Godless Soul
fragmentos de sonhos, concretos pesadelos
Chapter 7: fragmentos de sonhos, concretos pesadelos.
Ele não entendeu muito bem. Sabia que aquela era a mesma garota que eles encontraram no trem para a Central, a que fizera seu irmão perder a consciência, mas não entendia o suficiente sobre a habilidade dela para entender o que estava acontecendo. Você nunca entende inteiramente a intensidade da habilidade da Pandora a não ser que você a sinta. E ela não brinca quando fala que vai fazer a pessoa viver o pior pesadelo.
Alphonse também não entendeu quanto tempo ele ficou desacordado. Pareceram horas, mas talvez tenham sido segundos, ou minutos. Ele só soube que em um momento, Lust, Envy e Lie estavam bem à sua frente, e no outro, todos haviam desaparecido, substituídos por um fundo negro que o lembrava de estar trancado num armário escuro. Talvez estivesse trancado na própria mente. Talvez não. Mas imagens das pessoas que ele mais gostava – Edward, Winry, vovó Pinako, Izumi, May, Trisha, Hoheheim... Todos muito sorridentes e alegres, como ele costumava se lembrar. Edward, talvez um pouco ranzinza, como sempre.
Em seguida, eles se materializaram em sua frente e todo o nada ao redor parecia ter-se transformado numa floresta florida no inverno. Os sorrisos continuavam. Até que começou a nevar e a já branca neve que cobria o chão começou a ficar... cinza. Depois negra. Alphonse não entendeu o motivo e estendeu a mão para pegar um pouco da neve que caía do céu azul-marinho. Só então ele entendeu: não era neve.
Eram cinzas.
Uma quantidade absurda de cinzas caiu de uma só vez sobre todos. Quando o loiro voltou o olhar para a família e os amigos, eles continuavam sorrindo, mas seus corpos, apesar de ainda em pé e se movendo, estavam repentinamente putrefeitos.
Eram praticamente zumbis. Peles acinzentadas com tons de verde e roxo, arcadas dentárias expostas, um olhar sem visão, já que nem havia mais olhos em suas cavidades oculares ocas. Os cabelos de cada um deles reduziram-se a alguns fios incolores, e seus braços, pernas e dedos finos pareciam ser apenas uma fina camada de pele sobre ossos. Eles começaram a andar com dificuldade até Alphonse enquanto o pôr do sol começava a tingir tudo de um sépia monocromático.
Os olhos do garoto vagaram para cada um deles enquanto se enchiam de lágrimas.
- Onii-san... Winry... Mamãe... May…
- Alphonse-sama! – a garotinha disse chegando perto dele.
Ao mesmo tempo, Trisha começou a estender os braços para abraçá-lo.
- Al – disse com uma voz que mal lhe lembrava da mãe.
Ele não conseguiu se mover enquanto os braços deformados da mulher o envolviam, calorosamente. Mas assim que sua pele entrou em contato com a dela, começou a queimar, quase como se encostassem a ele uma chapa quente de aço. Ele soltou um berro, empurrando-se para trás e caindo na neve, soluçando de medo. Olhou para as áreas que foram tocadas, constando que começavam a ficar escuras e a dissolverem-se dele como cinzas.
- Mamãe! Onii-san! Socorro!!
As criaturas continuaram a vir atrás dele embora ele se lançasse para trás por diversas vezes, tremendo de medo e murmurando pedidos de socorro com a voz embargada. Alphonse acabou por escorar-se a uma árvore enquanto os demais continuavam chegando perto.
- Não...! Não! Não, por favor! – gritou quando começaram a puxá-lo, sentiu ainda mais e mais queimaduras. Começou a implorar internamente pela morte, desejando não ter mais que assistir àquela cena horrenda.
- Al! Alphonse! – gritou Edward.
Alphonse abriu os olhos e se sentou. Mas quando viu o rosto de Edward, assustou-se e, no ímpeto de afastar-se, caiu da cama do hospital.
- Al! – Ed chamou, dando a volta para ajudá-lo a reerguer-se. – O que houve? Você está bem?!
O irmão ofegou, olhando para todos os lados nervosamente.
- O... O que aconteceu? – conseguiu perguntar.
- Tudo bem. Encontramos você caído no chão junto a vários guardas mortos... Lie e Envy escaparam, mas não acho que foram eles que mataram aquele monte de gente. Eles não são tão rápidos. Você está legal? – o irmão ofereceu um copo d’água.
Alphonse respirou fundo e se sentou na cama, tomando um gole calmamente.
- Estou bem, agora. Acho.
Edward sorriu.
- Ótimo. Consegue contar o que aconteceu?
Ele assentiu.
- Aquela garota... A que encontramos no trem. Ela estava lá, abriu um buraco na parede para ajudá-los a escapar. Mas não entendo, não parecia que a Lie e Envy a conheciam muito bem.
- Ela quem matou os guardas?
As sobrancelhas de Alphonse se arregalaram quando ele se lembrou da resposta e ele sentiu um tremor percorrer seu corpo.
- Errr, sobre isso... Não, não foi ela – murmurou, encolhendo-se.
- Então quem foi?
- Foi... Foi a Lust... – Alphonse encolheu-se ainda mais.
- Quem? – Edward franziu o cenho, achando que ouvira mal.
- A Lust! O homúnculo que o Führer matou! Ela estava lá como se nada tivesse acontecido!
Alphonse contou tudo o que aconteceu desde que chegara ao corredor onde os três homúnculos se reuniam, sem omitir nenhum detalhe sequer. Lust não estava morta, afinal. Ela estava bem viva e ajudara Envy e Lie a escapar junto com aquele outro homúnculo, a tal de Pandora.
- Lust... Viva...? Mas o Mustang não a matou na sua frente? – Edward perguntou ao irmão, pensativo.
O outro apenas se encolheu com as lembranças.
- Sim! – disse com a voz trêmula. – Isso é o que assusta mais! Acha que ela é um fantasma e voltou para assombrar os associados à morte dela?
- Fantasmas não existem... mas como será que ela voltou? Alguém a trouxe de volta?
Os irmãos Elric se entreolharam. Será que... não, não, era impossível e sem fundamento. Como uma transmutação humana poderia trazer de volta um homúnculo? Era loucura. Devia haver outra explicação.
- Será que devemos contar ao Führer? – Alphonse perguntou.
- Ehh, não é a opção que eu prefiro.
- Mas se não o fizermos, ele vai ficar achando que o Envy e a Lie que mataram aquelas pessoas.
- Ainda sim. – Ed insistiu. – Se o fizermos, ele vai suspeitar que os dois tenham algum envolvimento com a tal Pandora e a volta da Lust.
- Oh, é mesmo... – ele pensou um pouco. – Uhh... Mas onii-san, e se eles já tiverem algo a ver com isso tudo? Quero dizer, Lie parecia bastante confusa, mas como vamos saber se...
- Isso nós vamos descobrir sozinhos.
Edward se virou para sair do quarto.
- Aonde você vai, onii-san?
- Ligar para a Winry. Aparentemente aquele pressentimento que ela teve estava certo.
Alphonse baixou o olhar, o irmão tinha razão. Edward começou a andar pelo hospital até chegar ao corredor onde havia os telefones públicos. Enquanto isso, meditou sobre a discussão que tivera com Mustang na noite anterior, quando contara sobre Pandora. Assim que terminou de falar, a reação do Führer não foi uma das melhores.
- Um homúnculo – ele disse.
- Sim! – Edward confirmou. – Se não formos rápidos, ela vai matar metade da cidade! E eu senti o poder dela na pele, é totalmente horrível e inacreditável!
- Do Aço! – Mustang chamou atenção. – Como você acha que alguém criaria um homúnculo hoje em dia? Nós dois sabemos que para isso é necessária uma Pedra Filosofal. Alguém conseguiria fazer uma sem que ninguém notasse?
Edward não soube responder.
- Não, mas talvez ela já existisse antes, mas estivesse quieta, e agora resolveu...
- A série de assassinatos que está acontecendo não é tão aleatória para um homúnculo que resolveu começar a matar pessoas repentinamente, não concorda?
- Eu sei, mas quem sabe ela não esteja sendo influenciada por alg...
- Talvez você tenha se equivocado no trem. – Mustang opinou, sem querer deixar o loiro falar. – Já pensou na possibilidade de você ter adormecido durante a viagem e de fato ter tido um pesadelo?
Alphonse partiu em defesa do irmão.
- Está chamando o onii-san de mentiroso, Führer Mustang?!
- Só estou sugerindo que ele veja as teorias mais sensatas, Alphonse – rebateu. – Agora, por favor, eu gostaria de pedir aos dois que se aprontassem na frente do Quartel General para receber os suspeitos e encaminhá-los a suas devidas celas.
Ele começou a caminhar para a porta.
- Ei! – Edward falou, compreendendo repentinamente quem eram os principais suspeitos. – Então foi isso que você mandou aquela alquimista ruiva ir fazer?!
- É óbvio – Mustang respondeu, parando. – Lie e Envy são os únicos homúnculos em toda a Central. Somente eles poderiam estar por trás disso.
- O quê?! – Alphonse chamou. – Isso é mentira!
Ele se virou para os irmãos novamente.
- Modere as palavras ao se referir ao Führer!
- E você modere as suas ao falar com meu irmão! – Edward tomou a frente.
Eles ficaram se encarando durante mais algum tempo e Mi-Cha quebrou o silêncio sem querer, deixando uma bandeja de instrumentos médicos caírem no chão. Ela imediatamente se encolheu quando todos olharam para ela.
- Desculpem! Desculpem! Desculpem!
Depois disso, Mustang se virou e saiu sem olhar no rosto de Edward novamente.
Chegando ao corredor dos telefones públicos, o garoto discou o número da pequena casa em Resembool. Depois do quarto toque, Pinako atendeu.
- Alô?
- Vovó Pinako, sou eu, o Ed.
- Ed! Ah, que bom que ligou, a Winry já estava enlouquecendo aqui...
- Hmm. É? Bem, posso falar com ela?
- Ih, pelo seu tom de voz posso garantir que não é coisa boa, mas sim, vou passar para ela. Um minuto.
- Obrigado.
Houve um barulho do outro lado da linha e Winry atendeu.
- Ed! Ah, graças a Deus você ligou! Eu estava preocupada! Por que não me ligou quando chegou ao hotel?
- Tivemos umas emergências e ficamos meio ocupados, desculpe.
- Emergências? – ela perguntou num tom desconfiado, mas logo voltou a se empolgar: - Ah, certo, espero que nada grave. Então, quando vocês voltam?
- É, sobre isso...
Ele não soube como continuar. E Winry ficou quieta. Sabia o que viria a seguir – ambos sabiam.
- Vocês não voltarão logo, não é? – ela quebrou o silêncio. – Eu estava certa.
- Não é porque não queremos voltar, Winry...
- Não, Ed. Se vocês quisessem, voltariam amanhã mesmo.
- Winry, pessoas estão morrendo! Não podemos simplesmente fechar os nossos olhos!
- Mas e se você morrer?!
- Não vou permitir que isso aconteça.
- Ninguém escolhe morrer, Ed! – ela retrucou. Graças a seu tom de voz, Edward podia notar que ela estava começando a chorar. “Droga”, pensou. Prometera que nunca mais a faria chorar.
- Winry – ele disse. – Eu não vou morrer. Não se preocupe.
- Não me peça para não me preocupar! Por quantas situações arriscadas você e o Al passaram desde que chegaram aí?!
Edward ficou quieto. Notando esse silêncio, Winry insistiu.
- Ed, responda!
Ele soltou um suspiro longo.
- Winry, desculpe, mas nada do que você disser vai fazer com que eu desista de proteger essas pessoas.
- Desconhecidos são mais importantes para você do que eu?
- Não é nada disso, pare de falar besteiras! – ele falou. – Eu os protejo como protegeria você!
- Ah então eu estou no mesmo nível que um desconhecido! – ela bufou. – Edward, quando se decidir, me ligue novamente.
Então ela desligou. Ed segurou o telefone no ouvido por mais algum tempo e então o jogou no gancho, com raiva. Andou por alguns metros e deu um soco na parede. Rosnou um grunhido de dor e saiu praguejando por ter-se esquecido novamente que seu braço não era mais um automail.
Fale com o autor