Photograph

XVII — Você ainda me amará quando eu não for mais bela?


Desde que recebera a pior notícia de toda sua vida, Lily sentia-se menos viva a cada dia — o que era irônico porque, a certo ponto, era exatamente isso que acontecia com ela. A doença a matava aos poucos, até não restar nada mais a ser consumido.

Lily tentava, tentava ao máximo, ser otimista, mas falhava todas as vezes. Não existia maneira nenhuma de ver a vida mais colorida quando, todo santo dia, era necessário ficar alguns longos e intermináveis minutos sentada em uma cadeira desconfortável enquanto substâncias químicas eram aplicadas diretamente em sua veia. Doía, era desconfortável e deixava seu braço com uma péssima aparência, repleto de furos, hematomas e cicatrizes.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Era difícil ter algum otimismo perante isso. E ela sabia que precisava ser forte, ou, pelo menos, aparentar força para aqueles que a rodeavam. James, principalmente. Quando ela precisava de conforto, consolo, ou qualquer mínima coisa que a animasse um pouco, era para o abraço dele que sempre corria. Por alguns minutos, enquanto estavam abraçados, tudo parecia melhorar.

Mas, não era como se ela não percebesse que, no meio da noite, ele levantava e passava algum tempo caminhando pela casa, até voltar para o quarto. Ou, mesmo que ele se mantivesse sereno nas vezes em que Lily caía no choro, ainda era possível ouvi-lo desabar em silêncio, sozinho, para que ela não o ouvisse.

Além disso, ainda tinha Harry, que, do dia para a noite, viu toda sua rotina virar uma confusão inexplicável de acontecimentos. Mesmo que não entendesse tudo o que acontecia, ele não ousava fazer perguntas. Tomava o que via como verdade para si: sua mãe chorava pelos cantos quase todos os dias, e, de repente, havia perdido parte de sua alegria diária.

Harry a via quase sempre triste, com olhar vazio e sem todo o ânimo e energia que sempre teve. Nem parecia a mesma pessoa; era como se uma dublê sem todos os sentimentos bons tivesse tomado o lugar de Lily por tempo indeterminado. Às vezes, quando a via dormindo no sofá — coisa que nunca antes acontecia, mas, agora, era quase recorrente — ele desejava que sua antiga mãe voltasse.

Era um pensamento tão infantil, mas, de certa forma, ser infantil era o que ele queria. Pensava que, se fosse criança de novo, teria sua mãe de volta. Como se isso não fosse o suficiente, ele já tinha perdido as contas de quantas vezes viu seu pai forçar uma postura mais firme porque, de uma hora para a outra, os dois estavam no mesmo cômodo. James tentava não se mostrar fraco na frente do filho, mas ele sabia que Harry percebia sua fraqueza.

Lily mal saía da cama nos piores dias. Não tinha ânimo e nem vontade de fazer nada que não fosse ficar deitada o máximo de tempo possível. Ficava olhando para o teto por horas, até que o relógio marcasse o maldito horário de levantar, ir ao hospital, injetar substâncias químicas no braço, e voltar. Se não fosse necessário fazer isso, ela nem se daria ao trabalho de se prestar à quimio diariamente.

Com muito menos vontade do que qualquer outro momento da sua vida inteira, ela se pôs em pé. Sentiu as pernas fraquejarem — o que deixava evidenciava a consequência de não se alimentar da forma correta por alguns dias — e, por pouco, não a levaram ao chão. Lily estava fraca, fisicamente falando, e várias coisas simples tornavam-se quase impossíveis de uma hora para outra.

Às vezes, levar um copo à boca exigia mais força do que ela tinha. James até cogitava oferecer-se par ajudar, mas, nas vezes em que fez isso, recebeu um daqueles olhares mortais que ela tinha. Tudo o que ele podia fazer era assistir, sem tomar atitude alguma, sua mulher desaparecer diante dos olhos.

Aquela não era a Lily de antes, a ruiva que conheceu por acaso em um bar, com quem teve um ou dois porres, a pessoa do relacionamento mais complicado que já teve, e, principalmente, a mãe do seu filho. Pelo contrário, aquela era uma versão mais fraca, magra, sem fome e doente da Lily que tinha conhecido há anos.

— Lily? — ele chamou na porta do quarto, no horário certo para levá-la ao hospital. Não era realmente necessário que ela fosse levada, mas James não conseguiria deixar de acompanha-la em cada momento. — Pronta?

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Não, James — a resposta veio num fio de voz, fraco e quase inaudível. — Eu não estou pronta para ir lá, de novo, passar pela mesma coisa de novo e ter que agir como se tudo estivesse bem, porque não está! Daqui uma hora e meia eu volto para casa com mais um furo no braço, mais uma marca que vai me fazer lembrar dessa porcaria dessa doença pelo resto da vida! Eu olho no espelho e não reconheço aquele reflexo, não tenho mais vontade de fazer nada do que fazia antes. Minha vida acabou — seu tom aumentava algumas oitavas a cada frase, até que estivesse gritando. Em um segundo, ela respirou fundo e voltou a ficar mais calma. — Se você perguntou se terminei de me vestir, então sim, estou pronta.

— Ei, ei, ei, vem aqui — ele a abraçou, mesmo que não tivesse sido pedido. Lily parecia precisar só daquilo para cair no choro. — Me perdoa, eu não tive a intenção.

— Eu sei, mas é que às vezes é demais para mim. Se eu não tivesse você e o Harry, acho que já teria desistido há muito tempo.

Ouvir aquilo foi quase como levar um soco na boca do estômago. James não podia acreditar que ela realmente cogitaria desistir, justo ela, que sempre tinha sido tão determinada. Sem conseguir conter a própria expressão, ele curvou o rosto em descrença e a abraçou com um pouco mais de força. Permaneceram assim por mais alguns minutos, sem dizer nada, até que Lily parou de chorar e ficou mais calma.

Em todo o caminho, prefeririam manter o silêncio. Talvez dizer alguma coisa pudesse acarretar outra explosão da parte dela, e isso realmente não era o que precisavam. Olhar para janela ou prestar atenção apenas no trânsito bastou durante todo o percurso, até que chegassem.

Era um prédio alto, beirando os vinte andares, e com alas para o tratamento de dezena de doenças, inclusive o câncer. Lily conhecia aquele hospital como a palma de sua mão e, mesmo se estivesse de olhos fechados, saberia chegar à mesma sala de sempre, com as mesmas pessoas de sempre. Ela, que odiava rotina, agora vivia em uma extremamente dolorosa.

James sempre a esperava na parte destinada às visitas. Ficava ali o tempo que fosse necessário, até que a visse liberada para ir embora. Não era incomum ver pacientes que encaravam aquilo tudo, todos os dias, sozinhos; desde crianças a idosos, quase sempre um ou outro ia até lá desacompanhado. Na grande parte das vezes, era sob a desculpa de que conseguiam fazer aquilo sem ninguém.

Apertando os olhos, Lily sentiu a já tão conhecida agulha perfurando seu braço. Num ímpeto de inocência, ela chegou a acreditar que, algum dia, se acostumaria com aquilo. Mas, a verdade era que não existia costume para aquilo e ela descobria isso pouco a pouco a cada dia. Enquanto ficava ali, em silêncio, não podia deixar de pensar porque tinha sido escolhida para viver aquilo, porque não poderia ter sido qualquer outra pessoa.

Desde que o tratamento havia, de fato, começado, ela passou a observar os outros enquanto andava na rua. Perguntava-se se, por acaso, as outras pessoas passavam por todos aqueles momentos ruins, ou talvez piores, como ela. E, quase sempre, acaba concluindo que não. Nem todos tiveram a chance de serem agraciados com uma doença que poderia matá-los do dia para a noite.

Ela não gostava de pensar no fator morte, mas era inevitável. Desde sempre, durante toda a infância e adolescência, via notícias de pessoas que morreram em decorrência de algum câncer, então, no auge de sua vida adulta, descobrir que parte de si — grande parte, aliás — era câncer a deixou sem muitas expectativas boas.

Todo seu dia a dia mudou desde então, como era esperado. De repente, Lily passou a se sentir como um peso na vida daqueles que a cercavam, em especial James. Ela não conseguia se perdoar de ser doente logo quando tudo parecia conspirar a favor deles, depois de tudo ter conspirado contra por anos, por ter sido a razão para ele se mudar de Londres para lá e, ao invés de curtirem o tempo que tinham juntos, serem forçados a ficar horas no hospital diariamente.

Por isso, por pensar nesses pontos chaves, ela se permitia desabar em lágrimas do nada. Era o meio que tinha de extravasar, de se sentir mais leve e mais livre de todo o peso extra que a doença lhe dava. Era estressante demais, difícil demais, ir dormir todas as noites sem a certeza de que acordaria na manhã seguinte, a frustração se sobrepunha à dor.

— O seu já acabou, pode ir embora — a enfermeira responsável a avisou, no mesmo tom amigável de todos os dias, fazendo-a voltar à realidade. Era uma moça alguns anos mais nova, muito educada e atenciosa com todos os pacientes, principalmente Lily, com quem tinha certa simpatia a mais. — Até a próxima sessão, Lily.

— Até amanhã, Quinn.

De cabeça baixa, ela caminhou até a sala de espera, onde James a esperava, como sempre. Vê-lo era quase como receber certa energia para continuar com aquilo tudo, afinal, ele não deixava de sorrir nenhuma única vez após uma sessão de quimioterapia. Lily precisava ser forte por alguém que não fosse si mesma, e, se não fosse por ele, tinha que ser por seu filho.

Ele a abraçou e, assim, caminharam até o lado de fora. Sempre que andavam abraçados, era como se James precisasse reafirmar as coisas mais óbvias para que pudesse tirar dela aquele sorriso típico de quando alguma coisa a deixava desconfortável. Às vezes, ela ainda agia como se ainda fossem estranhos ou pouco conhecidos.

— Você é linda, meu amor — ela escondeu o rosto com a mão quando ouviu aquilo.

Já em casa, Lily aproveitou que tinha algum ânimo em estar de pé e decidiu que aquela era uma boa hora para lavar o cabelo. Ultimamente, aquela simples ação lhe tomava muito mais tempo do que o normal, e exigia uma força maior, deixando-a no mais puro estado de cansaço. Embora, às vezes, ela recebesse oferta de ajuda, dizia a todos que era capaz de fazer sozinha.

Parada em frente ao espelho, a única certeza que tinha era de não reconhecer aquele reflexo. Desde sua pele mais pálida do que jamais esteve, até as olheiras fundas abaixo dos olhos, a pessoa que via não podia ser a mesma de alguns meses antes, não podia ser. Lily passou a mão pelo cabelo, na tentativa de colocá-lo para trás, e sentiu que alguns fios se soltaram.

Ela sabia que, mais cedo ou mais tarde, isso viria a acontecer, mas não esperava que fosse tão cedo. Não parecia certo que visse seu cabelo cair com tanta facilidade — o que nunca tinha acontecido antes. Era como, se a cada fio que se soltasse, um pouco da sua melhor parte também caísse por terra.

Sua mão tremia, assim como todo o resto do corpo, mas não só por toda a angústia e nervosismo que apossou seu corpo, e sim pelas lágrimas intermináveis e incontroláveis que brotaram em seu rosto. Seu choro não era como os outros, calmo e baixo, para que não fosse ouvida, pelo contrário; ela chorava audivelmente, como se quisesse ou precisasse que alguém a ouvisse.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

James a encontrou sentada no chão do banheiro, escorada na parede, com vários tufos do próprio cabelo na mão. De todas as situações pelas quais tinham passado desde que o diagnóstico fora dado, aquela com certeza era a pior. Ver Lily ali, sentada, aos prantos por algo que não tinha volta, era imensuravelmente doloroso.

Ele sabia que não tinha o que fazer para reverter aquilo, mas ainda podia acalmá-la — ou ao menos tentar. De maneira desajeitada e um pouco desconexa, conseguiu trazê-la para si em um abraço. Ela ainda chorava, sem qualquer chance de parar, a ponto de molhar a camisa que James usava. Nenhum dos dois se importava com isso, no entanto.

— Eu não aguento mais — Lily conseguiu dizer depois de um tempo, com a voz fraca. — Eu não quero mais. Chega, James, eu estou cansada disso.

O que ela queria dizer com aquilo era claro e óbvio. Com toda certeza ela estava cansada daquilo tudo, qualquer um estaria, e ele até tentava compreendê-la — embora jamais soubesse, com precisão, o que se passava na mente de Lily. Mas, falar aquelas coisas não condizia com ela, que sempre fora o tipo de pessoa que não desistia das coisas.

— Nunca, nunca, nunca diga isso — ele respondeu, trazendo-a para mais junto de si. — Nem ao menos cogite desistir de tudo, de nós, do Harry...

Aquele era o ponto fraco de Lily e os dois sabiam disso. Falar sobre Harry era como tocar em uma ferida em aberto, e não poderia ser diferente. Como toda mãe, ela tinha o próprio filho como fraqueza. E talvez James tivesse pegado pesado ao falar naquilo, mas eram grandes as chances de ser a única coisa que a faria pensar racionalmente ao invés de querer jogar tudo para o alto.

Lily murchou ao ouvir aquilo, quase instantaneamente. A única coisa na qual passou a pensar foi em Harry sozinho, sem sua presença mais. E aquilo a machucou de um jeito que era quase impossível descrever. O que sentia por ele, o amor que tinha pelo filho era grande e forte o bastante para fazê-la seguir adiante qualquer dificuldade, inclusive um câncer.

— Eu amo você — ela murmurou.

— Eu amo você também.

Minutos mais tarde, enquanto James preparava alguma coisa que pudessem comer, ouviu o que provavelmente indicava a presença de Harry. Ele não fazia a menor ideia das crises que a mãe tinha ao longo do dia, e isso com certeza era o melhor, ou sabe-se lá qual seria sua reação ao vê-la chorando no chão do banheiro.

Lily, que tinha aceitado que não havia nada para fazer contra a queda de todo seu cabelo, agora se olhava no espelho com um dos lenços que tinha guardado. Com toda a certeza, não era naquela situação que ela imaginou se ver alguns anos à frente — e só de pensar que a Lily de quinze anos estaria decepcionada com sua versão futura a fazia ficar ainda pior.

Quando achou que não precisava mais permanecer no quarto, como se estivesse se escondendo de algo ou alguém, caminhou até a sala. A primeira coisa que viu foi a sombra de Harry e, instantaneamente, sentiu um aperto no peito. Não queria que ele lhe visse daquele jeito, mas não havia outra alternativa.

James sorriu ao vê-la, como se quisesse que ela sorrisse também, mas não conseguiu. Lily mantinha-se séria, claramente em desaprovação, em um processo que seria longo demais de aceitação pessoal. Afinal, não era todo dia que alguém perdia a melhor parte de si — que, no caso dela, era o cabelo. Ela tinha sido muito vaidosa e cuidadosa com os fios desde que se entendia por gente. Agora, precisaria aprender a viver sem eles.

Assim que pousou os olhos sobre Harry, que a olhava confuso, mas sem dizer nada, não pôde evitar de deixar escorrer uma lágrima. De dor, angústia, aflição, medo, desespero, todas essas coisas juntas, unidas em um sentimento que ainda não podia ser nomeado. Ele caminhou até Lily e a abraçou, perdendo-se no abraço da mãe. Era o que bastava para que ela chorasse ainda mais.

— Você é linda, mãe. Eu te amo de qualquer jeito.

— Eu também te amo — respondeu, beijando-o na altura da testa.

James observou a cena de longe, sem interferir e sem dizer uma só palavra. Quando Lily o olhou, tudo o que ele fez foi sorrir e assentir em concordância, mostrando que de fato a apoiava de todo jeito. A mais remota possibilidade de ela realmente desistir de tudo era absurda e, de todos os envolvidos, Harry era o que sairia mais prejudicado.

O relógio marcava altas horas da noite e já era mais do que o horário para que ela dormisse. Com toda aquela doença, seu corpo se cansava com muito mais facilidade e a fazia dormir por períodos mais longos de tempo. Seus olhos pesavam enquanto tentava se concentrar em algum programa de auditório que assista com James, mas era quase impossível. Sem nem perceber, pegou no sono ali, no sofá da sala.

Como se estivesse tendo a chance de reviver os anos em que eram jovens, ele a pegou no colo para levá-la até o quarto. Lily parecia livre de qualquer preocupação, problema ou sofrimento enquanto dormia; o rosto convergido em uma expressão da mais pura calma e serenidade. A boca, entreaberta, parecia estar sempre com um sorriso, embora ela já não sorrisse verdadeiramente há meses.

Se fosse possível, James às vezes queria poder tirar o câncer dela e pegar para si. Assim, a veria sempre feliz, animada e contente, do jeito que tinha sido desde que a conheceu, há muitos anos. Nenhum deles podia cogitar, naquela fatídica noite em um pub londrino, que quase duas décadas depois ainda estariam juntos, e com muita história para contar.

Mas, a possibilidade de livrá-la da doença ainda não existia e, toda vez em que ele pensava nisso, sentia-se ainda mais impotente. Não era justo, dia após dia, ver a pessoa que mais amava no mundo sofrendo por uma coisa que, na verdade, não era culpa dela. A sensação de incapacidade o dominava sempre que Lily chorava, independente do motivo; fosse dor ou até mesmo medo do desconhecido.

Com todo o cuidado possível, James a colocou na cama, tentando não a acordar no meio do processo. Ela se mexeu algumas vezes, mas continuou dormindo, pelo menos aparentemente. A verdade era que Lily tinha o sono leve o bastante para ser acordada no exato segundo em que foi tirada do sofá. Porém, preferiu continuar de olhos fechados e aproveitar aquele momento.

James abaixou-se e a beijou na testa, no mais puro sinal de cuidado que poderia existir no mundo. Murmurou que a amava e que sempre estaria ao lado dela, apesar de qualquer coisa. Por último, reafirmou o que Harry tinha dito mais cedo e disse que ela era a mulher mais linda de todo o mundo. Lily sorriu e, naquela noite, não teve nenhum pesadelo.

···

Nos meses que se seguiram, aquela era basicamente a rotina na qual Lily estava inserida. Depois de algum tempo, como era de se esperar, ela acabou se acostumado com aquilo tudo, mas nunca aceitando. Era claro que sua vida jamais voltaria ao normal, ou a ser como era antes, mas, depois de quase um ano, ela já conseguia lidar com um pouco mais de facilidade com a doença.

Suas sessões de quimioterapia ainda eram longas, dolorosas e invasivas, talvez ainda pudessem ser categorizadas como a pior parte de seu dia. Mas, também, já eram parte da rotina com a qual era tinha se acostumado. Isso não significava que os roxos, cicatrizes e furos nos braços e mãos pararam de doer.

Pouco a pouco, Lily percebeu que as pessoas ao seu redor seguiram suas vidas. James conseguiu um emprego como fotógrafo em um estúdio de fotografia — o que preenchia seus dias e o impedia de tomar todas as dores dela para si —, Harry passou a dedicar-se integralmente aos estudos, e, ao que tudo indicava, ele parecia ter uma namoradinha de adolescência.

Era bom ver que eles seguiam em frente, ao invés de prenderem-se à doença dela. Aos poucos, Lily também tentava voltar ao que era antes de tudo aquilo, mas, claro, sem sucesso. Não poderia retornar ao trabalho sem considerar o quanto suas sessões diárias de quimio iriam atrapalhá-la. Mas, ainda podia tirar alguns minutos do dia para caminhar pela orla da praia, até que se cansasse demais — o que geralmente acontecia dentro de pouco tempo.

Todas suas noites eram imprevisíveis. Ela não podia saber se dormiria em paz ou se acordaria no meio da madrugada com um pesadelo terrível. Simplesmente não dava para ter ideia alguma disso. Isso não se estendia apenas a ela, claro. James também não podia evitar de ficar apreensivo, e já tinha perdido a conta de quantas vezes precisou acalmar uma Lily histérica e ofegante, que acordara do nada aos gritos.

Mas, aquela noite não seria uma das calmas, ao que tudo indicava. Ela se revirava de um lado para o outro na cama, inquieta demais com alguma coisa que só era visível no seu subconsciente. Sua respiração foi de normal e tranquila a acelerada em segundos. James a puxou para perto, na tentativa de acordá-la e, por consequência, a deixá-la mais calma.

— Lily, ei, calma — murmurou. — Está tudo bem agora, foi só um sonho.

— Eu sonhei que... a doença me matava — a resposta dela era dolorosa. — E eu estava horrorosa. Você ainda vai me amar quando eu não for mais jovem e bela? Bom, na verdade, só bela porque já não somos jovens.

— Não fique pensando nesse tipo de coisa para não ter esses sonhos — James falava como se estivesse brigando com uma criança, num tom calmo, porém firme. — E eu vou te amar de todo jeito, entendeu? — ela concordou com um sorriso fraco. — Agora, volte a dormir e pense em coisas boas.

Então, seguindo o que ele disse, Lily pensou só em coisas boas, nas suas memórias favoritas. Reviveu os momentos que teve com James ao longo dos anos, e, sempre que fazia isso, era quase inevitável lembrar de seu quase casamento com Diggory. Por sorte, havia dado tudo errado e sua vida pôde ter o rumo que teve.

Mas, sua memória favorita ainda era de quando viu Harry pela primeira vez. Sempre, independente da hora, que pensava nisso, um sorriso involuntário brotava no rosto. E ela preferiu dormir assim, sorrindo, para que não tivesse mais nenhum sonho ruim.