「III • Cosme」 Voo

O sol estava se pondo.

Cosme engatinhou graciosamente pelo buraco na grade. Logo em seguida, Jin – um garoto que havia acabado de conhecer em sua escola – o seguiu pela mesma abertura.

Já dentro do porto de containers, os dois começaram a correr.

— É a primeira vez que invado uma propriedade... — Jin falou para o outro, arfando e rindo ao mesmo tempo. — Por favor não me faça arrepender-me disto, Cosme.

Conforme os dois reduziram a velocidade, a distância entre eles foi diminuindo. O loiro voltou-se para o novato e deu uma risada gentil.

— Vai ser a melhor experiência da sua vida! A vista do pôr-do-sol é muito linda. É inspiradora. — Seu olhar dócil cruzou com o de Jin e notou seu nervosismo — Não se preocupe; quase ninguém vem aqui a essa hora e a gente não vai ser preso.

Os dois pararam ao chegar numa pilha de containers à beira do mar. Cosme a escalou com facilidade, mas Jin demorou alguns minutos para chegar ao topo.

— Chegamos! Agora é só aproveitar.

Lá do alto, os dois desfrutaram da linda paisagem. À frente, o belo e grandioso mar azul mesclava-se ao horizonte com o céu amarelado. Atrás, os modernos prédios de Nouvelle-Seul tocavam as nuvens.

Cosme abriu os braços e sentiu a gostosa brisa tocar em seu rosto. Jin fez o mesmo, num estado de êxtase que nunca havia sentido antes.

— Ei, Jin. Que tal se nós contarmos fatos aleatórios de nossas vidas pra passar o tempo?

— Hã, tá bom. — O rapaz de cabelos negros pensou um pouco antes de prosseguir. — Meu irmão mais novo tem crush pesado numa menina que estuda na classe dele. O nome dela é Astrid.

— Ah, que bom. Eu também tinha uma pessoa especial na minha vida... Mas acabamos afastados. — Ele respirou fundo e deslizou a mão no cabelo. — Suponho que seja minha vez. Bem... Ontem eu recebi um convite de um desconhecido para ir a um teatro que eu achava estar abandonado. Quando cheguei lá, encontrei umas pessoas e ganhei um envelope engraçado.

— Uau. Deve ter sido bem louco. — Os dois riram e sentaram-se. — Minha vez. Na cidade onde eu morava antes de vir para a capital, meus colegas me chamavam de “Marshmallow”. Até hoje não sei o porquê.

— Realmente esse apelido não combina muito com você, hehe. — Cosme mordeu o lábio inferior e olhou para os sapatos brancos do outro garoto, reflexivo. — Eu sempre quis ter um tênis dessa cor.

— Se quiser a gente troca~.

— Valeu, mas não precisa. Eu posso comprar um. — O loiro levantou-se e se espreguiçou. — Sua vez, J.

— Ah, sério? — Jin gargalhou e tentou pensar em algum outro fato sobre sua vida. — Eu sempre quis fazer aula de dança, mas meus pais não deixaram. Queriam que eu focasse em meus “sonhos profissionais” ao invés de tentar hobbies.

— Você podia se tornar um dançarino por profissão. Soube de empresas de entretenimento que estão desesperadas para contratar.

— Por mais que eu quisesse, não consigo me enxergar nesse futuro. Haha... Eu acho que vou ser médico mesmo. Otorrinolaringologista.

— Meu tio era otorrino também. Ele podia te dar algumas dicas se...

O garoto ficou sério e em silêncio por alguns momentos, e então voltou a sorrir.

— Acho que é minha vez, né? Ok. A pessoa que eu te disse, que é especial para mim... Faz seis anos que não falo com ela. Aconteceram umas... Coisas, e nós nos distanciamos.

— Ah, que pena! — Jin pensou rapidamente em algo para consolar o novo amigo, sem escolher bem as palavras. — Às vezes temos que seguir em frente, mano.

— Em frente...

Cosme engoliu em seco e cruzou os braços como se estivesse com frio. Andou até a beira do container e admirou a linda paisagem em silêncio.

— Jin. É sua vez. — o loiro disse sem tirar o olhar do oceano.

O outro garoto levantou-se de onde estava e chegou perto de Cosme.

— Eu nunca tive um amigo de verdade. Ninguém jamais teve uma conversa dessas comigo. Ninguém jamais mostrou interesse em fazer uma amizade sólida comigo... Até hoje, haha.

Cosme virou-se e o encarou.

— Jin... Posso ser franco com você? Tem um segredo que escondo no meu coração e que não consigo mais o guardar.

— Pode me contar tudo o que você quiser, Cosme. Somos amigos.

Com um sorriso dócil, o loiro fixou seu olhar no outro jovem por um tempo e mordeu novamente o lábio.

— Estou tentando me livrar de um vício.

— Sério?

— Sim... E é muito difícil. Toda vez que eu falho... Toda vez que eu erro em evitar meu vício, é como se eu voltasse à linha de largada. A única maneira de não sentir a dor excruciante dessa derrota é causando uma dor diferente a mim mesmo. E isso me machuca muito, sempre... Mesmo que na hora, eu não a sinta.

Jin deu um passo para frente e segurou a mão direita de Cosme. O semblante do loiro havia mudado bastante naquele momento. Estava visivelmente melancólico e aflito, e Jin estava com muita pena dele.

— Sinto muito por essas coisas, Cosme. Você é uma pessoa incrível e não merece passar pelo que está passando. Saiba que pode sempre contar comigo, não importa qual problema seja. Estarei sempre aqui para lhe ajudar no que for preciso.

Cosme sentiu a respiração de Jin a poucos centímetros de distância de seu rosto e aproximou-se um pouco mais, encostando sua testa na testa do outro rapaz.

— Ah, Jin. Eu lhe agradeço muito por tudo. Não tinha uma conversa tão sincera há muito tempo... Você é, verdadeiramente, uma pessoa legal e super fofinha. Um amigo ideal. — Deu uma risadinha meiga. — Você é muito, muito adorável.

O que Jin sentiu em seguida... Foi um objeto afiado perfurando sua barriga. As mãos de Cosme o empurraram de cima do container.

A queda do rapaz foi rápida; mas o impacto de seu corpo contra a água do mar foi doloroso.

Logo tudo fica escuro.