Filhos da Guerra

Capitulo 3: Incendiando


Joguei meu pesado casaco de inverno sobre os ombros e desci as escadas carregando as botas nas mãos para não acorda meus pais. Pela milionésima vez pensei no quanto aquilo tudo era estupido. No vão da porta de entrada calcei as botas o mais humanamente demorado possível, lá fora as ruas eram um mar branco e silencioso, a quietude interrompida vez ou outra apenas pela buzina de um carro ao longe.

Lancei um olhar furtivo escada acima imaginando como seria fácil voltar para a minha cama e fingir que nunca fiz aquela ligação. Da porta no fim do corredor eu podia ouvir as mentes dos meus pais, calmas e distorcidas. A mente humana é um lugar estranho, ainda mais estranho, quando se esta dormindo, os pensamentos são confusos e desconecto, porém é quando os humanos são mais verdadeiros. Não se pode mentir para si mesmo.

Respirando fundo sai para o ar gelado da rua. O vento batia no meu rosto como tapas, talvez a natureza gritando: HEY, QUAL O PROBLEMA COM VOCÊ?!

Louca, eu pensei acelerando o passo, totalmente insana! Virei à esquina respirando com dificuldade, se Colin não fosse um assassino, eu acordaria com uma bela gripe no dia seguinte.

A alguns metros de distancia as luzes de neon da lanchonete se destacavam na escuridão da noite. Recostado na moto parada diante da porta estava Colin. Totalmente vestido de preto, com os cabelos presos em um rabo de cavalo abaixo da nuca, ele estava entre sexy e assustador.

O observei sem avançar durante alguns minutos me dando o beneficio de fugir, mas não me movi. Eu tinha perguntas e ele, só ele, tinha as respostas de que eu precisava. Aquela noite me perseguiria pelo resto da vida se eu não caminhasse ate onde Colin estava. Não havia escolha.

Apertei o casaco com mais força contra o corpo enquanto caminhava ate a lanchonete. Colin tinha os olhos vidrados em mim, eles brilhavam como os olhos de um gato na escuridão. Tudo bem, ele estava mais para assustador do que sexy, definitivamente! Tive que usa toda a minha força de vontade para não dá-lhe as costas e corre como uma criança assustada pela rua gritando por socorro.

–Olá, Liz. – Mantive os olhos nas suas botas enquanto pescava as chaves de dentro do bolço, com alguma dificuldade abri a porta da lanchonete e fiz sinal para que ele entrasse primeiro.

Colin caminhou ate o balcão e sentou-se em um dos bancos altos, esticou o braço e deu uma palmadinha no banco ao seu lado para que eu me sentasse também.

–Estou bem em pé. –Disse lançando um olhar rápido para a porta e imaginando quanto tempo levaria para ele me alcançar se eu corresse agora.

–Pensando em fugir? – Cruzei os braços sobre o peito e me mexi com desconforto sob o olhar atendo de Colin. – E então? O que era tão importante a ponto de te fazer me tirar do conforto da minha cama durante a madrugada?

–Eu preciso que você me ajude a... a controlar isso- Dei um pequeno tapa na minha testa para enfatizar o que estava dizendo. –Quero que me mostre como parar com essa... maldição.

–Maldição?- Ele perguntou com a voz mais doce que eu já o tinha ouvido usar. – Seu dom só será uma maldição se você quiser que seja. Olhe para mim! – Colin gargalho sem nenhum humor antes de se torna sombrio. –Eu daria qualquer coisa para ter um dom como o seu. O meu sim, você pode chamar de maldição, apenas não é porque eu, e somente eu, decidi que não seria.

Olhei para aquele homem na minha frente e pela primeira vez o vi de verdade. Por trás de toda a beleza e a promessa de perigo, por trás dos olhos vermelhos e do sorriso sarcástico estava uma tristeza tão profunda e doentia que me senti egoísta. Egoísta porque não fiz nada além de reclamar, egoísta porque nem se quer me dei ao trabalho de perguntar sobre Colin e sobre pelo que ele já tinha passado, egoísta porque o tirei da cama às três da manhã para ouvir mais reclamação.

–Qual o seu... dom? –Perguntei me esforçando para não parecer irônica. Colin levantou a cabeça devagar e quando seus olhos encontraram os meus ele parecia 10 anos mais velho.

Em um salto ele saiu do banco e caminhou ate um canto onde se tinha menos mesas, despiu o casaco e o jogou para mim que peguei meio sem jeito. Colin sorriu quando suas mãos explodiram em duas chamas que se espalharam rapidamente pelos seus braços me fazendo entrar em pânico e corre ate o extintor na parede.

–MEU DEUS! MEU DEUS! –Eu gritava enquanto tentava arrancar os pregos que prendiam o suporte do extintor na parede.

–Calma. –Senti a mão de Colin envolver meu pulso, a sensação de ter lavar correndo nas veias se espalhar pelo meu corpo. – Esse é meu dom. O fogo.

Respirei fundo duas vezes antes de me virar para olhar. Meus olhos percorreram a extensão de seus braços perfeitamente desenhados e tão pálidos quanto a dois minutos atrás. Nenhuma marca. Nenhuma vermelhidão. Colin havia entrado em combustão espontânea na minha frente a menos de um minuto e agora sorria para mim como se meu rosto de pânico o estimulasse.

–Impressionada? – Ele ergueu a sobrancelha direita e aumentou o sorriso, meu coração deu um baque dolorido contra as costelas e naquele momento estava mais ciente da mão de Colin no meu pulso e do meu sangue em chamas do jamais estive de qualquer outra coisa na vida. – Eu não posso fazer isso parar, Liz. Isso... – Tocou o indicador na minha testa me fazendo recuar dois passos. – Isso é quem você é. Não importa o que você faça, não pode mudar isso.

–Então me ajude a controlar. –Minha voz saiu mais esganiçada do que esperava e preencheu o ambiente por algum tempo.

–Eu gostaria, mas não posso. Não vou ficar na legião, estou de partida. Logo pela manhã vou em direção a Quarta Legião. Tem uma pessoa contando comigo para salvar sua vida e eu simplesmente não posso falhar com ela.

O encarei por um tempo sem saber o que falar, era minha única chance, minha esperança, e ele iria embora. Colin ia embora. O pânico me atingiu como um soco no estômago, quem mais poderia me ajudar? Antes que pudesse mudar de ideia as palavras saltaram da minha boca e incendiaram o ambiente como Colin certamente era capaz de fazer.

–Então acho que teria de ir com você.