Histórias Cruzadas

À espera de um milagre


Aquela mala era igualzinha à minha, as mesmas cor e marca, eu devo ter confundido no avião, talvez, com a do meu vizinho de assento. Eu ainda não podia acreditar que aquilo fosse verdade e estivesse acontecendo comigo, meus olhos ficaram vidrados, fixados no seu conteúdo, a maior parte um monte de roupa suja e amarrotada. Sem saber o que fazer, fiquei parada completamente atordoada, encarando a mala aberta sobre a cama, à espera de um milagre. Então, em um lampejo de bom senso, tive a ideia de ligar para a companhia aérea, talvez, eles pudessem me ajudar a desfazer a troca das malas.

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Depois de algum tempo de pesquisa, achei um número de telefone que poderia ligar. Quando alguém atendeu, demorei uns bons minutos para explicar o que ocorreu, aquele terrível engano precisava ser desfeito.

— A companhia não se responsabiliza por esse tipo de troca, senhorita. Essas bagagens estavam a cargo dos seus responsáveis, que deverão providenciar a troca – a mulher do outro lado da linha me explicou, sem emoção na voz.

— Mas, como eu poderei trocar as malas, se não sei o nome do proprietário da que estar no meu poder? – Tentei manter a calma e falar o mais tranquilamente possível.

— Esse tipo de caso é muito difícil de se resolver, só podemos esperar que o proprietário da outra mala entre em contato conosco, daí passaremos seu endereço e telefone local para ele e vocês poderão desfazer a troca.

— Mas, se isso não ocorrer – considerei, aflita.

— Então, não há nada a ser feito. Havia algo valioso ou de estimação no interior da sua mala? – ela perguntou, solidária, foi aí que me lembrei do meu anel de noivado.

— Meu Deus! – gritei ao telefone, meu coração acelerou parecia querer sair do peito, minhas mãos tremiam, não conseguia respirar. - Meu anel de noivado! – Minha voz saiu em um murmúrio, era o meu pior pesadelo. Se a pessoa que estava com a minha mala descobrisse o seu valor, talvez, quisesse ficar com ele, e o que eu falaria para Samuel?

— Senhorita, eu lamento só podemos aguardar que a pessoa com quem trocou sua mala, entre em contanto conosco – ela finalizou e eu não consegui falar mais nada, só deixei o telefone escorregar da minha mão e cair sobre a cama, onde estava sentada, fiquei olhando o vazio por algum tempo, sem saber o que fazer.

Permaneci parada ali, apática por um bom tempo, quando tive uma ideia, levantei em um pulo e corri para a mala aberta a minha frente, comecei a remexer no seu interior, com muito cuidado e receio, na tentativa de encontrar alguma espécie de identificação que pudesse me ajudar descobrir o seu dono. Mas, como eu temia, só encontrei roupas, cuecas e meias sujas, alguns livros e uma máquina fotografia daquele tipo semiprofissional, que quase ninguém usa mais, ultimamente. Poderia olhar as fotos dele, contudo, seria uma tremenda e desnecessária invasão de privacidade, pois, dificilmente, me dariam a identidade do seu dono. Não havia nenhuma identificação ali dentro, diferente da minha mala, já que deixava um cartãozinho com meu nome, endereço e telefone, apesar de serem da minha casa e eu não estava lá. Desanimada, deitei na cama, chorei de desespero e rezei para que o homem fosse honesto e me devolvesse o meu anel. Um pouco mais tarde, minha amiga Luana me telefonou, para combinarmos a hora que sairíamos aquela tarde, não estava muito disposta depois do que me aconteceu, mas não podia deixar de ir, porque, afinal, eu estava ali por ela.

Algumas horas depois, eu fiz o melhor que pude para melhorar a minha aparência, uma vez que, estava horrorosa pela noite mal dormida no avião e pelas horas de choro, depois que descobri a troca da minha mala.

— Gisele! – Na frente da porta do hotel, Luana correu para mim e me abraçou forte, feliz por me ver, ao lado dela, o alto, louro e reservado William sorriu com simpatia. – Você está ótima! – Eu sabia que estava mentindo. – Estou morrendo de saudades.

— Eu também estava com muitas saudades. E você está linda! – Isso era verdade, sua pele da cor de chocolate e seus olhos castanhos bem escuros emanavam um brilho, que só os apaixonados possuem, e seus cabelos cacheados emolduravam o rosto constantemente iluminado por um sorriso.

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— Como foi a viagem? – perguntou, interessada, enquanto eu cumprimentava William.

— Boa – omiti o episódio da troca das malas, pois não queria preocupá-los.

— Hoje, vamos sair com uns amigos, iremos comemorar a sua chegada em um pub, algo bem comum por aqui – Luana informou o nosso destino.

— Vamos começar a beber agora? – quis saber, espantada, pois ainda era muito cedo para mim, visto que estávamos no meio da tarde.

— Sim, esse é o horário, porque esse pub para de servir as bebidas às onze horas, mas poderemos jantar lá também, tem um peixe com fritas ótimo.

Pegamos um táxi, daqueles de estilo antigo e preto, e seguimos para o pub, que já estava bem cheio àquela hora da tarde. O lugar era barulhento e animado, cheirava cerveja e cera de lustrar móveis, muita gente se aglomerando junto ao balcão de madeira escura com chopeiras douradas em estilo antigo, a fim de conseguir suas bebidas.

— O pessoal aqui não precisa de desculpa para vir ao pub e beber, é só ter vontade – Luana explicava, quando entravamos, ocupando uma das mesas, já que pretendíamos jantar. – Os outros já devem estar chegando, são amigos de William e, agora, são meus, também.

— O que querem beber? – William se levantou para buscar as bebidas.

— A primeira rodada é por minha conta – determino, tirando uma nota de 20 libras da minha carteira e entregando a ele, para não deixar os noivos pagarem, como manda a tradição.

— Luana toma cerveja. E você, Gisele? – William repete a pergunta e eu fico em dúvida.

— Traga uma cidra para ela – Luana decidi e eu a interrogo com o olhar. – Você vai gostar, eu garanto. Não é incrível, nós duas noivas e prestes a nos casarmos?! – exclamou, animada, quando ficamos sozinhas à mesa. - Agora, fale-me do seu noivado, como é que foi? Samuel se ajoelhou na sua frente para fazer o pedido? – exigiu, meu coração se apertou em lembrar do meu anel desaparecido. - Onde está aquele anel enorme que você me falou? – perguntou, reparando na minha mão.

— Deixei no hotel, ele é muito grande e chama atenção demais.

Então, seu noivo volta com os copos cheios na mão, e me salva de mais perguntas. Provo a minha bebida, que é ligeiramente doce, e eu gosto, sinto-me um pouco menos tensa. Em seguida, chegam três pessoas, dois homens e uma mulher, os amigos de Willian, que são bastante simpáticos comigo, explicando-me as piadas e as conversas que desconheço. Cada um se incumbe de pagar uma rodada antes de pedirmos a comida.

— Não tente acompanhá-los nas bebidas, porque eu não consigo – Luana me alerta.

No entanto, estou mais relaxada, que por um breve instante, me esqueço do meu anel desaparecido.

Depois, da terceira rodada de bebidas, fica cada vez mais difícil eu entender o que estão falando, perdida na língua, peço para repetirem algumas vezes o que estão dizendo, mas, eles não se importam, riem e eu rio com eles, mesmo sem compreender direito porque estamos rindo. Até que faltando dez minutos para às onze, um sino toca avisando que o serviço será encerrado em breve. Todos correm para o balcão para garantir a derradeira rodada. Enfim, saímos do pub, ganhando a noite agradavelmente fresca de Londres, William e Luana me deixaram em frente ao meu hotel, prometemos nos falarmos no dia seguinte e eles seguem no táxi. Eu me sinto leve, quando a realidade me atinge, paro na recepção e pergunto, aflita, se há algum recado para mim, tenho uma vaga esperança.

— Sim – responde o rapaz atrás do balcão e me entrega um pedaço de papel, que eu abro com o coração aos pulos e o ar preso no peito, enquanto leio o recado, que dizia que um homem chamado Olivier Thomas avisava que estava com a minha mala e deixava o número do seu telefone. Respirei aliviada, era um bom sinal, agora, só precisava contatá-lo para desfazer a troca. No meu quarto, pergunto-me se é muito tarde para telefonar para ele, sei que se não fizer isso agora, não conseguirei dormir. Assim, eu me encho de coragem e digito os números escritos no papel. Ouço o som de chamada, uma, duas, três vezes, estou preste a desligar, quando uma voz masculina rouca atende, ficou envergonhada, imaginando que eu o acordei.

— Senhor Thomas?

— Sim.

— Desculpe-me por telefonar a essa hora. Eu sou Gisele Fabbrini, mas, estou um tanto aflita, pois o senhor está com a minha mala e eu com a sua.

— Sei.

— Eu gostaria de desfazer essa troca o mais breve possível, se o senhor me der o seu endereço, eu irei até aí amanhã, logo cedo, se possível.

— Meu endereço? – Ele parecia confuso, sua voz estava arrastada, talvez, por estar com muito sono ou bêbado. Eu esperei por alguns instantes, imaginando que ele tivesse consultando o endereço.

— Praça Margarite Navarre, 8 – ele informou, afinal.

— Margarite Navarre, 8 – repeti, enquanto anotava. – E onde fica? – quis saber, para descobri qual seria a estação do metrô que deveria sair.

— Les Marais.

— Les Marais?! – Repeti, não me lembrava daquele bairro em Londres, só em...

— Sim, em Paris – ele informou, indiferente.