Filha da Noite

I never wanted to say goodbye II


É difícil pensar em como o perdi, reviver a memória que está tão nítida em minha mente. Não importa o quanto passem os anos, a melancolia saudosa não diminui. Quando o feitiço verde atingiu-lhe o tronco e seu olhar perdeu o brilho de quem ainda pretende lutar, eu soube que ele não retornaria para me abraçar e eu nunca mais ouviria o seu “vai ficar tudo bem, Castanha”. Naquele momento, eu conheci o poder e a dor de ser uma filha da Noite.

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Eram as férias de fim de ano e eu tinha voltado para casa, não por que minha mãe estivesse com saudade, contudo, porque eu sentia muita falta de Adam. Já era uma terceirista em Hogwarts e mesmo tendo aprendido muitos feitiços, ainda não tinha idade para treiná-los fora da escola; e, desde meu segundo ano, eu já não dormia mais na minha própria cama, passava em casa eventualmente apenas para buscar alguns pertences, havia me mudado provisioramente para a cabana do meu irmão.

“Provisioramente” porque Maggie – a que me dera à luz – jamais admitiria uma filha de treze anos morando fora de casa. O que ela diria à comunidade e seus amigos? Não que eu desse a mínima, Adam, entretanto, achava perigoso que passassemos tanto tempo juntos, com a caçada aos licantropos cada vez maior; por mais que eu declarasse que não tinha medo, nunca tive, não ao lado dele.

Nossas tardes juntos costumavam ser fantásticas, especialmente depois que ele decidira transformar-se bem em frente aos meus olhos. Caçávamos animais na floresta e a cada lugar novo descoberto, fazíamos uma gravação especial bem no meio da escuridão, como se a mesma fosse algo sólido e alguém desenhasse algo nela. Na véspera do dia vinte e cinco, Adam até desenraizou uma árvore para usarmos na decoração natalina daquele ano. Eu não podia estar mais feliz, seria nosso primeiro Natal juntos e sem Maggie – vale ressaltar.

Colocamos ao lado de uma lareira que ele construira durante meu período escolar e enfeitamos com maçãs, cerejas e abobrinhas. A noite estava gélida, como de costume. O ruído das chamas na lareira causava cócegas nos ouvidos e eu ria, com a xícara de chocolate quente na mão, de uma piada que Adam contara. Seu amigo Jackie estava lá também, ele e meu irmão pertenciam à mesma alcateia; o rapaz tinha cabelos escuros, porém, não tanto quanto os meus, pele negra, e era bastante divertido também.

Em algum momento da noite, Jackie sugeriu que fôssemos a Hogsmeade, garantiu que não iríamos nos arrepender: Música ao vivo e o Três Vassouras estaria aberto essa noite, nos encaramos por alguns segundos e: “Por que não?”, Adam e eu perguntamos ao mesmo tempo.

— Vocês são muito loucos. — Ele riu e todos nós colocamos as mãos para frente, como num grito de guerra; no segundo seguinte estávamos na praça do vilarejo.

A rajada de vento frígido atingiu meu rosto assim que aparatamos no local. Joguei o cabelo para trás e senti a iluminação lunar me acolher – estava crescente nesta noite. Eu não tinha licantropia em meu sangue como meu irmão, contudo, a Lua era (e ainda é) de grande influência para mim, sendo ela o símbolo da Noite. De onde estávamos era possível escutar as vozes cantarolantes vindas de algumas ruas a frente. A neve estava fina no chão e algumas pessoas caminhavam apressadas para lá e para cá, deixando diversas pegadas por toda parte. Seguimos os três na direção da música e nos sentamos em um dos banquinhos próximo ao palco improvisado. O som era atraente e o clima não parecia mais tão ruim. Agarrei-me ao braço de Adam e encostei minha cabeça no seu bíceps – não tinha altura suficiente para apoiar-me em seu ombro. A noite passava incrivelmente bem e por alguns instantes eu desejei que ela nunca acabasse.

A mulher de cabelos desgrenhados cantava algo sobre um bruxo muito bonito de cabelos dourados, ou seria “molhados”? Sua forma de cantar embolava algumas palavras e ficava a critério de cada ouvinte decidir o que ela quisera dizer. Ri quando ela passou o microfone para uma senhora ao nosso lado que entoou animadamente dois versos.

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— Eu disse que ia ser demais, não disse? — Jackie gabou-se, zombeteiro e Adam apenas bagunçou seus cabelos encaracolados em resposta.

Nossas maçãs do rosto estendidas, não disfarçavam nem remotamente a felicidade que era estar ali. Três bons amigos aproveitando o Natal da melhor forma possível. Depois de algumas músicas, muita sede e ventos glaciais, decidimos que estava na hora de algumas boas cervejas amanteigadas no Três Vassouras, a duas esquinas dali.

Algumas pessoas nos encararam estarrecidas ou reprovadoras, afinal, eram dois mancebos, aparentemente irresponsáveis, carregando uma garota de treze anos para um bar em pleno Natal. Outras nem se importaram com o sino pendurado ao topo da porta sinalizando que mais alguém entrara (ou saíra). O ambiente estava limpo e agradável, como de costume, exceto, que nessa ocasião, enfeites condizentes com o feriado flutuavam próximo ao teto. Nos sentamos ao balcão e bastou os rapazes acenarem para Madame Rosemerta sorrir, trazendo três copos com cerveja amanteigada.

Esvaziamos a bebida do recipiente rapidamente, numa secreta competição sobre quem conseguia beber todo o líquido antes, deixando bigodes brancos acima dos lábios de cada um. Conversamos um pouco sobre Hogwarts, os garotos já tinham se formado e contaram algumas de suas aventuras de suas épocas estudantis. Quando decidimos que estava na hora de ir embora, a filha de Madame Rosemerta sorriu, piscando para Jackie e disse que era por sua conta, entregando o mistério da sua história: o encaracolado revelou que, no seu último ano, saíra com uma mulher mais velha maravilhosa, no entanto, não nos contaria seu nome. Como se fosse necessário.

O amigo do meu irmão pronunciou que precisava ir no banheiro e o encarei com o olhar mais “você acha mesmo que pode nos enganar?” que eu consegui. Minutos depois ele voltou, lábios vermelhos e um pouco de batom no canto da boca, e então ficou claro o porquê ele disse que seria demais vir aqui. E foi mesmo, enquanto estávamos rindo e nos divertindo, tinha sido a melhor noite da minha vida.

Decidimos aparatar na floresta e voltarmos caminhando até a cabana, tínhamos um carinho especial por aquele lugar e peregrinar por lá era incomparável. Saímos do Três Vassouras e, como de costume, demos as mãos e desaparecemos, surgindo em meio a árvores e a grama, que agora fazia-se invisível sob a neve. Encaramos-nos por dois segundos antes de inciarmos uma corrida um atrás do outro, venceria quem não fosse pego por ninguém. Apesar de não ter DNA selvagem como os dois, minhas pernas eram habilidosas e eu corria com efetividade.

Jackie estava a apenas alguns metros de mim e eu estava prestes a alcançá-lo, quando o mesmo se virou para me pegar. Estupefata, virei rapidamente e uma perna após a outra, corria na direção oposta. Adam não estava correndo atrás de nenhum de nós. Então eu escutei os murmúrios, cada vez mais altos a medida que nos aproximávamos. Paramos de correr, Jackie também notara a anormalidade. Ninguém vinha na floresta, pelo menos não a noite e não no Natal.

Quando estávamos próximos o bastante da cabana para enxergá-la, vimos a cena. O que sucedeu-se a seguir, foi uma sequência de fatos árduos para explicar e impossíveis de serem assimilados por mim, um quebra cabeça que montei durante anos com todas as peças soltas em minha mente.

Dois homens seguravam Adam, um de cada lado, como uma fera descontrolada. Nós o perdemos por apenas três minutos e sua aparência era de alguém aprisionado há anos. Tinham lhe arrancado a camisa e as garras tatuadas no ombro não negavam que ele era o alfa de sua alcateia. Pessoas enfurecidas assistiam a cena do outro lado, suas varinhas estendidas, dentre elas, Maggie.

— Como você pode fazer isso, Adam? Roubou a dignidade da nossa família e agora a minha própria filha? — Inquiriu com a voz falsamente decepcionada, posicionando-se frente a frente com ele. Os joelhos do meu irmão na neve e a mão do homem puxando-lhe o cabelo para trás, obrigava-o a olhar para sua mãe. — RESPONDA-ME! — Vociferou. Senti meu corpo arder, mesmo com o clima gélido da floresta, meu sangue parecia pegar fogo, eu precisava fazer alguma coisa.

— NÓS NUNCA FOMOS UMA FAMÍLIA! — Cuspiu. Sua íris mudando de cor, ele estava prestes a transformar-se ali mesmo.

— BASTA! — Um estalo ecoou pela floresta, ela dera-lhe um forte tapa na cara. Seus dentes foram ficando pontiagudos e ele rosnou soltando-se dos dois homens musculosos que o seguravam. O rosto de Maggie tomou uma feição trépida e alguém a empurrou para o lado apontando a varinha para meu irmão.

Foi quando ele me viu.

Seus olhos negros encararam os meus pela última vez e ele sorriu. Seu rosto estava voltando a sua cor natural e seu fios de cabelo grudavam em sua testa suada. Seus lábios abriram-se para falar alguma coisa que eu nunca saberei o que era. Um clarão verde atingiu seu peito, seu sorriso se desfez e seu rosto tornou-se inexpressivo.

Eu não sei como tudo aconteceu, foi rápido, intenso e a coisa mais dolorosa que eu já senti. Meus lábios se contorceram entre os dentes, o gosto amargo do sangue empapou minha língua, contudo, não foi suficiente para conter o grito instalado na minha garganta. Escutei minha voz como se viesse de outra pessoa, como se a noite gritasse comigo. Eu e Jackie, que antes estávamos despercebidos, tínhamos agora todos os olhares voltados para nós. A raiva percorreu pelas minhas células, como um circuito elétrico e quando abri os olhos, o homem anteriormente com a varinha estendida, contorcia-se no chão. Sombras pretas o rodiavam, seus urros de dor não negavam que estava sendo torturado. Entretanto, quando as sombras dissiparam-se, ele desapareceu também.

E eu apaguei. A última coisa que me recordo depois disso foi acordar no dormitório da Grifinória.