Dois Quartos de Vinho

O céu estava negro e desnudo de nuvens


O céu estava negro e desnudo de nuvens, na superfície, as buzinas odiosas começavam a diminuir e os prédios, com as luzes de seus cômodos acesas, contribuíam para a beleza daquela caótica e cinzenta cidade.

A jovem estudava em seu quarto quando sua amiga abriu a porta. A loira pensou estar atrapalhando a concentração da outra, mas não imaginava a alegria que Lia sentiu ao ser resgatada daquele enorme e entediante livro de alemão.

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— Muito ocupada? – Ela permaneceu a soleira da porta.

— Não, tudo bem. Pode falar.

— Temos uma festa pra ir. Ta a fim?

— Claro, vou tomar banho.

— Uau, nunca foi tão fácil te convencer a sair. Tá tudo bem?

— Sim. Só quero me distrair um pouco e esquecer dessa coisa horrível – Concluiu apontando para o livro.

Tomou um banho rápido e foi para seu quarto, onde sua amiga a esperava já pronta. Abriu o guarda roupa e não demorou para tirar de lá um vestido prateado de tecido leve e um par de sapatos nude de salto grosso. Deu a volta no cômodo e da segunda gaveta de seu criado-mudo tirou um grande e trabalhado colar de pedras. Combinou tudo com um batom bordô.

Assim que saíram do elevador encontraram a amiga de Aline que fez o convite conversando com o porteiro. Karen tinha 27 anos e qualquer elogio que fizessem a ela não seria exagero. Seu corpo parecia criado por um escultor renascentista, seus cabelos volumosos e cacheados tingidos de dourado e seu sorriso mais expressivo que o comum. Com 1,75m, a mulher da pele tão escura quanto a noite, atraia olhares por onde passasse.

— Minhas delicias! – Correu até as duas e as abraçou o mais forte que pôde.

— Ah Karen, você é o tipo de amiga que contribui para a minha depressão, além de linda é simpática. Você não cansa?

A outra desandou a rir e, um pouco sem graça, agradeceu a Lia pelo elogio.

— Vou encontrar alguns amigos lá, muito gatos por sinal. Espero que não se incomodem.

— De jeito nenhum, Ka. Bem que você podia apresentar um pra Lia né? – Aline comentou.

— Pode deixar, vou te apresentar pro mais gato da festa!

Assim que estacionaram, puderam notar que a fila de entrada já estava virando a rua. As mais novas ficaram desanimadas em pensar que passariam mais tempo na fila do que na festa.

— É melhor a gente ir pra outro lugar, Ka, até todo esse povo entrar já é segunda-feira. – A loira comentou.

— Vocês não confiam em mim, não? Não vai ser essa filinha patética que vai estragar o nosso sábado.

A mulher saiu do carro acompanhada das amigas e, se equilibrando com maestria em seu enorme salto, foi em direção a recepção. Era notável os olhos que a admiravam, mas Karen não se intimidava facilmente, e como se não percebesse que estava sendo observada, continuou a conversar com o responsável pela lista de nomes.

Foi questão de segundos pra que as três entrassem no local, cada uma com uma pulseira neon.

— Ué, não entendi – Lia falou assim que entraram, não acreditando na facilidade que tiveram.

— Somos Vips, delícia. Agora vem, vamos caçar as maravilhas desse lugar – Concluiu puxando as duas pelo braço.

A música alta, o lugar muito cheio e as bebidas muito geladas, tudo contribuiu para que todas se sentissem a vontade. A cada passo de davam, Karen as apresentava para um novo grupo de pessoas, a mulher conhecia tanta gente que mais parecia dona do evento.

— A parte chata de ser a única que namora é que vou ter que ficar vendo todos vocês beijando vários a noite toda e eu não – Aline disse por cima da música.

— Viu Lia? – Um rapaz comentou – Não cometa o mesmo erro da sua amiga.

— Pode deixar querido, não pretendo namorar tão cedo – a outra retrucou gritando.

— Ótimo ouvir isso – o mesmo a puxou levando para longe do grupo.

Horas se passaram. Aline andou para cima e para baixo com Karen, conhecendo praticamente todos que estavam por lá, fizeram grupos de apostas, acabaram com diversas garrafas de bebidas, riam alto e dançavam sem ritmo.

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Muito tempo depois Lia apareceu com o vestido amassado, cabelo bagunçado e o que sobrou do que antes era um belo batom bordô.

— Apareceu a margarida – A mulher de fios dourados comentou.

— E aí Lia? Passou por quantas bocas? – Um jovem questionou enquanto ria.

— Amor, uma coisa que você tem que saber a meu respeito, é que eu não passo pela boca de ninguém, são as bocas que passam por mim – Respondeu com a voz firme, sendo seguida de vaias direcionadas ao infeliz comentário do outro.

— Lia não desce do pedestal nem bêbada.

— Quem disse que tô bêbada, Line? Eu tô é ótima, pronta pra mais!

— Já que tá tão bem assim, vem cá que vou te apresentar pro gato que vai mudar a sua vida.

— Duvido muito – A morena respondeu, mas Karen já havia gritado pelo nome.

Do meio de um grupo composto apenas por homens, saiu Gustavo. Ele poderia ser facilmente descrito como o semblante de um dos deuses do Olimpo. Seus olhos eram tão claros quanto as águas mais cristalinas e o cabelo formava perfeitos e encantadores cachos. O homem, de bronzeado em dia e corpo definido por horas de musculação, foi caminhando até as jovens com um sorriso faceiro decorando seus lábios.

— A que devo a honra? – Sua voz era levemente rouca e o perfume extremamente doce.

— Quero te apresentar a minha amiga Lia – Explicou apontando para a mulher ao lado.

Gustavo sorriu e a morena devolveu o sorriso.

— Vamos dar uma volta, linda?

— Não vejo por que não.

— Lia... Certeza? – Aline demonstrou preocupação.

— E tem como ter dúvidas numa hora dessas? – Sussurrou de volta.

Em poucos segundos os dois já tinha sumido.

...

Já passava da meia noite quando um carro preto estacionou em frente a um prédio residencial. Um moreno de cabelos ondulados e barbicha bem-feita saiu, ele vestia uma camisa de seda azul bebê e segurava nas mãos um grande buquê de rosas vermelhas e uma caixa de deliciosos bombons. Subiu as escadas com pressa, quase tropeçando no último degrau. Sua presença surpreendeu o porteiro, que o recepcionou de malgrado.

— Pois não?

— Boa noite, eu vim visitar a Lia do 118.

— Ih, ela saiu faz um tempão.

— Saiu? – Sua expressão mudou de ansiedade para desanimo – Saiu pra onde?

— E eu vou lá saber, rapaz? Fico cuidando da vida dos outros por acaso?

O homem colocou a caixa de bombons sobre o balcão e deu alguns passou até a porta de entrada. Pegou seu celular e iniciou uma ligação. Um. Dois. Três. Oito toques. Caixa postal. Ninguém atendeu. Deixou um breve recado e desligou.

Permaneceu parado por alguns segundos absorto, olhando para as flores em sua mão. Com passos lentos seguiu até seu carro, deixando para trás o porteiro, seus planos e os bombons.