Ao entardecer o céu estava tão limpo quanto nos dias de verão, mas isso não era o suficiente para alegrar o coração na jovem que sentia a aproximação de um temporal em sua alma. Há dias sentia-se assim e, antes que fosse tarde, sabia que devia tomar alguma providência.

Chegou em seu apartamento, deixou sua bolsa na sala e os saltos no corredor; foi direto tomar um banho que durou menos do que gostaria. Ainda de lingerie, deitou em sua cama junto a Rumpel, mas viu que o vazio que sentia tardaria a passar. Infeliz, não gostou da conclusão que chegou para livrar-lhe do amargo que carregava, mas, relutante, levantou-se e pegou seu celular. Quatro toques para ouvir a voz que esperava.

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— Milady? – A voz de Elídio estava rouca.

— Te acordei?

— Acordou, mas vale apena acordar e ouvir sua voz - Frase que arrancou um sorriso tímido da jovem.

— Tenho um convite pra você.

— Para onde?

— Isso não importa. Se arruma, pega dois cobertores e dois travesseiros que em vinte minutos eu tô chegando – Desligou sem dar direito a replica.

Foi até seu guarda roupa e escolheu um vestido de renda amarela que ainda estava com a etiqueta. Na cozinha, pegou uma garrafa de vinho, duas taças e um pote de sorvete, parou diante da porta, mas não a abriu, pensou por mais alguns segundos, não se convencendo se isso iria mesmo melhorar a solidão que sentia.

Assim que estacionou diante da conhecida casa azul, buzinou duas vezes e saiu do carro em direção ao portão. O homem não demorou a aparecer, desceu rapidamente a pequena escada e abriu o portão para sua visita. A morena pulou em seu colo, surpreendendo-o com um beijo cálido que quase derrubou-o no chão, mas, sem pensar muito e ainda com a jovem em seus braços, Elídio fechou o portão o mais rápido que pôde e levou-a para dentro de casa. Continuaram o beijo no sofá.

O moreno ainda estava deitado sobre a jovem quando perguntou:

— Para aonde você vai me levar?

— Se eu disser, vai estragar a surpresa, não acha?

— São surpresas demais para um senhor da minha idade, não sei se vou aguentar – riu e depois depositou um beijo em sua testa.

— Não acha que eu mereço um esforço? – Ele não respondeu, apenas sorriu, entregue a tudo que ela tinha a oferecer.

Demorou um pouco para que chegassem até o local. Lia estacionou logo à frente de um prédio abandonado em um bairro tão nobre quanto sua beleza, que ainda resistia entre a poeira e o descaso.

Desceram do carro e tiraram o que haviam trazido do porta-malas, seguiram para a lateral do prédio e com uma chave que tirou do bolso, a mulher abriu a única porta ali existente. Um bafo de poeira foi de encontro aos dois e, após algumas tosses contidas, os dois seguiram porta adentro.

— Ganhei esse lugar de presente, – ela disse assim que chegaram ao terraço. Não era bem verdade, mas não queria contar como aquele prédio foi passado para seu nome. – vim aqui uma única vez durante uma exposição de arte, e fiquei encantada com essa vista. – seus olhos miravam o horizonte – Nunca trouxe ninguém aqui antes – Seu tom indicava a importância daquele momento.

— E por que me escolheu?

— Achei que já soubesse a resposta – seu olhar foi intimidante, seu sorriso, dissimulado.

Arrumaram o lugar para uma espécie de piquenique noturno e depois de comerem, deitaram lado a lado nos colchonetes. A conversa fluía tão natural que a cada palavra sentiam-se mais próximos um do outro; as risadas ficavam cada vez mais altas e frequentes e os beijos mais românticos e sinceros.

Então, em meio a deliciosa conversa, Elídio aproveitou que estavam a sós para perguntar algo que desde a noite no bar com seus amigos ficará em sua mente. Acreditava que longe de todos a postura da mulher seria diferente.

— E o amor? O que você tem a dizer sobre ele?

— Nada. Nada posso declarar sobre aquilo que não conheço de fato.

— E não tem vontade de conhecer? - Ele viu se formar um sorriso no rosto dela, que olhou para o lado em uma estúpida tentativa de esconde-lo, o que o fez franzir o cenho. - O que foi?

— Você costuma desejar conhecer coisas que não existem? - Seu tom foi mais sarcástico do que o habitual.

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— Cruel! - Ele disse arqueando as sobrancelhas.

— Calunia! - A mulher esboçou novamente um sorriso, dessa vez sem medo de esconde-lo.

— É, realmente crueldade não é de seu feitio. Na verdade você é impar, sedutora e totalmente desejável, misteriosa e dona de uma amarga doçura.

— Como o vinho. - Ela emoldurou a frase com mais um de seus sorrisos enquanto brincava com a taça ostentando o liquido de cor escura e aroma doce.

Ele a observou por um longo tempo perdido em seus pensamentos, sentindo-se totalmente vulnerável diante de tamanha mulher.

— Você não pode fazer isso com as pessoas, Lia. Não pode fazer isso comigo – deixou escapar, se controlando para não deixar seus pensamentos tomaram conta ainda mais de si.

— Isso o que? – Ela perguntou sorrindo, sorriso esse que agravou ainda mais o estado do homem.

Não pode entrar na minha vida e vira-la de cabeça para baixo sem se importar, não pode roubar meu sono e sanidade sem um pingo de compaixão, não pode me deixar assim de quatro por você e não assumir que sente o mesmo, não pode diminuir meus sentimentos a nada e depois pisar neles com seus saltos aveludados, não pode sorrir assim pra mim e depois alegar inocência, não pode! Pensou enquanto sua cabeça entrava em colapso e seu corpo fervilhava.

Puxou-a para um beijo tão forte que pode sentir um tímido gemido, passou as mãos por entre seus cabelos, se perdendo naquele mar de ondas negras enquanto sentia o ritmo descompassado de seus corações.

— Acho que estou apaixonado – disse, assumindo tudo aquilo que tentava esconder há meses, tudo aquilo que temia, tudo aquilo que não queria acreditar. Disse como um de seus últimos apelos para a jovem.

— Eu também – ela respondeu doce, porém determinada. Os olhos do humorista brilharam como os dos adolescentes que experimentam o primeiro amor. – Esse sorvete de flocos é realmente maravilhoso.

Infeliz e desiludido, o outro concordou.

— É, é sim.