Durante a longa viagem pelo hiperespaço, poucas vezes ficava na cabine, sentado em uma das poltronas, muitas vezes ao lado do outro menino, que adorava tagarelar; outras vezes só com o robô Luecy, o qual sempre permanecia de pé atrás das poltronas, sempre atento ao painel de comando e olhando vago para tal espaço, que geralmente se tornava escuro como uma noite, com milhares de estrelas que se aproximavam a nosso encontro como fogos de artifícios de apenas uma cor predominante: o amarelo.

Uma de minhas diversões prediletas era sempre desafiar a mente eletrônica e sem falhas de tal robô, fazendo-lhes perguntas simples e obtendo respostas completas e complexas.

— Luecy — aleguei em tom preocupado — o que acha que encontrarei no passado?

— Um destino diferente do real.

— Mas... conseguirei consertar meu destino.

— Jamais altere o passado pra não destruir o presente.

— Não vou destruir nada! — Dei de ombros. — Vou consertar.

— Se você voltar ao passado e roubar uma simples gota de orvalho que seria evaporada pelo calor, ainda assim alteraria irreparavelmente o presente.

— Não sabe o que está falando — aleguei, embora de algum jeito preocupado.

— Filhote de gente ignorante, não imagina o que pretende fazer.

— Não tenho nada a perder! — Dei de ombros — Só a ganhar.

— Se eu fosse humano lhe diria: não mexa no tempo que um Ser sobrenatural criou com todas suas perfeições.

Não conseguindo ouvir dele o que eu almejava, resolvi me calar, me concentrando em outra coisa que Esse Ser Sobrenatural criou e que o ser humano jamais verá: a beleza incomparável de uma longa viagem espacial.

Mas... talvez já sem interesses por este tipo de espetáculo, passava a maior parte do tempo, no tal dormitório da espaçonave, dormindo, lendo, brincando com Arthur, ou simplesmente não fazendo nada.

— Ei, Regis — acordei sendo chacoalhado por Arthur. — Acorde! Vai passar a viagem toda dormindo?

— Me deixe em paz! — Reclamei, rolando preguiçoso naquela caminha de solteiro.

— Que em paz? A vida não é só dormir!

— Tá bem! — sentei-me na cama um pouco nervoso. — O que tenho de especial pra fazer agora?

— Ué! — Balançou os ombros — Conversar comigo!

— O que você quer conversar?

— Você está nervoso — franziu os lábios sentido. — Me desculpe.

Acho que senti remorso em tratá-lo mal. Levantei-me, abracei-o por poucos segundos e pedi arrependido.

— Me desculpe, você. Você sempre se demonstrou ser tão legal comigo e muitas vezes lhe sou tão ingrato.

— Você nunca foi ingrato! — Negou ele. — Somos irmãos.

— Acho que você é mais do que um irmão pra mim. Acho que é um filho.

— Iéca! — Franziu o nariz de um jeito tão engraçado que eu tive que rir — Não quero ser seu filho! Quero ser um irmão!

— Tá bem, maninho! O que quer conversar?

— Sei lá! — Deu de ombros — Só não quero ficar sozinho.

Pensou um pouco, sentou-se na cama, o qual fiz o mesmo e ele continuou:

— Você parece ansioso. É por causa da viagem?

— Claro!

— Está preparado pra voltar a seu tempo?

— É o que mais quero!

— Só que está com medo.

— Estou. Alguma coisa pode não dar certo.

— O que, por exemplo?

— A reentrada para meu tempo. Todos alegam que a nave possa se desintegrar.

— Não acredito que isso aconteça — negou ele sério. — Mas tenho dúvidas quanto a conseguir esta façanha.

— Vamos conseguir.

— Torço de verdade por você — O alegou, sério.

— Por nós dois.

Ele olhou-me tristemente direto nos olhos e insinuou:

— Se conseguirmos tal façanha, você sabe que eu deixarei de existir.

— Não! — Neguei convicto. — Nunca!

— Estaremos em um tempo em que você nunca esteve em meu mundo; em que suas células nunca foram coletadas e que eu nunca fui criado.

— O que existe é concreto! Você é concreto! Poderemos voltar dez mil anos no passado, que você continuará dentro desta nave. Não é porque viajamos no tempo que você se evaporará como água fervente.

— Vou torcer para que tenha razão. Não quero deixar de existir!

Ele tinha lágrimas nos olhos.

— Você sempre existirá, meu maninho — entrelacei seus ombros.

— E o tal paralaxe?

— O que é isso?

— Mexer no passado, altera o futuro. Pior! Altera o presente.

— Você quis dizer, paradoxo!

Deu de ombros.

— Paralaxe seria uma ilusão de ótica. Se a compararmos com o espaço estelar seria o que, ao olharmos para uma estrela a veremos em determinado lugar, mas ela na verdade não está lá. Estaria do lado talvez. Bilhões de quilômetros.

— Você entendeu o que eu quis dizer do passado — tornou a levantar os ombros.

— Meu passado foi alterado, Arthur. Já lhe disse cem vezes! Vou apenas consertá-lo.

— Que foi alterado... Concordo! Que vai consertá-lo... Não acredito!

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E assim, como calculado pelo intelerobô, meia hora antes do meio dia, do dia treze de Outubro, estávamos deslumbrado com a beleza magnífica de grande bola azul, a duzentos mil quilômetros antes de tocarmos nela.

Apesar de já ter feito várias viagens desse tipo, não me recordava de um dia ter apreciado tamanha beleza. Minha querida Terra era linda. Eu tinha razão em querer voltar para viver neste mundo abençoado, deixado como a levitar no espaço infinito de maneira que, sua temperatura, atmosfera, oxigênio, períodos de rotação e translação, minutos, horas, dias, semanas, estações do ano... Períodos de estiagens e de chuvas... tudo na mais perfeita ordem e sincronia. E há quem acredite que mero e desordenado big-bang foi o tal pai desta bola azul perfeita, se esquecendo que um Poder Sobrenatural que sempre existiu e sempre existirá seja o grande mágico que a deixou para que a conquistássemos e zelasse por ela, para que nossos filhos e netos também a herdasse com a mesma dádiva Divina.

Recordo-me de um dia ter dito ao senhor Frene, sobre a teoria de big-bang na criação deste universo, quando a antimatéria se chocou com a matéria, iniciando a partir de então tal processo de criação: Quem foi o menino arteiro que empurrou tal antimatéria de encontro à matéria? Deus é o tal menino arteiro. Ele existe desde antes dessa travessura ter acontecido.

Em toda a viagem, que apesar de ter aparentado apenas sete ou oito dias, teria durado mais de setenta, nunca me deparara com outra imagem tão bela.

— Estamos em sua casa, Regis — insinuou Arthur, talvez com seu coração descompassado. — O que faremos agora?

Luecy mantinha então, a nave estabilizada nesta altura, como se fosse um satélite plantado ali.

Eu, sabendo que a viagem estava próxima de seu final, já me vestira com roupas bonitas: uma bela calça jeans preta com laços de amarrar como um short; uma camiseta polo, azul escura, com faixa branca no colarinho, dois botões e um bolso com zíper do lado esquerdo; uma blusa de frio preta, com um monte de palavras em Inglês, escrito em branco e um par de tênis da Klein, marrom claro, com listras brancas e um largo solado com amortecedores e leds que no escuro brilhavam em vermelho e azul. Apesar do calor, tudo isto para que encontrasse minha família de um jeito especial.

— Ainda não é a minha casa! — Neguei tão assustado quanto ele.

Voltei-me ao robô e questionei-lhe:

— Luecy, quantos dias terráqueos se passaram desde o dia vinte e cinco de Março do ano um mil novecentos e oitenta?

— Vinte e dois mil quatrocentos e oitenta e dois dias — foi a resposta incisiva do robô.

— Quanto tempo a gente demora para dar uma volta em torno da Terra, em sentido oposto ao de sua rotação?

— O tempo que você quiser! — Alegou o robô.

— Não entendi!

— Dez horas! Dez minutos! Dez segundos! Dez milésimos...

— Ainda não entendi.

— Analfabeto — caçoou o robô. — Se viajarmos à velocidade da luz, demoraremos dois segundos. Se viajarmos em velocidade de dobra, faremos duzentas voltas em um segundo.

— Luecy, velocidade total. Vinte e duas mil quatrocentos e oitenta e duas voltas em sentido oposto ao movimento de rotação, em torno de minha querida Terra.

— Loucura! — advertiu-me ele.

— Concorda, Arthur? — Perguntei assustado.

Ele simplesmente balançou os ombros, mas tinha o semblante apavorado.

— Qual o tempo desta viagem? — Questionei.

— Cento e doze segundos, trezentos e oitenta milésimos.

—Estamos prontos — confirmei respirando forte.

A viagem recomeçou e eu fechei os olhos.

Não sabia explicar, mas a mesma viagem que nossa lua demora vinte e sete dias, sete horas e quarenta e três minutos para realizar, nós, estando praticamente na metade de sua distância equatorial, conseguíamos fazer em apenas alguns milésimos de segundos.

Cento e doze segundos depois, ao abrir meus olhos, Luecy plainava nossa nave no campo baldio do aeroclube de Penápolis. Arthur, sentado na outra poltrona a meu lado, ainda com os olhos cerrados estava trêmulo.

— Incrível! — Alegou o robô. — A viagem foi um sucesso.

Arthur abriu os olhos e conseguimos ver pelo painel frontal, outra nave gigante, idêntica à nossa, que iniciava uma viagem, a poucos metros de distância.

— O que há? — Não entendeu Arthur.

— Tony e Rud vieram buscar Regis na Terra — alegou o robô.

— Mas eu estou aqui! — Estranhei.

— Está — Concordou ele.

— Qual é a data aqui na Terra, Luecy?

— Vinte e cinco de Março do ano um mil novecentos e oitenta.

Suspirei e sorri aliviado. Nossa viagem ao passado teria dado certo como eu planejara.

Arthur também riu aliviado. Apesar de termos ultrapassado seu tempo de existência ele continuava ali. E estava muito bem.

— Quem é você, Regis? — Especulou-me ele — Um adulto ou uma criança?

— Mil novecentos e oitenta! Tenho nove anos de idade!

— Quanto é novecentos e sessenta e três divididos por três?

— Como assim?

— Matemática! Divisão! — Riu ele — Responda-me.

Balancei os ombros como quem não sabe a resposta.

— Mais simples: Tenho vinte e um sorvetes e vou repartir com sete amigos. Quantos sorvetes darei a cada um?

— Dividir... Eu tenho vinte e um... divido por sete amigos... — usei os dedos das mãos, calculando — Três, é lógico!

— Já entendi tudo! — Ironizou o menino.

— Chega de graça! Venha comigo.

— Não ficarei na Terra — negou ele.

— Como não? Você é meu irmãozinho predileto!

— Tenho algo especial pra fazer em meu mundo — riu ele.

— Voltará com Luecy pra lá?

— Com certeza! Desejo que realmente se reencontre por aqui.

— Já me reencontrei! — Dei de ombros. — Já me sinto feliz.

— Qualquer dia volto a lhe visitar.

— Voltará pro seu tempo, no futuro?

— Não!

— Como não?

— A viagem ao futuro não é possível! — Negou ele sério — Como ir a um lugar que ainda não existe?

— Irá para seu mundo, porém em meu tempo?

— Tenho algo de especial lá!

— Você ainda não existe lá!

— Claro que não! Estou aqui! Dentro de trinta e um dias existirei lá!

Abracei-o. Embora feliz, sentia os olhos marejados de lágrimas.

— Só não compreendo uma coisa — estranhou Arthur. — Voltamos no tempo eu concordo. Estou aqui eu concordo; pois sou matéria criada e podemos ir a qualquer tempo que não serei apagado. E é baseado nisso que não entendo: por que sua mente voltou a ser a de uma criança e a minha não? Os conhecimentos providos em sua mente são como uma matéria criada e em qualquer tempo, deveria persistir.

Meus ombros responderam por mim como a dizer “sei lá, sou só uma criança e sequer sei o que vem a ser providos ou persistir”.

A porta se abriu e eu caminhei para sua saída. Parei, me voltei a Arthur e insinuei triste:

— Arthur, não sei o caminho de minha casa.

— Eu já imaginava! — Riu ele, me tomando pela mão e descendo comigo pela escada — Eu te levo.