Eu gostaria de poder ouvir música mais uma vez antes de morrer, mas não há nenhum aparelho eletrônico que eu possa usar aqui onde estou. Então, eu cantarolo baixinho. Isso não tem tanto a ver com a história, mas queria que ficasse registrado.

Leitor, agora chegamos num ponto de virada da minha vida. Depois de ser chutado, abandonado, atropelado e ficado em coma, agora eu tinha que vender bolos para pagar os poucos luxos que eu ainda tinha.

Tomás tinha um trabalho na prefeitura e podia, sim, bancar a maioria dos meus luxos, mas não seria nobre da minha parte deixá-lo fazer isso. Então, juntando minha habilidade de gerente e o pouco conhecimento que eu tinha na arte milenar de assar bolos, eu fundei uma loja de doces.

Sim.

Um telepata, que poderia fazer qualquer líder político se dobrar de medo, que sabia como descobrir o maior desejo de alguém, agora seria um confeiteiro. Admito que não foi a melhor ideia do mundo, mas dava o dinheiro que eu precisava. Eu tinha o tempo, a cozinha de Tomás e as receitas eu podia pegar na internet.

E assim, eu abri a iDoces. O nome foi ideia de Tomás, que me apoiou e compreendeu quando eu expliquei que não podia depender dele para pagar tudo por mim. Eu paguei um aluguel justo pela minha estadia lá.

Tomás. Eu sinto falta dele. Até daquela pochete cinza ridícula que ele carregava pra lá e pra cá, e do cheiro de bebida que ele exalava nas primeiras semanas. Eu eventualmente convenci ele a beber menos, e corremos juntos por um tempo, porque a serotonina era uma arma muito forte na luta contra a depressão.

As primeiras semanas na iDoces foram bem monótonas. O Tomás comprou o primeiro cento de doces, para uma festinha que ele deu no trabalho. Ele me convidou, e eu fui. Falarei dessa festa na página seguinte.