11 – Os Dons do Mestre

O ar rarefeito fazia Percy se cansar rapidamente. Ele mal conseguia escapar das investidas de Perseu. A espada pesava em sua mão. Perseu o desarmou facilmente. A espada caiu fincada alguns passos dali. O garoto se sentou na pedra respirando com dificuldade.

—Como você consegue? – Percy bebeu água do cantil – Digo , não se cansa.

—Eu já lhe disse isso muitas vezes , eu aceitei quem sou , e isso me tornou muito mais poderoso – Perseu se apoiava no cabo da espada. Ele usava um peitoral de bronze e as mesmas roupas de camponês que Percy – Isso não é importante , você decidiu ser apenas meio-sangue , não posso obrigá-lo a usar seus dons. Treinemos com as facas.

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Perseu havia feito Percy trazer um estande cheio de armas , o garoto subiu mais de 2000m da montanha com aquilo nas costas.

Ele esticou a mão para o estande e as facas voaram diante dos olhos do garoto. Percy já estava acostumado com aquilo , Perseu fazia todas as coisas levitarem , isso era até irritante , pois quando o garoto se atrasava para os treinos , Perseu sempre jogava baldes d’água em sua cabeça.

Percy se levantou e ficou posicionado de frente para Perseu. Ele pegou algumas facas e se distanciou alguns passos do aluno.

Era sempre do mesmo jeito. Perseu sempre atirava armas em Percy. Ele tinha que se desviar de machados , lanças , e até parar flechas com as mãos.

Os últimos meses haviam se passado rapidamente , e o treinamento só parecia ficar mais puxado , mais desgastante. A saudade de Annabeth e o medo que crescia dentro dele o motivavam a treinar mais e mais.

Perseu ficou atirando facas em Percy por uns quinze minutos direto. O garoto as desviava , as defendia com as grevas , as parava com as mãos e as arremessava de volta. A rapidez era impressionante , mas Perseu nunca demonstrava espanto ou surpresa , ele parecia não sentir emoções , parecia apenas um soldado nascido para matar. Uma máquina perfeita. E era isso o que desejava para Percy.

—Você precisa aceitar quem é – Perseu juntou as facas num círculo ao chão apenas com um movimento dos braços – Você pode atirá-las em mim , e lhe mostrarei quem você realmente é.

Percy se levantou afoito. Perseu nunca havia deixado ele atacar.

O garoto pegou algumas e prendeu no cinto de facas que cortava a lateral do braço e um pouco do ombro.

—Preparado? – Perseu fechou os olhos.

Percy respirou fundo e tomou distancia. Ele começou a lançá-las.

Num total de quinze facas. Perseu devolveu todas. Percy estava boquiaberto. Perseu continuava de olhos fechados , a respiração controlada. Ele fez aquele gesto juntando as duas mãos , subindo e descendo pelo peito. Controlando a energia.

Percy fez uma mesura exagerada.

Perseu apontava para trás do garoto. Ele demorou a achá-las. Estavam na árvore mais próxima. De um ângulo qualquer , pareciam apenas quinze facas espetadas na casca da árvore , mas de outro , formavam um P perfeito.

—Esse é quem você deve ser – o sol já estava despontando no horizonte – Devemos ir. Já está tarde. Amanhã temos muito o que treinar.

—Quando o treinamento vai acabar? – Percy sempre pergutava isso ao fim do dia.

—Isso é você quem decide – era isso que ele sempre respondia.

Percy catou as facas e as prendeu no cinto. Ele arrumou as armas no estande para poder carregá-lo montanha a baixo.

—Pode deixar aí , hoje foi um dia cheio.

Os dois foram descendo pela trilha de terra. Percy conseguia ver a cabana do mestre lá embaixo. A paisagem havia mudado bastante , não era aquele mar branco e árvores peladas , a primavera já tomava conta de Minnesota.

—Garoto , preciso que vá até Grand Marais para nos comprar suprimentos.

Percy estranhou. Perseu estava diferente naquele dia , ele nunca deixava o garoto fazer as compras.

—Sim , mestre – Percy havia pego esse hábito de chamar Perseu apenas de mestre.

***

Percy já estava na caminhonete. A rota 61’ estava escura naquela noite de Junho. Era uma velha Ford Ranger 1988 , preta , bancos de couro e descascando. O rádio tocava baixinho Whole Lotta Love , do Led Zeppelin.

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Não havia uma alma sequer na estrada. Nenhum monstro , humano , carro ou animal.

Ele dirigiu por um bom tempo , até que as luzes da pequena cidade começaram a aparecer. As pessoas não costumavam ficar fora de casa durante a noite , pois mesmo na primavera , o frio ali era intenso. Percy estava com uma jaqueta de couro quentinha por cima da blusa de algodão e do colete. Além das calças cáqui de sempre e coturnos.

Dobrou por algumas ruas e foi em direção ao hipermercado local. Ironicamente ele ficava na Quinta Avenida.

O garoto parou a caminhonete no estacionamento e foi andando até a entrada. Uma touca cobria os cabelos. Ele a tirou quando entrou no estabelecimento. Felizmente todas as casas e lojas dali tinham sistema de aquecedor.

Os corredores estavam desertos , uma música ambiente soava nas caixas de som. Percy pegou um carrinho e foi enchendo-o com comida e outras coisas. Passou pelo corredor dos laticínios. Pensou ter visto um movimento anormal , mas desviou o olhar.

Estava assoviando e foi até o caixa.

Pagou os alimentos e encheu os braços com os sacos de papel. Deixou tudo no banco do passageiro quando novamente sentiu o estranho movimento às suas costas.

Sorrateiramente ele tirou a tampa de Contracorrente e a lançou noventa graus para baixo. A lâmina bateu em algo e caiu no chão.

Percy se virou.

Ele ergueu uma das sobrancelhas. Era o monstro mais estranho que podia ser visto. Percy teve um relance de visão de sua primeira missão. Ele já havia visto aquele monstro em algum lugar. No Arco de St. Louis talvez? Sim.

Não podia ser , mas a coleira de falsos diamantes estava fácil de ler.

Quimera – RAIVOSA , HÁLITO DE FOGO , VENENOSA – SE ENCONTRADA , FAVOR LIGAR PARA O TÁRTARO – RAMAL 954.

Cabeça de leão. Corpo de bode. Calda de serpente. Baforadas de fogo. Presas afiadas.

Por sorte , Percy havia adquirido o hábito de andar armado até os dentes. Duas adagas presas na parte de trás da cintura. O cinto de facas no ombro esquerdo. E outra adaga maior presa na bainha. Tudo de bronze celestial.

A Quimera avançou. Percy se desviou facilmente da investida. Ou ela era muito lenta , ou ele era muito rápido , a verdade era que Percy não sabia se estava em melhor forma , aquele era o primeiro monstro que enfrentava em meses.

O garoto apenas se desviava dos venenos da cauda de serpente e das baforadas de fogo. Se esquivou de uma mordida da cobra e desembainhou a adaga. Ele iria cortar a cauda pela raiz , mas quando o bronze tocou a pele da Quimera , uma chuva de fagulhas fez Percy ser lançado alguns metros para trás. Ele deslizou no asfalto e parou de joelhos.

Percy estranhou. Contracorrente já estava de volta a seu bolso. O garoto a destampou e girou a lâmina. A espada parecia insignificante. Três meses treinando com armas três e até cinco vezes mais pesada , a velha espada de bronze celestial parecia um graveto nas mãos calejadas e duras que Percy agora tinha.

O garoto avançou junto com a Quimera. Se esquivou e bateu a lâmina no rosto do monstro. As fagulhas novamente fizeram Percy recuar alguns passos.

Algo não estava certo. Todos os ataques do garoto não surtiam efeito. Ele lançou as facas , atacou com as adagas. Tentou perfurar a pele da Quimera , mas tudo que conseguiu foi se queimar com as fagulhas e com o bafo do monstro.

Estava se cansando. Pela trigésima vez , lançou Contracorrente. A espada bateu no rosto da Quimera e as faíscas cegaram Percy por um segundo. O monstro avançou e no descuido do garoto , cuspiu fogo em sua direção. Percy se protegeu com a jaqueta de couro. Ele a jogou no chão e pisou para conter as chamas.

Na tentativa de arremessar outra faca , a Quimera abocanhou seu braço.

O monstro cravou os dentes na pele de Percy , perfurando duas camadas de agasalhos. A dor explodiu na hora. A Quimera lançou Percy a alguns metros dali.

O garoto se chocou contra um carro no estacionamento.

—Droga – ele se levantou com dificuldade – Por isso ele me mandou pra cá , velho babão – novamente destampou a espada de bronze.

Por sorte as aulas de Perseu incluíam treinar com o lado canhoto. Ele girou Contracorrente com a mão esquerda.

A Quimera avançou. Percy manteve o braço ensanguentado para trás. Se desviou dos primeiros ataques e atacou o flando do bicho , já esperando pela chuva de fagulhas , cobriu o rosto com a touca.

Ele soube que havia sido um erro quando sentiu as labaredas atingirem a perna perna esquerda , seguida da mordida feroz do monstro.

Algo estava errado , a cada ataque , a Quimera parecia ficar mais feroz e poderosa. Mais ágil e veloz. Deveria ser o oposto.

Contracorrente fraquejava e estremecia no braço esquerdo do garoto. Em pouco tempo estaria derrotado e sem forças.

O monstro atacou Percy usando o peso e ele foi jogado para trás. Pela primeira vez em meses o garoto sentiu o peso familiar da espada de Poseidon. Chamando-o. Ele não a sentia desde que salvara Annabeth no Tártaro. Até pensava que ela havia sido esgotada quando ele usara aquele imenso poder.

O tempo pareceu ficar mais lento. Percy soltou Contracorrente no chão. A Quimera soltava baforadas de ar a alguns passos de distância.

“Você deve aceitar quem é” A voz de Perseu reverberava na mente do garoto “Esse é quem você deve ser”.

Instintivamente ele esticou a mão para o bolso. O hexágono se fechou entre seus dedos. Percy fechou os olhos e o lançou para cima , memorizando o “abra” em grego.

Quando o cabo da espada se fechou em sua mão , o tempo voltou a correr normalmente.

Daquela vez ele não fora envolvido pela aura azul. Apenas a lâmina da espada brilhava , como um chamariz na escuridão. O último brilho.

Percy girou a arma na mão esquerda e avançou calmamente. A Quimera avançou. Percy estava se movendo mecanicamente , como se soubesse o que tinha de ser feito sem saber o que tinha de fazer.

Pelo canto do olho viu a serpente se armar para o bote. Percy ergueu a lâmina e lhe decepou por inteira. Desta vez a chuva de fagulhas não o lançou para trás.

A Quimera uivou de dor e se levantou desequilibrando-se para trás. Percy era insignificante comparado á seus três metros de comprimento.

Ele estalou o pescoço. O monstro rugiu e o atacou com as garras do tamanho de adagas. Percy se desviou e se defendeu com a lâmina , cortando três dedos facilmente.

A cada golpe o poder dentro de Percy parecia fluir. Os olhos brilhavam com um azul intenso , a íris chegava a desprender pequenos raios azuis. A pupila mantinha-se preta e dilatada , a adrenalina era intensa.

Percy se desviou e rolou para o lado quando a Quimera cuspiu fogo. Ele apontou a mão para uma das facas no chão do estacionamento e ela voou em sua direção. Percy a agarrou facilmente. Ele a lançou no olho do monstro. Os dons. Os poderes.

Percy já não agia por si só , alguma coisa o controlava , um poder impressionante o motivava. O garoto mantinha os olhos semicerrados. A lâmina da espada continuava a brilhar , ele decepava cada vez mais partes da Quimera.

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Percy lutava como um deus. Lançava a espada em partes do bicho e simplesmente esticava a mão para reavê-la.

O garoto lançou a espada no peito da Quimera , e quando ela fez menção de cuspir fogo Percy pulou e esticou a mão. A espada se fechou em seus dedos e ele decepou a cabeça do monstro como se fosse de papel.

A cabeça rolou pelo ombro e caiu no chão. Percy abriu os olhos. Todas as facas estavam no cinto , Contracorrente no bolso , as adagas nas bainhas , o brilho da lâmina diminuiu até desaparecer.

“Feche-se” , ele ordenou.

O corpo do monstro se desfez , deixando apenas a cabeça. Percy a pegou e a jogou na carroceria da caminhonete.

O braço e a perna ainda ardiam em brasa , mas ele estava em choque com os poderes que havia usado , então quase não sentia a dor.

Ele dirigia rapidamente pela rota 61. Virou na trilha da cabana de Perseu uns minutos depois. Parou o carro e pegou a cabeça da Quimera. Foi andando até o pátio do refeitório. Perseu estava de pé observando o braseiro. Percy jogou a cabeça da Quimera aos pés de seu mestre.

—Você me mandou para minha morte? – ele gritou e se jogou num dos bancos da mesa.

—Vejo que trouxe algo além das compras , e se tornou algo além do que é – ele estava de costas – Finalmente. Já estava na hora.

—Estava na hora de que?

—De você aceitar quem é.