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Capitulo trinta e um (Pedro)


– Aquela ali é a de Capricórnio - disse Caio apontando para o céu.
Estávamos deitados no gramado e ele mostrava para mim e Julia as constelações.
– Como você consegue ver? - disse ela revoltada - Eu só vejo uma ruma de estrelas!
Nós rimos.
– Justamente! As estrelas fazem o desenho!
– Eu não vejo porcaria de desenho nenhum.
– Liga os pontos, Amor - falei fazendo um desenho com o dedo.
– Que pontos, Pedro? Tem infinitos pontos e eu não vejo como ligar vai fazer sentido!
Caio desabou a rir.
– Você é incorrigível!
– Ah, vou ajudar sua mãe a fazer o bolo.
Então Julia se levantou e caminhou até a cozinha.
– Como está Felipe? - perguntei casualmente.
– Bem - respondeu Caio - Por que?
Suspirei internamente. Felipe ainda não tinha falado com Caio sobre aquele assunto que falara comigo.
– Só por saber mesmo. E sua mãe?
Caio riu.
– Ela está maravilhosa.
Voltei a olhar as estrelas.
– Por que você não toca mais Caio? Eu vi a sua guitarra no seu quarto naquele dia.
Ele ficou sério de repente.
– Ela serve de enfeite, eu não toco mais.
– Por que?
– Eu não posso Pedro.
– Mas é claro que pode!
– Sei que posso, só que não posso.
– Quê?
Ele respirou fundo.
– Não é um poder físico. Eu tentei tocar depois do acidente, mas eu não conseguia. Sempre que tentava eu lembrava de coisas que não queria lembrar. Eu cheguei tão perto de atingir meu sonho... e tombei miseravelmente nessa cadeira. Sempre que tento tocar ou encaro Ann Mary eu lembro desse fracasso.
– Por que a cadeira de impede de qualquer coisa?
Ele fez uma careta para o céu.
– Por que eu virei um deficiente. Não quero mais falar disso.
Assenti, respeitando.
– Você me ensinaria a tocar guitarra? Eu sei tocar um pouco de violão, mas sempre quis aprender a tocar guitarra.
– Eu não sei se posso.
– E no meu enterro?
Caio se virou para mim repentinamente.
– Como é que é?
Virei meu rosto para olhar os olhos de Caio.
– Você tocaria no meu enterro?
– Não - disse ele de uma vez - Por que eu não vou estar no seu enterro.
– Mesmo se eu quiser que você vá?
– Eu sou mais velho que você em nove anos, eu vou morrer antes.
Ri um pouco.
– Mas eu tenho câncer terminal Caio.
– Por que você está falando assim Pedro? Você nunca falou assim. E nós falamos bastante até fazendo piada sobre isso.
– Não é mais piada Caio. Eu fui ao oncologista há algumas semanas.
– Como assim?
Eu ri.
– Eu tenho que ir ao médico constantemente Caio. É minha sina. De qualquer modo, lá eu fiz alguns exames. Meu câncer está metastaseado. Já era inoperável, agora o que eu poderia fazer é químio e rádio, mas eu já fiz tudo isso e eu não aguento mais.
– Você vai desistir?
– Eu não estou desistindo Caio. Estou aceitando.
– Isso não é aceitar Pedro, é desistir. Sem o tratamento você vai morrer ainda mais rápido!
– Você não entende - gritei. Respirei fundo para me acalmar e falei normal - Eu não entendo como é não andar Caio, você não entende como é estar morrendo. Como é ter câncer e fazer sempre radioterapia, quimioterapia e voltar para casa e não poder tirar a porcaria da máscara nem quando está perto dos seus amigos. Eu quero ser um garoto de quinze anos normal pelo tempo que eu puder. Eu não sou uma pessoa normal há cinco anos... eu só quero me sentir uma pessoa normal.
Caio assentiu e olhou para o céu.
– Você está bem?
Eu ri e caí no gramado.
– Eu não poderia estar melhor. E Julia está amando o cabelo.
– E sua mãe?
– Estou lutando para fazê-la entender. Você entende?
– Não - admitiu ele - Mas eu vou tentar.
– Já é o suficiente.

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