio de surpresa.

– Eu não me importo. – ela respondeu, decidida – Quero saber.

Aaron abriu os olhos e encarou os olhos castanhos claros de Rebecca de maneira profunda. Ela parecia realmente disposta a conhecê-lo melhor e, apesar de estar com medo, Aaron realmente queria que ela o fizesse. Nunca tinha conversado sobre sua vida com ninguém antes e queria que Rebecca fosse a primeira e, muito provavelmente, a única com quem conversaria sobre aquilo.

– Meu nome completo é Aaron James Greed. – ele começou em voz baixa – Meu pai era um grande fã do James Bond e, por isso, quando eu nasci, ele colocou o meu segundo nome de James. Eu, particularmente, odeio esse nome, mas...

– É bonito. – Rebecca o interrompeu com um sorriso – Acho que combina com você.

– Tá bom. – Aaron sorriu e continuou: – Eu nasci em Londres, no dia 14 de fevereiro de 1993. Minha mãe se chama Briana e o meu pai se chamava Anthony. Ele era dono de uma companhia chamada Skyline Motor’s, que era especializada na venda de carros de luxo esportivos. Eu praticamente cresci ouvindo o ronco de motores, sabe? Meu pai era apaixonado por carros.

Aaron parou, lembrando-se do pai e Rebecca depositou a mão em seu peito, incentivando-o a continuar.

– Meu pai costumava me levar à empresa dele, às vezes. Ele dizia que eu tinha de conhecê-la porque, quando ele morresse, ela seria minha e eu teria que tomar conta dela. Acho que nem ele imaginava que fosse morrer tão cedo. – Aaron engoliu em seco – Quando eu fiz cinco anos, meu pai foi acusado de fraudar o balanço patrimonial da empresa e passou a ser investigado por isso. Eu era pequeno. Não fazia a menor ideia do que era um balanço patrimonial ou o que isso significava, mas eu vi minha mãe e meu pai discutirem algumas vezes por causa disso. Ele sempre alegou que era inocente e que não tinha fraudado coisa alguma e, durante um tempo, minha mãe acreditou nele. Minha avó materna, entretanto, não acreditava e muitas vezes eu ouvi minha mãe dizer a ela, pelo telefone, que meu pai era um homem bom e que nunca faria algo como fraudar o balanço patrimonial da própria empresa.

“Ela dizia que confiava nele e eu acho que confiava mesmo, mas quando ele foi considerado culpado da fraude, ela parou de confiar. Meu pai continuou alegando que era inocente, mesmo depois disso, mas minha mãe já não acreditava mais. Eles começaram a brigar com frequência e quando o meu pai teve os bens interditados e perdeu suas ações na empresa, eles passaram a brigar ainda mais. Você se lembra do que eu te contei aquele dia no Florence Park?”

– Lembro. Você disse que o seu pai levou você lá quando você tinha cinco anos e que prometeu te levar lá novamente no inverno, mas... – Rebecca baixou os olhos, triste – ele morreu antes disso.

– Uhum. – Aaron assentiu – Naquela época eu não sabia, mas os meus pais estavam se separando. Minha mãe tinha feito o meu pai assinar o divórcio um dia antes e ele me levou lá porque o Florence Park foi onde ele pediu minha mãe em casamento. Era um lugar especial para ele e como que ele ia perder a minha mãe e, de certa forma, a mim também, pois ela ia embora e ia me levar junto, ele quis me levar lá antes. Quando nós chegamos em casa naquele dia, minha mãe já estava de malas prontas. Eu me lembro de ter chorado muito e de ter dito que eu não queria ir embora, mas mesmo assim nós fomos. Nos instalamos na casa da minha avó e tivemos que ouvi-la dizer, por pelo menos uma semana, o quanto o meu pai era um crápula. Eu nunca tinha gostado muito da minha avó materna, mas passei a gostar menos depois disso. Por isso, quando minha mãe conseguiu um emprego e teve de sair para trabalhar todos os dias, eu passava a maior parte do tempo trancado no quarto, evitando a minha avó quando não estava na escola.

– E o seu pai? – Rebecca perguntou – Você não o viu de novo antes de ele... Você sabe. Antes de ele morrer?

– Minha mãe me levou para visitá-lo apenas duas vezes antes disso. A primeira vez foi bem ruim, pois ele quase não me deixou ir embora e minha mãe teve de chamar a polícia para que ele me devolvesse. Terminamos a visita na delegacia, mas como o meu pai não tinha feito nada além de não querer me devolver para ela, ele não ficou preso. A segunda vez foi ainda pior porque, depois de ficar sem minha mãe, sem mim e sem a empresa, meu pai entrou em uma depressão profunda e quando minha mãe me levou para visitá-lo de novo eu nem pude ficar lá, porque ele estava completamente bêbado. Foi ruim vê-lo daquela forma, pois ele sempre tinha sido um herói para mim e... bem, aquilo foi ruim.

– Sinto muito.

– Eu também. – Aaron suspirou – Mas eu aprendi que o fundo do poço é um lugar aonde você só chega se quiser. Meu pai podia ter tentado dar a volta por cima. Ele ainda ficou com algum dinheiro depois de perder a empresa. Podia ter feito alguma coisa, ao invés de se afundar na bebida, mas achou que seguir o outro caminho era mais fácil. – ele deu de ombros – Não vou julgá-lo, pois eu já fiz escolhas igualmente ruins na vida. A questão é que, depois desse episódio lastimável, eu passei muito tempo sem ver o meu pai. Eu entendia porque a minha mãe não me levava para visitá-lo, mas eu também sentia saudades dele, por isso, no dia do meu aniversário de seis anos, eu pedi a minha mãe para me levar para vê-lo. Ela protestou muito, mas eu disse que era o que eu queria de presente de aniversário e, por fim, ela acabou concordando.

“Ela ligou para o meu pai para avisar e também para saber se ele estava em condições de me receber em sua casa e, ao que parece, ele ficou tão feliz quanto eu por nós podermos nos ver no dia do meu aniversário. – Aaron abriu um sorriso triste – No início correu tudo muito bem. Meu pai comprou um bolo para mim, nós sopramos as velinhas e ele me deu um cachorrinho da raça Beagle de presente de aniversário. Então ele perguntou como a minha mãe estava e eu lhe contei que achava que ela estava saindo com alguém. Nos últimos dias ela saía muito a noite com um cara que ainda não tinha me dito quem era e acho que saber disso chateou o meu pai. Ele brincou mais um pouco comigo, mas já não era mais a mesma coisa. Então, ele se trancou no escritório e me deixou sozinho lá fora, por um longo tempo.”

Rebecca sentiu seu cotovelo doer de tanto ficar apoiada nele, e se deitou, encostando a cabeça no ombro de Aaron para ainda poder olhá-lo. Ela não retirou a mão do peito dele e da forma como estava deitada, era quase como se o estivesse abraçando, mas ela não se importou.

– Acho que eu devo ter ficado esperando sentado, na porta do escritório do meu pai, por pelo menos três horas, mas quando percebi que ele não ia sair, decidi entrar. Atualmente eu desejo que não tivesse feito tal coisa, porque nunca consegui apagar aquela cena da minha mente e acho que eu nunca vou conseguir. – Aaron fechou os olhos – Quando entrei no escritório, meu pai já estava embriagado. Tinha uma garrafa de uísque, vazia e quebrada, no chão e outra já pela metade em cima da mesa e meu pai estava sentado na poltrona segurando uma arma. Eu devo ter feito algum ruído ao ver a arma, porque no instante seguinte ele voltou os seus olhos para mim. Eu lembro que ele me disse que amava a minha mãe e que não queria vê-la com outro homem. Ele disse que preferia morrer a ver algo assim e, então, ele apontou a arma para mim e disse: “Eu podia matar você só para ver a sua mãe sofrer como eu estou sofrendo agora.”.

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Rebecca prendeu a respiração e engoliu em seco, apreensiva com o rumo daquela história, embora o fato de Aaron estar logo ali, ao alcance de sua mão, provasse que seu pai não havia atirado nele, como disse que faria.

– Por um instante, eu achei mesmo que ele ia me matar. – Aaron prosseguiu – Então, ele apontou a arma para a própria cabeça e disse que poderia me matar, mas que jamais faria isso porque ele me amava e jamais teria coragem de me ferir. Acho que eu tinha algo para dizer a ele, mas um milésimo de segundo depois ele apertou o gatilho e tudo o que eu consigo me lembrar, depois disso, é do barulho do tiro e do sangue. Não sei se eu chorei ou se eu gritei. Não sei se entrei em choque. Não sei nem quanto tempo se passou depois disso. Eu só me lembro da minha mãe entrando pela porta do escritório, desesperada, e me arrastando para fora. Ela gritou durante algum tempo no celular com alguém que agora eu imagino que fosse a polícia ou o corpo de bombeiros, mas naquele momento eu não conseguia absorver nada. A próxima coisa da qual me lembro é dos policiais cercando a casa com aquela fita amarela idiota e dos vizinhos curiosos apontando para mim e cochichando. Também me lembro do Erick, meu atual padrasto, consolando a minha mãe em frente à casa do meu pai.

– O Erick é o pai do Christopher, não é? – Rebecca juntou as peças.

– É, sim. – Aaron cobriu a mão dela com a sua, carinhosamente – Naquele tempo eu não sabia, mas a minha mãe tinha começado a sair com o Erick e eles estavam meio que namorando. Ele acompanhou a minha mãe ao funeral do meu pai, me pegou no colo para eu não escorregar nas pedras enquanto seguíamos até o túmulo dele, o Erick até me ajudou a jogar uma rosa dentro da sepultura do meu pai, porque eu era pequeno e minha mãe tinha medo de que eu caísse lá dentro. Eu realmente acreditei que ele era um cara legal, mas ele não era.

Rebecca se lembrou do dia em que tinha visto Erick agredir Aaron naquele mesmo apartamento e se perguntou se ele já havia feito aquele tipo de coisa antes. Pela forma como Aaron falava sobre ele, Rebecca tinha quase certeza de que sim e isso fez seu coração se apertar. Aaron era apenas uma criança naquela época. Ele não merecia aquilo.

– Quando a sua mãe e o Erick se casaram? – ela perguntou – Eles são casados, não são?

Aaron soltou um suspiro profundo.

– Ela e o Erick namoraram por pouco mais de um ano. Então, um belo dia, ela me chamou para conversar e disse que eu ia ganhar um irmãozinho. Eu fiquei feliz, sabe? Muitos dos meus amigos da minha escola tinham irmãos e eu morria de vontade de ter um também, mas aí ela disse que o bebê era dela e do Erick e que, por isso, ela ia se casar com ele e toda a minha alegria sumiu. Eu não odiava o Erick, naquela época, mas eu ainda pensava no meu pai como sendo o único marido que a minha mãe ia ter na vida e saber que o Erick estava, de certa forma, tomando o lugar dele não foi nada legal. Eu fiquei bravo com a minha mãe por pelos menos duas semanas, mas mesmo assim ela se casou com o Erick. Ela me dizia que ele era um homem bom e que seria um bom pai para mim, mas eu não queria outro pai e... Bem, de fato, eu realmente não tive outro. – Aaron deu de ombros, mas sua expressão era fria – A minha mãe se casou com o Erick e nós fomos morar na casa dele. O Erick morava com o filho dele, Joseph, que é uns dois anos mais velho que eu, então, automaticamente, nós também fomos morar com o Joseph.

Aaron cerrou os punhos ao pronunciar o nome do garoto e Rebecca percebeu logo que a relação dele com o tal Joseph não devia ter sido nada boa.

– Foi nessa época que você começou a odiar o Erick?

– Eu não diria que eu comecei a odiar o Erick. Na verdade, foi ele quem sempre me odiou. Eu só passei a sentir o mesmo depois de ver quem ele realmente era.

– E quem ele era? – Rebecca perguntou, embora pela cena que presenciara ela já soubesse que Erick não era uma boa pessoa.

– Bem, quando nos mudamos para a casa do Erick ele, praticamente, me proibiu de chegar perto da minha mãe. A desculpa dele era que a gravidez a deixava cansada e que ela precisava de descanso, mas na verdade acho que ele apenas queria me excluir da vida dela. Na visão dele, eu era uma lembrança permanente da existência do meu pai que nunca deixaria que a minha mãe fosse inteiramente dele. É coisa de maluco, eu sei, mas eu nunca achei que o Erick fosse realmente são.

– Ele te proibiu de se aproximar da sua própria mãe?! – Rebecca questionou indignada.

– Ele não me proibiu expressamente, mas sempre fazia o possível para eu não me aproximar. Quando o Christopher nasceu não foi diferente. Ele não gostava que eu chegasse perto do Christopher e dizia para a minha mãe que apenas tinha medo de que eu pudesse machucá-lo por ciúme. Como se eu fosse um daqueles filhinhos mimados que fazem mal ao próprio irmão só porque não querem deixar de ser filho único. – Aaron praticamente cuspiu as palavras – Minha mãe sempre disse que isso não tinha nada a ver e que eu jamais machucaria o Christopher e o Erick aceitava isso quando ela estava por perto, mas sempre que ela não estava ele me dizia para ficar longe do Christopher e ameaçava me dar uma surra se eu o desobedecesse, por isso, eu obedecia.

– Isso é cruel.

– Eu sei. Eu ficava longe do Christopher quando o Erick estava em casa e quando ele saía eu aproveitava para brincar com ele. Eu sempre gostei muito do meu irmão e nunca deixei de gostar dele ou o tratei diferente por ele ser filho de quem é. A gente não pode escolher a nossa família, afinal de contas. Infelizmente, o Joseph não pensava assim. Ele achava que o Erick tinha se separado da mãe dele por causa da minha mãe e ele a odiava por isso. Quando o Christopher nasceu ele o odiou ainda mais do que odiava a minha mãe, porque agora o pai dele teria outro filho para cuidar e ele achava que o Christopher estava roubando o que era dele.

Rebecca estremeceu.

– Esse garoto já tentou machucar o Christopher de alguma forma? – ela perguntou, preocupada.

– Algumas vezes. – Aaron afirmou – Quando o Christopher estava aprendendo a andar, o Joseph ficava sempre derrubando ele. Quebrava coisas pela casa e colocava a culpa no Christopher... Uma vez ele quebrou um vaso de cristal caríssimo do Erick e disse que tinha sido o Christopher. Por sorte, o Erick sempre gostou muito do meu irmão e sempre teve outra pessoa na casa para punir.

Aaron se calou por um momento e, horrorizada, Rebecca percebeu que aquela pessoa era ele.

– O Eric batia em você. – disse ela. E não era uma pergunta.

– Com o tempo eu aprendi a ignorar essas coisas. – Aaron deu de ombros, amargurado – Eu cheguei a contar para a minha mãe sobre as surras que o Erick me dava, mas o Erick sempre inventava uma história sobre como eu era um menininho muito levado e aí a minha mãe não me defendia, porque ela achava que o Erick estava me educando, como um pai deveria fazer. Depois de um tempo ele parou de inventar muitas histórias e de esconder o que fazia. Ele simplesmente me batia e a minha mãe ficava calada. Ela tinha permitido que ele fizesse aquilo antes e, depois, ficou com medo de confrontá-lo e acabar se tornando o alvo da ira dele também. A verdade é que minha mãe passou a ter medo do Erick. Ela não sabia mais como me defender.

– Isso é terrível, Aaron. – Rebecca se apoiou sobre o cotovelo de novo – Sua mãe podia ter denunciado ele. A justiça com certeza teria dado a ela alguma proteção contra o Erick. Ela não tinha que ter deixado ele espancar você por todos esses anos. Será que ela não pensou nisso?

– Acho que ela pensou. – Aaron respondeu com o olhar fixo em algum ponto do teto – Mas acho que ela também pensou em como nós não tínhamos um só tostão e em como o Christopher precisava de um pai e em quanto o Erick poderia oferecer a ele e a mim, apesar de tudo. Então, ela deixou para lá. Sempre o que Erick me batia, ela ia até o meu quarto à noite e pedia desculpas por ele, mas era só isso. Em momento algum aquela mulher me defendeu!

A essa altura Aaron já estava alterado e algumas lágrimas escapavam por seus olhos. A mágoa que ele tinha da mãe era nítida e cada uma de suas palavras refletia o quão triste tinha sido para ele saber que sua mãe assistia a todas as surras que ele levava e não fazia nada para impedir. Rebecca nem conseguia pensar no quão doloroso aquilo devia ter sido.

– A única vez em que ela fez algo por mim – Aaron prosseguiu –, foi quando o meu cachorro morreu. Mas aí já era tarde demais para fazer alguma coisa.

– Seu cachorro? Quer dizer, aquele que o seu pai te deu no seu aniversário?

Aaron assentiu.

– Ele se chamava Screapy. É um nome bem idiota, eu sei, mas eu tinha seis anos naquela época. Não fazia a menor ideia do que era um nome legal. – ele explicou – Quando eu tinha quinze anos, voltei da escola um dia e fui brincar com o Screapy. O Joseph tinha mania de implicar comigo e muitas vezes a gente brigava, mas ficava por isso mesmo. Naquele dia em questão, o Joseph começou a implicar comigo como era costume, mas ele começou a falar da minha mãe e do Christopher. Ele a chamou de puta vendida e disse que o Christopher era fruto de um “golpe da barriga” que minha mãe tinha aplicado no pai dele. Não é que a minha relação com a minha mãe estivesse as mil maravilhas naquele tempo, mas quando o Joseph falou isso eu parti para cima dele. A gente brigou e em certo momento o Screapy ficou nervoso com a briga e acabou mordendo o tornozelo do Joseph. Ele fez um escândalo, é claro, e como o Erick estava em casa, ele veio logo ver o que estava acontecendo.

Aaron engoliu em seco, respirou fundo, olhou para todos os cantos possíveis no quarto, mas não conseguiu impedir que as lágrimas escapassem de seus olhos. Rebecca se aproximou um pouco mais dele e o abraçou. Estava na cara que aquela era uma lembrança muito ruim e, por um instante ela desejou não ter pedido que Aaron lhe contasse tudo aquilo. Era doloroso para ele se lembrar daquilo e era doloroso para ela ver o quanto aquilo era doloroso para ele.

– Você não precisa me contar se não quiser. – Rebecca disse em voz baixa – Se for demais para você, pode parar por aqui. Eu vou entender.

Aaron sacudiu a cabeça de forma negativa e olhou para ela, enxugando o rosto com as costas das mãos.

– Eu quero contar. Preciso contar. – ele respondeu em um tom que fez o coração de Rebecca se partir em milhões de pedacinhos – Quando o Erick nos encontrou no quintal – Aaron continuou depois de um instante – ele quis saber o que tinha acontecido. O Joseph contou que eu tinha batido nele - o que não era exatamente mentira - e que quando ele foi revidar os golpes meu cachorro mordeu a perna dele. O Erick olhou para o tornozelo do Joseph e viu a marca de mordida que o Screapy tinha deixado lá e, então sem nenhum aviso ele segurou os meus braços para trás e disse para o Joseph revidar a surra que eu tinha dado nele. O Joseph realmente fez isso, mas quando ele começou a me bater o Screapy foi para cima dele de novo e ele olhou zangado para o Erick que disse: “Eu não vou ficar segurando esse moleque o dia todo. Se o cachorro está te atrapalhando, se livre dele”.

– Ah, não. – Rebecca estremeceu com o que já imaginava que viria a seguir – Não me diga que o Joseph...

– Ele pegou um taco de críquete que estava jogado no quintal e começou a bater no Screapy. – Aaron voltou a chorar – Eu gritei para ele parar. Eu tentei me soltar das mãos do Erick, mas ele me segurou com mais força e eu não consegui fazer nada. Eu só pude ficar assistindo enquanto o Joseph batia no meu cachorro. Ouvindo os ganidos do Screapy e, então, ele parou de ganir e parou de se mexer. Só então o Joseph parou de bater nele.

– Eu sinto muito. – Rebecca o abraçou com mais força, agora até ela estava chorando – Sinto muito mesmo, Aaron.

– O Joseph me deu alguns socos depois disso, mas eu nem senti. Eu só consegui olhar para o corpo ensanguentado do Screapy na minha frente e ouvir as risadas do Erick atrás de mim. Minha mãe chegou nesse momento. Ela viu a cena toda e finalmente tomou coragem para fazer alguma coisa. Ela afastou o Joseph de mim e mandou o Erick me soltar. Ele obedeceu e quando eu finalmente fiquei livre, tudo o que eu fiz foi correr para perto do Screapy. A minha mãe e o Erick discutiram por algum tempo e eu pensei ter ouvido ela dar um tapa no rosto dele e ameaçar pedir o divórcio, mas eu nem me virei para confirmar. Depois que o Erick voltou para dentro de casa, ela veio falar comigo, mas eu estava com tanta raiva, mas tanta raiva naquele momento, que eu não quis ouvir nada. Eu disse muitas coisas para ela naquele dia, inclusive que eu queria que ela morresse e que a odiava. O Christopher tentou falar comigo naquele dia também, mas eu gritei com ele e mandei ele sair do meu quarto. Acho que foi ali que a minha mãe finalmente percebeu que eu não aguentava mais a vida naquela casa. Então, no dia seguinte, ela arrumou minhas malas e me mandou para a casa da minha avó. Eu não gostava dela, mas fui. Qualquer coisa era melhor que acordar todos os dias e dar de cara com o Erick e com o Joseph, sabendo o que eles tinha feito com o meu cachorro.

– Foi por isso que você nunca mais voltou para casa, não é? Nem mesmo pelo Christopher.

– Quando eu cheguei à casa da minha avó e desfiz as malas encontrei um desenho que o Christopher tinha feito. Era um desenho dele, de mim e do Screapy. O Christopher nunca foi um bom desenhista e, cá entre nós, o desenho estava horroroso, mas quando eu vi, me arrependi de ter gritado com ele. Eu nunca tinha feito aquilo com ele antes e ele tinha apenas tentando conversar comigo... Eu quis refazer as malas e voltar para casa só para poder ficar com ele, mas aí eu percebi que eu estava livre. Eu finalmente tinha escapado daquela casa, do Erick e de tudo. Eu amava o meu irmão mais do que qualquer coisa, Bee, mas eu não aguentava mais. Simplesmente não dava. Então, eu guardei o desenho no fundo da mala e esqueci. Não voltei para casa e nem voltei a falar com qualquer pessoa dela até que terminei o colegial. Nesse tempo, eu me meti com algumas coisas bem ruins, gangues, drogas e outras coisas. Eu quase fui preso uma vez, depois tive uma overdose e quase morri. Foi quando minha avó decidiu que estava na hora daquilo terminar e ela e a minha mãe decidiram me internar em uma clínica de reabilitação. Eu passei dezoito meses lá e, quando saí, minha avó me disse que ela e minha mãe tinham conversado e que achavam que estava na hora de eu começar a fazer faculdade. Eu disse a ela que não estava interessado e que não faria nenhum vestibular, mas como aquilo era algo que minha mãe queria muito, o Erick encontrou uma maneira de me fazer entrar para a universidade.

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– Ele te obrigou a fazer o vestibular? – Rebecca questionou.

– Não. – Aaron riu com amargura – Mesmo que ele tivesse tentado, ele não teria conseguido me obrigar a fazer isso, mas o irmão mais novo dele, Andrew, tinha assumido a reitoria da universidade no ano anterior e o Erick propôs custear os projetos de Iniciação Científica da universidade se ele me aceitasse aqui. Acho que eu não preciso dizer que o Andrew aceitou, não é? Então, o Erick me deu um apartamento, um carro e uma quantia bem razoável de dinheiro todos os meses para eu ficar por aqui. Ele não me queria em casa e eu também não queria voltar para aquele lugar, então vim para cá. Oxford fica a apenas duas horas de Londres, mas aqui eu fico mais longe do Erick do que ficaria na casa da minha avó. Essa universidade é o meu lar agora. – Aaron suspirou – Fim da história.

Ele se soltou do abraço de Rebecca e saiu do quarto e Rebecca pensou em ir atrás dele para ver se ele estava bem, mas deixou que ele tivesse um momento a sós. Ela também precisava de um momento para digerir tudo o que tinha ouvido, pois embora tivesse imaginado que a vida de Aaron tinha sido difícil, nada se comparava com o que ele havia lhe contado naquela noite.

Depois de alguns minutos, ela decidiu que já era hora de ir atrás dele. Levantou-se da cama e atravessou o apartamento, encontrando-o sentando em uma das cadeiras da varanda. Seus olhos verdes e cansados estavam presos em algum ponto da paisagem chuvosa lá fora.

– Eu entendo. – Rebecca disse sentando-se em uma cadeira ao lado dele. O vento frio e a chuva faziam suas pernas descobertas doerem, mas ela fingiu não se importar – Entendo porque deixou o seu irmão e porque está aqui agora. Entendo até mesmo porque você é tão cruel e frio às vezes. Não tem como ser diferente depois de tudo aquilo.

Aaron virou a cabeça para encará-la. Seus olhos verdes fitaram os de Rebecca com intensidade e, por um instante, nenhum dos dois disse nada, mas então Aaron quebrou o silêncio.

– Você está agindo como os meus professores do primário. – ele disse em voz baixa – Está relevando as coisas ruins que eu fiz por causa do que descobriu sobre o meu passado e eu odeio isso, Bee.

– Aaron, eu não estou perdoando o que você fez por causa do que você viveu. Eu só acho que o que você viveu explica o porquê de você ter feito o que fez...

– Não. Não explica. – ele se colocou de pé e passou as mãos pelo rosto, nervoso – Eu estou sempre dizendo que a vida é feita de escolhas e, na minha vida, eu fiz todas as escolhas ruins que eu poderia ter feito. Eu me afastei de todo mundo pelo simples fato de que eu não queria que mais ninguém me machucasse, tratei todas aquelas garotas mal e chantageei o seu irmão porque eu pensava que se fizesse as pessoas sofrerem primeiro elas não fariam o mesmo comigo, mas isso foi uma grande idiotice. Eles não têm culpa do que aconteceu comigo no passado. E, eu falo sobre as escolhas do meu pai, mas eu não sou muito diferente dele, Bee. Eu machuquei muita gente e fiz da minha vida uma merda.

– Todo mundo comete erros, Aaron. – Rebecca também se colocou de pé – Essa não é a questão. A questão é o que você faz depois disso e eu sei que você está tentando mudar, que está tentando agir de uma maneira diferente agora. Eu sei disso porque eu estou aqui, porque você se abriu comigo e me deixou conhecê-lo melhor, mesmo sabendo que isso poderia te deixar vulnerável. Você está tentando mudar e é isso que importa. Errar, todo mundo erra, Aaron. Faz parte de ser humano.

– Eu só não quero mais ferrar com tudo.

– Você não vai. – Rebecca tocou sua mão, gentilmente – Eu confio em você. Sei que vai fazer o seu melhor a partir de agora.

– Você não pode ter certeza. – Aaron balançou a cabeça.

– Não. Eu não posso. – Rebecca se aproximou um pouco mais dele e procurou seus olhos verdes com os dela – Mas eu posso ter fé, Aaron. E eu, realmente, acredito em você.

– Por quê?

– Por quê? – Rebecca deu outro passo na direção dele – Porque hoje você me deixou conhecê-lo por inteiro e porque eu gostei do que vi. Porque você me mostrou que também confia em mim e, principalmente... – ela terminou de extinguir todo o espaço entre eles – porque eu estou apaixonada por você.

E ao dizer isso, ela entrelaçou os braços ao redor do pescoço de Aaron e o puxou para mais perto. Podia sentir os contornos fortes do corpo dele contra o seu, sua respiração entrecortada e, mais que isso, podia ver aqueles belos olhos verdes ainda mais de perto. Eles já não tinham o mistério que tinham antes. Ela o tinha desvendado por inteiro. Entretanto, eles ainda possuíam o mesmo encanto e o mesmo magnetismo que tinham desde a primeira vez em que ela o vira, em seu primeiro dia na universidade.

Naquele dia Ty lhe dissera que ela não deveria se envolver com Aaron, porque ele era um cafajeste chantagista e ele era mesmo! Mas ele também era um garoto que tinha vivido cercado de ódio e de maldade a maior parte de sua vida e que precisava que alguém lhe ensinasse que o amor não era uma mera anedota. Por algum motivo indecifrável, Rebecca agora queria ser esse alguém para Aaron. Ela queria ensiná-lo a amar. E ela o faria.

Tinha passado dezoito anos de sua vida vivendo sob as regras de outras pessoas e acostumada a ter sempre alguém lhe guiando e lhe dizendo o que fazer, mas, pela primeira vez, ela queria ser aquela que daria o primeiro passo. Queria que Aaron se lembrasse do dia em que ela havia cruzado a linha que sempre limitara o seu mundo apenas por causa dele. Então, sem aviso, Rebecca puxou a boca de Aaron de encontro a sua.

Os lábios dele se uniram aos dela com suavidade, apesar de tudo, e no instante em que isso aconteceu, foi como se todo o mundo ao redor simplesmente desaparecesse. Aquilo não era nada parecido com o beijo roubado que Aaron lhe dera na festa de boas vindas, ou com o beijo que ele lhe dera, ali mesmo, naquele apartamento, ou com o beijo que ela própria lhe roubara no restaurante, após sua performance no karaokê. Não. Aquele beijo era muito mais quente e intenso e parecia fazer com que ambos queimassem de dentro para fora.

Aaron envolveu a cintura de Rebecca com as mãos, trazendo-a para ainda mais perto e, naquele instante, para ele, foi como se tudo o que existisse fosse apenas ela e o som da chuva lá fora. Nada mais importava. Nem seu passado, nem todas as burradas que havia feito. Seu mundo se resumia àquele instante e àquele beijo.

Rebecca tinha lhe mostrado algo que ele jamais tinha visto e ali, com ela, Aaron percebeu que, finalmente, tinha encontrado a paz que há tanto tempo tinha sido arrancada de sua vida e que há tanto tempo ele procurava. Agora, ele tinha uma nova definição de lar.