– Carneirinho, vem ver isso! – Gritou Félix, animado, assim que Niko botou os pés em casa depois de mais um dia de trabalho.

– O que foi, Félix? Por que estão nessa alegria toda? – Perguntou Niko quando viu que não era só Félix que estava animado, mas também Jayme, que estava ao seu lado.

– Carneirinho... Adivinha! Esse moço aqui merece um prêmio!

Mesmo sem saber do que estavam falando, Niko sentou ao lado deles, já sorrindo. - Por quê? O que você fez, filho?

Jayme mostrou, entusiasmado, o caderno de redações para o pai. – Eu ganhei o concurso de redação na escola, pai!

Niko ficou tão feliz com a surpresa que logo abraçou o filho, parabenizando-o: - Ah, meu filho, que orgulho, parabéns! Nossa! Não sabe como eu gostei de saber disso, Jayme...

– Espera só até ler a redação campeã, carneirinho!

Niko notou que Félix estava com os olhos levemente avermelhados.

– Deve ser muito boa mesmo, para você ficar assim...

– Assim?! Assim como?

Félix tentou disfarçar, mas Niko sabia que ele havia se emocionado. Ele apenas lhe respondeu com um sorriso e pediu a Jayme: - Eu quero ler sua redação nota dez também, viu meu filho!

– Sim, pai Niko! Eu vou deixar aqui com vocês, então... O pai Félix ainda não acabou mesmo de ler...

– Ótimo, aí nós lemos juntos! E sobre o que foi a redação?

– Sobre... Meus heróis!

Félix sorriu e Niko não entendeu o porquê daquela emoção no rosto do marido. Pegou o caderno e pediu para o filho:

– Eu vou ler, então, aqui com seu pai, sobre que herói você escreveu! Vai tomar seu banho agora que você ainda nem tirou o uniforme, deve estar cansado né?!

Jayme subiu para o quarto. Niko encostou-se a Félix no sofá, para lerem a redação de Jayminho. Antes de começar, Niko logo perguntou:

– O que fez você se emocionar tanto, hein, amor?!

– Ah... É que ver nosso filho apenas com doze anos escrever tão bem...

– Só isso?

– Não... Não é só isso!

– Então?

– Você vai ver... Vamos ler...

...

...

Todos aplaudiram o último aluno que leu. Eu estava um pouco nervoso, pensando que talvez não fossem gostar. Mas, o que eu escrevi foi sincero. Quando a professora nos pediu para fazer uma redação sobre nossos heróis favoritos, eu logo pensei neles. Meus colegas me perguntaram que herói eu escolheria... Eu respondi que já havia escolhido dois. Meus preferidos...

– Agora é a vez do Jayme! Venha, Jayme, venha ler a redação para seus colegas! – Chamou a professora.

Jayme pegou o caderno e se posicionou na frente da sala. Olhou para seus colegas. Muitos já haviam lido suas redações sobre a maravilha que seria poder voar como o Superman, ou ter a inteligência do Batman, ou a velocidade do Flash, ou o poderoso martelo de Thor. Mas, Jayme pensou em escrever sobre outro super poder.

– Pode começar, Jayme! – Falou a professora. – Sobre que herói você escreveu?

– Sobre... Meus pais!

Alguns colegas de sala riram. Outros, já um pouco mais maduros, permaneceram calados. A professora interveio:

– Pessoal, silêncio! Eu mandei fazerem as redações sobre seus heróis favoritos! Se o Jayme considera os pais como heróis, vamos ouvi-lo! – Virando para Jayme ela completou: - Que bonito considerar os pais seus heróis, Jayme! Pode começar a ler!

Quando a professora disse que eu podia começar, eu olhei para os outros. Os que riram e os que ficaram calados... Mesmo que todos rissem, eu não tinha outra redação para apresentar. E também, não tinha outros heróis de quem eu gostasse mais...

O menino respirou e começou...

Meus pais, meus heróis.

...

...

– Que título lindo... – Exclamou Niko, já ficando com os olhos marejados.

– Não é, carneirinho?! Mas, não começa a chorar por antecipação senão você molha o caderno do menino inteiro!

– Ai, Félix... Eu não vou chorar!

– Hum... Duvido! Começa a ler...

...

...

Antes de começar a ler o texto, perguntei a professora: - É... Professora, eu fiz como se fosse uma história...

– Tudo bem, Jayme! Você fez um texto em prosa, muito bem! Pode continuar!

– Tá... – Fiquei mais tranquilo, apesar da minha mão ainda tremer um pouco segurando o caderno por ter que ler na frente de todos... Era minha história.

Uma vez, um menino morava num abrigo, junto com outras várias crianças. Esse menino vivia sozinho, apesar de viver com muita gente. Esse menino não tinha nem pai nem mãe. Na verdade, até tinha, mas nem lembrava como eles eram. No abrigo, disseram que ele havia sido separado dos pais, porque eles eram muito doentes e não podiam cuidar dele.

Algumas crianças do abrigo tinham mãe, ou pai, e algumas vezes, eles iam visitá-los. Outros não. Esse menino nunca recebia visitas. Só umas duas vezes, uns casais o levaram pra casa, dizendo que iam ser seus pais, mas, acabavam o devolvendo para o abrigo.

...

...

– Mas... É a história dele, Félix!

Félix apenas lhe sorriu confirmando com a cabeça. – E, olha só quem é o herói principal! Continua...

...

...

Jayme continuou lendo...

Um dia, um herói chamado Niko chegou lá. Ele parecia um anjo, como o Arcanjo dos X-Men, só que sem as asas. Ele levou o menino do abrigo pra casa e se tornou seu pai. O anjo Niko era muito legal e muito bonzinho, e gostava muito do novo filho. Mas, na casa dele havia uma vilã cruel e falsa, como a Mystica. Era uma mulher muito má, que xingava o menino e não dava chocolate pra ele, mas comia na frente dele só pra ele ficar na vontade. Isso deixava o menino muito triste, mas ela dizia que se ele contasse alguma coisa para o pai Niko, ele nunca mais ia poder vê-lo. Também havia outro homem, com uma cara de chato, que foi com o anjo Niko na primeira vez que ele foi ver o menino do abrigo.

– Com quem esse aí se parecia, Jayme? – Perguntou um de seus coleguinhas, já curioso com a história.

– Hum... Não sei... Só sei que o pai Félix nunca gostou desse cara e chama ele de lacraia!

Os coleguinhas de Jayme riram.

Quando meus colegas riram eu notei que eles estavam gostando. Então, continuei...

Ele acreditava em tudo que a mulher má dizia e fazia tudo que ela queria. Não era mal feito ela, mas era seu lacaio, como a Arlequina é do Coringa.

Parei e pensei: deve ser por isso que o pai Félix chama lacraia com aquele cara. Lacraia e lacaio são parecidos. Enfim, depois eu pergunto a ele.

...

...

Félix ria enquanto liam. - Ele não podia ter escrito melhor essa parte não é, carneirinho?!

– Não me interrompe Félix! Ele foi muito criativo, quero ver com qual herói ele te comparou!

– Eu?

– É! Você já leu?

– Não, só li até aqui... Quando você chegou ele tinha acabado de me entregar o caderno!

– Então... – Ele se aconchegou mais nos braços de Félix. – Vamos continuar...

...

...

Na casa do anjo Niko também havia um bebê, seu filho, chamado Fabrício, que se tornou o irmão mais novo do menino do abrigo. Mas, aquela mulher má dizia que Fabrício era dela. Um dia, a vilã resolveu afastar o menino do abrigo de seu pai Niko só para fazer mal a ele. Ela fez com que fossem buscá-lo e o levaram de volta ao abrigo. Ele e o anjo Niko ficaram longe um do outro e sofrendo, com saudade.

Porém, aquela vilã não estava conformada com isso. Ela tinha outros planos maléficos. Um dia, sem avisar ao anjo Niko, a vilã e seu lacaio levaram o bebê Fabrício. O anjo Niko ficou muito triste e sem poderes.

Foi, então, que surgiu outro herói. Inteligente feito o Batman, seu nome era Félix. Ele conseguiu fazer com que o menino saísse do abrigo e voltasse a morar com o pai Niko. Os dois ficaram muito felizes e o herói Félix se tornou amigo do anjo Niko. Só faltava o grande Félix trazer de volta o pequeno Fabrício. E ele conseguiu. Ele chamou seus ajudantes da Liga da Justiça e eles ajudaram o anjo Niko a recuperar seu filho. Agora, o anjo Niko estava feliz outra vez morando só com seus dois filhos e a guardiã Adriana que ajudava a cuidar dos garotos. O anjo Niko era tão bom que no natal até levou presentes para todas as crianças do abrigo.

O grande Félix sempre ia à casa do anjo Niko. Eles ficavam cada vez mais amigos, mas algumas vezes brigavam também. Principalmente, quando a vilã voltou se fingindo de boazinha e pedindo o perdão do anjo Niko. Como ele era muito bonzinho, ele acreditou na vilã e a deixou ver o Fabrício e até passear com ele. Só que o menino do abrigo nunca confiou nela. O grande Félix também não, e por isso brigava com o anjo Niko.

Foi então que, um dia, ela mostrou suas garras. Ela raptou o bebê Fabrício e fugiu com ele para bem longe. O anjo Niko ficou desesperado porque não tinha pistas de para onde a vilã podia ter levado seu bebê. O menino do abrigo também ficou muito triste, ele queria seu irmãozinho de volta. Foi aí que o grande Félix surgiu mais uma vez.

Ele foi atrás de pistas feito o verdadeiro Batman e com sua inteligência descobriu o esconderijo da vilã e foi dirigindo até lá, levando o anjo Niko junto. Quando a acharam eles travaram uma batalha contra aquela vilã e venceram, trazendo o pequeno Fabrício de volta para casa são e salvo.

Assim, o anjo Niko pôde ser feliz de novo com seus filhos e o grande Félix era cada vez mais seu amigo.

Com o tempo, o grande Félix foi ficando cada vez mais próximo do anjo Niko e de seus filhos, até que um dia, resolveu se tornar o segundo pai do menino do abrigo e do bebê Fabrício.

Depois de um tempo, os quatro se mudaram para uma fortaleza bem maior, de frente para o mar. E são muito felizes, até hoje.

...

...

Até ali, Niko e Félix não tinham mais palavras. Apenas se olharam, com os olhos em lágrimas, lendo o que o filho havia escrito. Através da visão imaginária de uma criança, havia sido contada uma história real. A história deles, da família deles. Uma história de amor e de heroísmo.

Eles tentaram falar algo, mas nada era digno de ser dito naquele momento. Ainda faltavam algumas linhas da redação.

...

...

Como eu sei de tudo isso? O menino do abrigo era eu. O bebê Fabrício é meu irmãozinho. E meus heróis são meus pais, Niko e Félix.

Meu pai Niko é meu herói porque me resgatou do abrigo quando ninguém mais me queria, e se tornou meu pai e me deu até um irmão. Meu pai Félix é meu herói porque me levou de volta para meu pai Niko quando fomos separados, resgatou meu irmão Fabrício, e também me deu outro irmão mais velho, o Jonathan. Agora, além dos meus pais e irmãos, tenho avós, primos, tias e até um tio da idade do meu irmãozinho. Tenho uma família maior do que eu imaginei ter um dia. E o melhor é que todo mundo gosta de mim.

Quem me deu tudo que tenho hoje? Meus pais. Por isso, meus pais são meus maiores heróis.

Quando acabei de ler, o nervoso já tinha passado e eu nem percebi. Só percebi quando meus colegas e minha professora começaram a aplaudir. No final, ela me deu o primeiro lugar do concurso de redações, mesmo me explicando que meu texto não era exatamente uma redação. Eu não entendi muito bem o que ela me explicou sobre o assunto da aula, mas depois eu perguntaria ao papai Félix mesmo... Ele sabe de tudo!

Só o que eu mais gostei foi quando ela me chamou antes de eu sair e me disse baixinho que o meu foi um dos textos mais lindos que ela já viu.

...

...

– Foi o texto mais lindo que eu já li, meu filho! – Disse Niko quando viu Jayme descendo as escadas e indo até eles.

Félix respirou profundamente e sorriu, lhe dizendo: - Obrigado, Jayme!

– Por que, pai?

– Por... Tudo! – Félix não conseguiu mais conter as lágrimas que escorreram em sua face. – Por me ver como um herói!

Niko compreendia muito bem o motivo de tanta emoção da parte de Félix. Suas lágrimas eram puramente do sentimento que guardava em sua alma, de já ter sido visto como um bandido, o que realmente foi, de já ter se sentido tão sujo, e de agora estar sendo retratado como um herói. E próprio Niko já o havia chamado de herói algumas vezes, mas nada soava mais verdadeiro do que a palavra vinda de uma criança.

Félix estava sentindo isso, e como se sentia bem assim. Os dois abraçaram o filho que ficou ainda mais contente quando disseram que ele receberia uma recompensa pelo bom trabalho.

– Oba! Mal posso esperar... Mas, mesmo que vocês não me dessem nada, vocês já me deram muito!

Jayme correu para a cozinha após dizer isso, pois estava morrendo de fome. Deixou seus pais lá, sentados, parados, surpresos... Felizes.

– Ele está crescendo... E amadurecendo! Não é, Félix?!

– É... Está sim, carneirinho! – Félix suspirou de novo e o abraçou. – Obrigado por me fazer um pai de família! Meu anjo!

Niko sorriu. – Prefiro que me chame de carneirinho... Mas... Obrigado por ser meu herói, e herói dos meus filhos!

– Quem salvou quem aqui, hein Niko?!

Niko entendeu, sorriu e lhe beijou delicadamente os lábios, puxando-o pela mão.

– Vem, vamos ficar com nosso bebê e nosso pequeno escritor...

– Sabe carneirinho... Se eu sou um herói, vocês são minha fraqueza... – Niko o olhou e ele completou: - E também são o que me dá mais força!

...

No dia seguinte...

A professora pediu para os ganhadores do concurso explicarem suas redações para a diretora. Após reler a sua, Jayme resolveu completá-la.

Eu já ouvi colegas da classe dizendo que minha família era errada porque uma família só poderia ser formada por um pai e uma mãe, e que era pecado dois homens juntos. Eu não sei por que, pois eu já tive um pai e uma mãe, mas mesmo assim nunca tinha tido uma família. Além disso, uma vez a professora explicou que família era quem cuidava, era onde tinha amor, respeito, e isso tudo eu encontrei com meus pais Niko e Félix.

Pra finalizar, eu cheguei a conclusão que o maior super poder dos meus heróis é o amor. E que herói não é só aqueles de filmes e desenhos que voam de capa e tem super poderes, mas as pessoas que nos salvam, que ajudam a realizar nossos sonhos, a nos tornar pessoas melhores, que nos ensinam, que nos dão carinho, e que nos fazem felizes. E eu sou feliz porque meus pais realizaram meu sonho: ter uma família completa.