Por favor, papai – Hikari implorou com as mãos.

Você tem meia hora – disse o pai da criança, o qual estava colocando as bagagens no barco.

Eba! Eu não vou demorar! – prometeu ela correndo em direção ao bote, o qual a transportava para a ilha em que as crianças costumavam brincar.

Fazia uma semana que Hikari e Riku não tinham contato um com o outro. Não foi por falta de tentativa, Hikari o procurou por toda parte, mas hoje não tinha escapatória, ela desejava vê-lo uma última vez antes de ir, afinal era o seu único e melhor amigo.

Ao colocar os pés na areia da ilha, Hikari avistou o menino de cabelos prateados saindo de uma das aberturas das árvores. A garota estava prestes a chamá-lo, mas não terminou o ato ao perceber que Riku não estava sozinho, havia um garoto de cabelos espetados o acompanhando. Ela se aproximou de ambos, tomando cuidado para não ser vista, e se escondeu atrás de uma das caixas espalhadas perto da cachoeira.

É verdade! Eu vi com meus próprios olhos! – afirmou uma voz aguda, Hikari supôs que fosse o menino de cabelos espetados.

Você tem certeza de que não está imaginando coisas? – duvidou Riku.

Tem um monstro enorme lá, eu juro!

Tudo bem, supondo que seja mesmo um monstro... – Riku disse devagar – você acha mesmo que nós seremos capazes de vencê-lo, Sora?

Então o nome daquele menino era Sora.

Sem problema, vamos lá! – Sora encorajou o menino de cabelos prateados. Ele aparentava ser um pouco mais novo que Hikari e Riku – Está ouvindo o monstro rosnar?

Hikari não escutava nada além do som da cachoeira.

Shh, quieto. – Riku pediu silêncio – Nós temos que tomar cuidado.

Eles entraram em algum lugar que Hikari não pôde ver. Quando a voz deles desapareceu por completo, a menina deixou escapar um suspiro de alivio por não ter sido pega.

Então era por isso que Riku não falava mais com ela, ele tinha um novo amigo. Isso quer dizer que ele não precisava mais dela? Que sensação horrível era aquela que Hikari sentia. Ela tocou o próprio peito. Era medo. Medo de ser substituída. E isso a faria sofrer cada vez mais se ela não rompesse os laços com ele. Decidiu esquecê-lo. E aquela decisão já doía mais do que qualquer coisa que sentira na vida. As lágrimas caiam pelo seu rosto, no entanto eram secas pelo vento à medida que voltava para o bote.

Antes de começar a navegar, Hikari olhou para ilha uma última vez.

Adeus, Riku.

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Hikari acordou num ambiente úmido e avermelhado. Ela esfregou os olhos para clarear sua visão, observou os arredores, haviam entulhos de madeira empilhados numa área oval, o lugar estava inundado de água. À sua direita se encontravam seus amigos Kairi e Sora. A líder sorriu diante da peça que o destino lhe pregara, quem imaginaria que aquele garoto de cabelos espetados seria hoje seu parceiro na luta contra criaturas violentas. A garota se levantou e foi em direção a eles, ambos olhavam para cima, buscando algo na parede.

–Hikari, você está bem? – perguntou Kairi ao notar a presença da líder.

–O que vocês estão fazendo? – ela perguntou de volta – Onde estamos afinal? – de repente uma caixa foi lançada em sua direção, Hikari se esquivou a tempo.

–Eu acho que Monstro nos engoliu – Kairi explicou, outra caixa caiu próxima a eles.

–Ei, quem está aí? – Sora gritou olhando em direção a uma das pilhas de madeira.

–Sou eu! – um boneco vivo respondeu, ele estava revirando as coisas de um baú.

–Ah é só o Pinóquio... – Hikari parou para entender o que estava acontecendo ali – Pinóquio?!

–Pinóquio? – perguntou o Grilo Falante quando o garoto pegou um bloco verde do baú – Pinóquio, onde você está indo? Pinóquio! – tarde demais, o boneco já tinha ido para longe outra vez – Rápido! Atrás dele!

–Espera um pouco, onde estão Riku e os outros? – Hikari perguntou aos amigos.

–Nenhum sinal deles por aqui – Kairi respondeu.

–Eles devem ter ido parar em outro lugar da baleia, quem sabe até mesmo nem foram engolidos – Sora ponderou com uma expressão alegre no rosto.

–De onde você tira esse otimismo todo, Sora? – Hikari arqueou as sobrancelhas.

–Ora vamos, eu tenho certeza que Riku não se machucaria tão facilmente assim – Sora a assegurou.

–Como pode ter tanta certeza? – Hikari insistiu.

–Bom, eu sou o melhor amigo dele.

Aquele comentário foi como uma facada no peito de Hikari. Ela não tinha o direito de questionar a amizade entre os dois, após isso permaneceu calada e começou a explorar o que seria a região da boca da baleia.

Encontraram um barco atracado na superfície, totalmente destruído. Lá, avistaram Pinóquio ao lado de um senhor com sobrancelhas pretas, cabelo branco, e um bigode da mesma cor. Seus olhos eram azuis, usava óculos retangulares, vestia uma camisa de cor lilás com mangas largas sob um colete vermelho-violeta, um cinto com revestimento em ouro e decorado com cruzes, e calções pretos que cobriam as pernas.

–O que você tem ai, Pinóquio? – perguntou o idoso.

–Com isso, nós podemos sair daqui, papai – contou Pinóquio se referindo ao bloco verde que encontrara no baú há alguns minutos atrás. Hikari reconheceu que era um bloco pertencente a algum gummi ship.

–Jura? Com esse grande bloco? Você acha mesmo? – perguntou o criador de Pinóquio sem muita confiança.

–É verdade – Hikari confirmou interrompendo a conversa. O grupo subiu a bordo – Então, como você veio parar aqui, Pinóquio?

–Minha nossa, a baleia engoliu todos vocês também? – o senhor se aproximou de Hikari.

–É, parece que sim – ela sorriu amigavelmente para ele.

–Meu nome é Geppetto, eu sou o pai de Pinóquio – ele se apresentou –quando nós nos separamos eu o procurei por toda a parte, ainda bem que nós estamos reunidos de novo - Geppetto pegou o bloco nas mãos e o carregou para um canto do barco – Então, você parece conhecer bem o Pinóquio! Eu espero que ele tenha sido um bom menino na minha ausência. Bem, enfrentamos uma aventura e tanto, certo Pinóquio? – o boneco não se encontrava mais ali.

Hikari prometeu a Geppetto que procuraria por Pinóquio e o traria de volta em segurança, ela aproveitaria a chance para encontrar o resto de seu grupo. Ao se aprofundarem no corpo da baleia, avistaram um homem loiro alto e dois esquilos sobre seus ombros. O trio estava rodeado de heartless.

–Cid, Tico e Teco! – Hikari os chamou.

–Por que demorou tanto, garota?! – Cid quis saber.

Uma nova espécie estava entre os inimigos, ele era semelhante a um fantasma, Hikari pediu que Kairi utilizasse a magia de paralização para que a ela e Sora atacassem, funcionou bem, depois de um tempo os heartless fugiram, dando tempo para o grupo descansar um pouco.

–Vocês estão bem? – Hikari perguntou a Cid e aos esquilos.

–Francamente, nunca pensei em todos os meus anos de carreira que me encontraria numa situação dessas – reclamou o piloto.

–Cid, o que você acha que aconteceu com o gummi? – Kairi mudou de assunto.

–Bom, de acordo com o meu rastreador – Cid tirou um objeto eletrônico do bolso – parece que aquele escudo impediu a nave de ser engolida. Tenho que admitir, aquele garoto é bom.

–Devemos encontrar alguma saída – Hikari ponderou.

–Não da pra pensar com essas pestes por aqui – Cid apontou para os heartless que estavam próximos do grupo.

–Nós sabemos de um lugar seguro – Hikari se virou para Kairi – você pode levá-los até o barco de Geppetto?

Kairi assentiu, não demorou muito até que a líder estivesse sozinha com o garoto de cabelos espetados. Hikari tomou coragem e perguntou algo que estava lhe incomodando fazia um tempo:

–Sora, Riku disse algo sobre mim a você na ilha?

–Não que eu me lembre – Sora colocou a mão no queixo de forma pensativa. Hikari engoliu em seco, então seu medo se tornara realidade afinal – só que quando decidimos construir a jangada, eu perguntei a ele se ele sentiria falta de alguém quando fossemos embora, ele disse que sim, mas não tinha problema porque eles estariam sempre conectados.

(Opcional: https://www.youtube.com/watch?v=M7vDnBjqQBI )

Hikari arregalou os olhos.

“Mas sabe Riku, nós ainda podemos ser amigos”

“Como?”

“Nós estamos conectados!”

“Eu vou sempre estar com você!”

–Eu não entendi o que ele quis di... – Sora assustou-se ao ver o rosto de Hikari – Hikari? Está tudo bem? Por que está chorando? Eu disse algo de errado?

Hikari enxugou as lágrimas. Depois de todo aquele tempo, Riku ainda se lembrava daquilo? Aquele medo não a importunava mais, agora ela sabia que, mesmo não sendo como antes, ela ainda tinha um lugar especial no coração do amigo de infância.

–Não Sora, você disse tudo o que eu precisava ouvir. Obrigada. – com isso voltou a caminhar deixando Sora ainda mais confuso. Ainda sim, ele a seguiu sem protestar.

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Hikari se perguntava como aquela baleia não sofrera uma indigestão com todos aqueles heartless pulando no seu estômago. A dupla ouviu um grito vindo de uma das câmaras, ambos correram para saber o que era quando descobriram que Pinóquio fora capturado por um heartless. O corpo principal deste era grande, ele possuía olhos amarelos brilhantes e arredondados, dentes finos que lembravam as barras de uma prisão. Havia uma cabeça muito menor descansando sobre a principal. Esta segunda cabeça ostentava uma boca irregular e uma antena. Ele também possuía dois longos tentáculos que brotavam de ambos os lados da segunda cabeça. Seu emblema de Heartless estava entre os olhos. Hikari tentou atacar o corpo principal, mas seus ataques foram bloqueados e ela foi jogada para trás, concluiu que o ponto fraco era a segunda cabeça.

Pediu a Sora que invocasse Gênio enquanto ela desferia golpes na cabeça minúscula, ela usou as paredes como apoio para saltar. A estratégia funcionou, mas não tão bem como eles esperavam: ao danificarem o Heartless o suficiente, o dito cujo se prendeu ao teto com seus tentáculos, abriu sua boca e lançou Pinóquio, o qual estava desacordado, num buraco que se abrira próximo aos pés de Hikari, a líder pulou para tentar alcançá-lo, no entanto, não conseguiu a tempo, e ao se dar conta estava deitada ao lado de Sora no chão do barco de Geppetto.

Kairi certificou-se de que ambos estavam bem.

–Parece que o nível de água abaixou, - Cid observou - agora podemos acessar aquela área - ele apontou para uma abertura acima do barco de Geppetto.

Hikari, Sora e Kairi escalaram o corpo da baleia e encontraram uma região cheia de plataformas, e contornada por um líquido verde, Hikari, pelo cheiro, supôs que era algum tipo de ácido. Não muito distante deles estava um boneco desacordado no chão e um adolescente de cabelos prateados na frente dele.

–Riku? – Hikari o chamou, mas ele não parecia a escutar.

–Pinóquio! – choramingou o Grilo Falante. O pequenino parou diante de Pinóquio.

–Grilo... Eu não vou sair dessa... – Pinóquio disse com a voz sonolenta. De repente o nariz do boneco cresceu novamente – Eu acho que estou bem!

O grilo pulou de alegria em resposta.

Riku olhou para cima subitamente, pegou Pinóquio e Grilo pelos braços e os carregou em direção ao grupo. Antes que Hikari pudesse falar qualquer coisa, o heartless de antes apareceu diante do grupo. A líder pensou rápido:

–Sora, invoque Mushu! Kairi, não deixe com que ataquem Sora! Riku, você ataca da esquerda! Grilo e Pinóquio, vocês vão para o barco de Geppetto, nós já limpamos a área, vocês podem voltar em segurança!

Ninguém ousou desafiar as ordens de Hikari, nem havia motivo para isso. A equipe conseguiu dominar a batalha em tempo recorde, dessa vez, o coração roubado flutuou no ar e o heartless havia desaparecido pra valer. Cid e os outros haviam chegado nesse momento, o piloto estava prestes a dizer seu plano para sair dali quando uma corrente de ar muito forte veio do interior do animal. Foi tudo tão rápido que Hikari apenas se lembrava de Riku segurar sua mão antes de todos serem expulsos de Monstro.

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O grupo tinha voltado ao gummi. Hikari estava deitada sobre o corpo de Riku, ele havia tomado o impacto da queda por ela. A líder o ajudou a se levantar.

–Ufa! Eu sabia que um dia o piloto automático dessa belezinha viria a calhar – Cid tocou afetivamente a parede do gummi.

–Hikari! – Kairi chamou a atenção da líder.

Hikari pôs os olhos no chão e avistou o Grilo Falante, totalmente atordoado.

–Eu não acredito que me separei de Pinóquio e Geppetto! – ele contou cabisbaixo.

–Não se preocupe Grilo. Eles devem ter ido para outro mundo – Kairi tentou tranquilizá-lo.

–O que farei agora? – ele se perguntou esfregando as pequenas mãos no próprio rosto.

–Fique conosco – disse Hikari, surpreendendo a todos.

–Como é? – o grilo perguntou pensando ter escutado errado.

–Você esteve anotando tudo até agora não é?

–Você percebeu? – Grilo pegou um pequeno diário de seus pertences – Eu fiz um mapa do lugar caso nós nos perdêssemos, e também descrevi o comportamento daqueles monstros se vocês precisassem de ajuda.

–Uau, isso é incrível! – Sora admirou o mapa que o grilo lhes mostrara.

–Você poderia fazer isso com os próximos mundos que visitarmos? – propôs Hikari.

–Sem problema, mas eu não quero ser um incômodo...

Hikari negou com a cabeça, Grilo se alojou novamente no capuz de Sora. Kairi levou o amigo para ajudar Tico e Teco na sala de máquinas, os quais estavam verificando se havia danos muito graves na nave. Dessa forma, restaram apenas Hikari e Riku na entrada do gummi. A garota se sentia constrangida com aquele silêncio, Riku não dissera nada desde que se encontraram dentro da baleia. Ele estava muito sério, parecia estar em outro mundo.

–Você sabe que pode contar comigo pra qualquer coisa, não é? – Hikari queria se certificar.

–Você já não tem problemas demais pra lhidar? – Riku respondeu, ainda não olhando para ela.

–Tenho - ela puxou o rosto do garoto para encarar os olhos verde-água – Mas você não é um deles.

Ambos ficaram calados naquela posição por um bom tempo. Riku deixou um suspiro escapar, como se um grande peso tivesse sido tirado das suas costas.

–Obrigado. – ele exibiu um sorriso sincero, era tão bonito que Hikari até ficou um pouco zonza.

–Garota! – Cid os interrompeu – Preciso de você na cabine!

Hikari, não querendo ver o piloto estressado, deixou Riku sozinho e foi até onde lhe chamaram.

–Algum problema, Cid?

–Não, mas o mundo no qual estávamos originalmente indo exige algumas roupas especiais – Cid explicou devagar.

–Roupas... Especiais? – Hikari arqueou uma das sobrancelhas.