10 – A tal Centellha

—De novo! – Perseu gritava sem parar.

Percy rosnou um xingamento em grego e novamente preparou uma flecha. Ele mirou e respirou fundo. Já tinha acertado três vezes seguidas no centro vermelho do alvo.

Disparou a flecha. Ela se alojou no círculo vermelho. Percy respirou fundo.

—De novo! – Perseu batia com graveto de madeira em Percy , ajeitando o corpo do garoto – Sua postura é fraca , seria facilmente derrubado numa luta. O arco é sua extensão , e não apenas uma arma.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

—Estou tentando , mas é ruim quando não se tem incentivo – ele revirou os olhos e pegou outra aljava de flechas no estande.

—Incentivo? Aha que Tártaro vai incentivar você? Ele vai matá-lo se continuar assim , fraco e vulnerável , você não tem mais a maldição de Aquiles , garoto...

—Aaaah! , pare de criticar , faça melhor! – Percy jogou o arco no chão. Perseu riu.

Ele pegou o arco e atirou a flecha sem mirar ou olhar. A flecha se alojou dentro da outra e furou o alvo no centro. Percy arregalou os olhos.

—Você é muito lento. Previsível.

Perseu pegou uma das lanças de madeira e a jogou com perfeição no alvo. A estrutura de madeira cedeu e caiu na terra.

—De novo!

Percy pegou o arco do chão e preparou mais flechas na aljava. Naquele dia ele não falou com Perseu novamente.

***

Percy estava nadando no Lago Superior junto com a Srª O’Leary. Já faziam quase duas semanas que ele treinava com Perseu. Estava cada vez mais rápido , mais forte e mais ágil.

Não usava Contracorrente para treinar. A caneta ficava no criado em seu quarto. Percy havia forjado uma espada de aço no forno as margens do lago. Três vezes mais pesada que Contracorrente. O garoto estava se tornando um mestre em facas , machados , lanças , lutas e arquearia.

Sempre lia muitas páginas do Livro de Gaia por dia , mas para cada uma que lia , cem novas pareciam aparecer do nada.

Magia , histórias nunca antes contadas. Feitiços. Perseu tentava convencer Percy a usar alguns dos encantamentos , mas o garoto se recusava. Havia de tudo. Mover os objetos sem pegá-los. Fazer seus inimigos sentirem dor. Leitura de pensamentos. Criar fogo. Tudo parecia surreal demais para Percy acreditar. Perseu sabia muitos encantamentos , ele tentava ensiná-los para o garoto , mas este nunca se saía bem.

A Pedra de Onfalos continuava desaparecida. Perseu não mencionava nada sobre ela , e Percy não perguntava.

O garoto estava andando para a cabana , a cadela infernal o acompanhava saltitando com um escudo na boca. Ele deixou a espada fincada na terra perto da casa e a Srª O’leary se foi babando para o canil gigante que Percy havia construído na orla da floresta.

Percy tirou a camisa de algodão e o colete de couro e os jogou na mesa do refeitório. Perseu estava cozinhando algo na velha churrasqueira de tilojos no canto da parede.

—Garoto , como foi a pesacaria? Trouxe nosso jantar? – Percy fechou a cara – Brincadeira.

Percy foi andando até o quarto e pegou uma toalha. Eles não tinham água encanada , mas a cabana de Perseu estava equipada com uma espécie de Termas funcionando sob a luz solar.

O garoto se banhou nas águas quentes por um bom tempo. Algo o incomodava , na noite anterior , havia lido algo sobre os poderes que Gaia usara para aprisionar Tártaro. Mas a página estava rasgada em um ponto. Ele tinha a impressão de que Perseu sabia de algo.

Saiu do banho e voltou ao quarto. Ele vestiu as únicas roupas que pareciam ter por ali. Botas surradas , camisas de algodão , coletes de couro e calças cáqui escuras. Camponês medieval.

O garoto havia começado a cortar o cabelo igual a Perseu. Militar. Curto.

Percy ouviu o sino que Perseu sempre soava e saiu para o refeitório. Ele se sentou à mesa e ficou tamborilando os dedos enquanto bebia vinho tinto no cantil. Era a única coisa que eles tinham ali. Além da água que Perseu pegava da nascente no alto do pico em Greenwood Lake.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Perseu trouxe os pratos com carnes que comprava em Grand Marais , arroz , batatas assadas e verduras. Ele pegou um dos copos e encheu de vinho.

—Aos deuses.

—Aos deuses – Percy o imitou. Eles não jogavam a comida no braseiro , segundo Perseu , os deuses nunca o deixavam sentir cheiro de ambrósia e néctar , então não mereciam sentir o cheiro de churrasco e batatas.

Eles comeram em silêncio. Percy ainda estava com a cabeça no Livro , o garoto olhava para o Lago a poucos metros da cabana , se perguntando o que aconteceria se falhasse ao enfrentar Tártaro.

—O que o perturba garoto? – Perseu estava palitando os dentes.

—Nada , é só que queria saber algo do Livro.

—O que é?

—Qual é o poder que Gaia usou para prender Tártaro no abismo? – Perseu alisou a barba grisalha , ele se parecia com Quíron quando fazia aquilo.

—Bom , ela usou muitos meios , mas dizem que havia um especial.

Percy aguçou os ouvidos , mas não tirou o olhar do lago.

—É chamado de Centelha— Percy sabia o que significava. Era uma espécie de faísca ou fagulha.

“Era um poder único. Capaz de destruir qualquer coisa. Gaia o criou quando morreu. Ela doou seu espírito em favor da Terra e assim gerou esse incrível poder. Foi assim que Tártaro ficou preso no abismo. O poder da Centelha o impediu de destruir o mundo”

—Nossa – Percy deixou escapar – E você usou esse poder?

—Não , não – ele riu – É um poder extinto , as pessoas dizem que quando Gaia morreu , levou consigo esse poder. Tem de haver outro jeito de matar Tártaro , o poder da Centelha não existe mais.

Percy ficou pensando nesse poder durante a noite. Ele enrolou na cama até que o sono o venceu.

***

Ele soube que estava sonhando no momento em que estava no alto da Colina Meio-Sangue. A chuva caía e castigava tudo por ali. O fogo persistia e queimava nos chalés e no telhado da Casa Grande. A orla da floresta estava tomada por monstros. Um pequeno grupo de adolescentes com camisa laranja estava sendo flanqueado pela praia e pelas colinas.

Estavam cercados.

A mesma massa escura e nebulosa ficava à frente dos monstros , rindo e brandindo a lâmina feita de aneomoi thuellai.

Percy conseguiu notar a juba de cabelos louros tentando liderar os campistas. Annabeth andava de um lado para o outro gritando incentivos e animando os feridos.

—Não seja tola menininha insolente , ele não voltará , eu o matei – Tártaro ria com gosto – Era o único que podia de fato me derrotar , mas não teve nem chance , agora destruirei vocês para que sirva de aviso para seus deuses.

—Mentiroso! – Annabeth gritava – Ele vai destruí-lo.

—Sinto muito , esse é o primeiro estágio do luto , a negação – Tártaro girou a lâmina da espada , Percy quis gritar para Annabeth se defender , mas sua voz não saía – Quem sabe não damos mais um motivo para seus amigos ficarem de luto? Sim , ótima ideia.

No ribombar do raio , Tártaro avançava com velocidade surpreendente e fincava a lâmina negra no peito de Annabeth. Ela se desfalecia sob o olhar de Percy.

***

Percy sempre acordava gritando. Mas esse fora um sonho diferente. Desta vez Tártaro não só estava brincando com os pensamentos do garoto , mas aquilo era realmente uma visão futura , algo que ainda não havia acontecido. Percy se perguntou se eram os dons que Perseu vinha tentando ensiná-lo.

O garoto se levantou e saiu do quarto. Ele andou pelo pátio escuro e frio. Acendeu uma das tochas com o isqueiro da churrasqueira e pegou um pouco d’água do filtro de barro.

Estava bebendo calmamente quando uma brisa apagou a tocha. Instintivamente levou a mão para o bolso da calça e retirou Contracorrente. Ele a deixou na forma de caneta e colocou o copo na mesa.

Se escondeu atrás da parede de um dos quartos e respirou fundo. Não conseguia ver mais que um metro. E o brilho de Contracorrente mostraria sua localização.

—Não se preocupe semideus , eu não desejo lhe fazer mal – Percy relaxou um pouco mas não saiu do lugar.

—Quem é você? – ele gritou e destampou Contracorrente.

—Já me chamaram de muitas coisas , Criador , Cisão , Rachadura , Amplitude , Primordial — a voz era vazia como vácuo e distante como o céu , não tinha entonação e nem se podia medir a idade. Quase como se uma porta estivesse falando.

—Não acredito.

—Então acho melhor me apresentar com o nome mais conhecido , por assim dizer – Percy ergueu uma sobrancelha – Eu sou Caos.

Percy não sabia muito sobre a árvore genialógica dos deuses , mas sabia o bastante para juntar dois mais dois. Caos , a primeira divindade descrita por Hesíodo. O criador de tudo.

Havia algo em sua voz oca que transbordava verdade. E se ele fosse mesmo Caos , porque mentiria?

—Lorde Caos.

—Lorde? Já me chamaram de muitas coisas , Lorde não.

—A que devo uma visita inesperada?

—Acho que nós dois sabemos. A ordem está alterada. Tártaro ameaçou por fim à existência.

—Sim – Percy não estava pensando nisso. O sonho ainda rebatia em sua mente.

—Ah , em meus milênios de existência , jamais vi algo mais forte que o amor , é capaz de grandes sofrimentos e também de grandes mudanças no rumo das coisas.

—Como sabe? – foi tudo que Percy disse.

—Ah , eu sei muito sobre muitas coisas – o garoto saiu de trás da parede quando notou o braseiro brilhando em brasa.

Percy se aproximou , os olhos iluminados pelas labaredas que dançavam.

—Sua mente está conturbada – o fogo começou a tomar formas , rostos , amigos , família – Sua cabeça , muito cheia de pensamentos – o rosto sorridente de Annabeth se destacava – Muitas vozes , muitas visões , muitos sonhos.

Ele via o acampamento em chamas. Tártaro se erguia sobre uma pilha de corpos , marchando em direção à Manhattan. Annabeth jazia morta na orla da floresta , quase como se fosse um aviso para Percy. Os olhos do garoto estavam incandescentes ao olhar para as imagens de destruição e ruína.

—Eu posso ajudá-lo a mudar isso – Percy riu com escárnio – Posso ajudá-lo a mudar o destino de Annabeth.

—Como? – Percy não estava dando importância , mas o fato de aquele ser Caos martelava em sua mente. E se fosse possível salvá-la?

“Quando no crepúsculo o último brilho do sol apontar,

A montanha que se ergue das águas que não são mar.

O solstício mostrará o que pode ser mudado,

Com o sacrifício daquele que se tornou o presságio"

Mais uma profecia. E pela primeira vez ele quis segui-la no momento em que ouviu. Sua cabeça estava em Annabeth , e na possibilidade de salvá-la.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!