Dance Made

#3:Ainda é cedo


No dia seguinte, fui para a escola esperando não receber um questionário quilométrico da Amanda. Mas, sabendo que essa possibilidade não existia, fui pensando em como contar a história sem fazer ela gritar na frente da sala inteira.

—Ooiee dançarina! Gente ela dança sabia? —Disse, ou melhor, gritou Amanda. Ela foi correndo em minha direção fazendo o maior tumulto e, obviamente, chamando muita atenção.

—Oi Amanda.... Tudo bem? —Eu respondi tentando mostrar para as pessoas em minha volta que ela nem é tão medonha assim.

—E aí? Vai me contar como foi ou nem? —Disse ela botando as mãos na cintura e ignorando completamente a pergunta que eu havia feito.

—Ah, sabe, não rolou nada demais assim. Foi só uma aula normal, com pessoas normais em um estúdio legal. —Sim, essa foi a maneira que eu encontrei de tentar esconder 99% do meu dia.

—Uhum. Sei. —E, obviamente, não colou.

Dei a ela mais alguns detalhes, mas sempre escondendo aqueles que poderiam causar um grito no meio da escola. Depois de uns 20 minutos enrolando, ela estava prestes a aceitar a minha versão da história. Mas é uma pena que a vida não seja um mar de rosas. Ontem, antes de ir embora, Breno e eu trocamos contatos. Não, não é possível que ele me mandaria uma mensagem naquele instante. Mas, por algum motivo irônico do destino, ele mandou.

Bom, meu celular apitou e fui ler. O desespero bateu ali.

MENSAGEM:

—Breno: Heey Elin, então, o Yan pediu pra galera chegar uma hora mais cedo amanhã, então... não esquece tá? É MT importante. Espero te ver lá, beijo linda.

Como de costume, Amanda arrancou o celular da minha mão e começou a ler. Tentei pensar em várias respostas para as perguntas que estariam por vir, mas nem deu tempo.

—MEU DEUS! —Começou. —Quem é Breno, dona Elin?

—É só um garoto que conheci ontem na dança....

—Só um garoto? Sim, sim, claro.

O sinal para começo da aula tocou. Acho que nunca fiquei tão feliz para uma aula de Geografia.

—Que pena, Amanda. Hora da aula.

—Ah tá! Você jura que acabou aqui, né?

—Pode ir parando por aí sua chata!

—Parando? Eu só comecei! “Beijo, linda”

—Tchau tosca.

Fiz de tudo para evitar a Amanda em todos os intervalos, só queria chegar logo em casa e poder sumir do mundo. E foi o que eu fiz.

Chegando em casa, esperei a hora certa para descer para a quadra. À partir das 18 horas a quadra fica vazia, é uma hora perfeita para dançar. Levei meus fones e botei um moletom por cima da regata que eu estava usando. Ao chegar na quadra, escolhi a música mais animada que eu tinha e botei no máximo volume, depois comecei a dançar como se não houvesse amanhã.

Decidi formar uma sequência de passos na música “This could be us”, sempre gostei dela e sua batida dá para fazer umas marcações muito legais. Quando tirei o fone para descansar um pouco e beber água, meus ouvidos acordaram com o som de palmas vindo do outro lado da quadra. Me virei rapidamente, mas não consegui reconhecer o rosto da pessoa que estava ali, era bem familiar, mas de onde? Claro. Era o Jake, o garoto que dançou comigo ontem na aula de dança.

—Aprendeu tudo isso comigo ontem é? —Ele começou a se aproximar.

—Ah com certeza né? Com passos fáceis assim de copiar. —Ironizei e também comecei a me aproximar dele.

—É claro, tinha que facilitar pra a novata.

—Sim, sim, claro.

Começamos a rir. Jake parecia ser um bom amigo, ele foi um dos únicos que não me jugou quando entrei na roda.

—Mas e aí? Tá ouvindo o que? —Ele começou.

—Ah, tava só fazendo uma sequência improvisada nada demais.

—Aham sei. —Disse ele pegando o meu fone para conferir meu estilo musical. —Olha só, até que a novata tem umas músicas boas.

—Valeu... eu acho.... Enfim, por que tá na quadra essa hora? O futebol já acabou.

—Nossa foi mal ae por roubar sua quadra, mas relaxa que só to de passagem, vim dormir na casa de um amigo que mora no bloco C. Você mora aqui?

—Aham, moro no bloco A.

—Mas e então? Vai me mostrar sua sequência? Eu tenho uma caixinha de som na mochila, se quiser.

—Te mostrar...? Olha... eu não sei eu acabei de fazer aqui e—

—Relaxa, Elin. O máximo que vai acontecer é eu pedir para você me ensinar.

—Vish então nem pega a caixinha.

—Muito engraçadinha você, já volto.

Eu realmente estava falando sério. Não é fácil mostrar uma dança sua para um veterano. Eles sempre vão julgar cada detalhe dos seus passos e, mesmo se não gostarem, dirão que está bom. Jake chegou com a caixinha e já foi ligando ela ao meu celular. Mostrar a sequência para ele nem foi tão difícil, eu me sinto à vontade perto dele.

Depois de dançar por mais 20 minutos, Jake tinha que ir para a casa do amigo dele, só na hora de nos abraçarmos pude notar o quão fofo ele era. Olhos verdes, cabelos castanhos, alto.... Mas nada que pudesse tirar o sorriso do Breno da minha cabeça. Falando nele, lembrei que teria que inventar mais desculpas para amanhã. Então hora de abrir a mente.

O dia seguinte foi normal, Amanda não havia esquecido da mensagem de ontem, mas não forçou tanto a barra quanto eu achei que forçaria. A aula finalmente acabou e pude ir para casa. Por algum motivo a hora de escolher minha roupa foi difícil. Era só uma aula de dança, né? Não, não era mais.

Cheguei no estúdio faltando 5 minutos para dar o horário que o Breno informou, mas não encontrei ninguém da minha turma. Decidi ficar sentada na recepção até alguma voz vir me salvar. E, 10 minutos depois, ela chegou.

—Ué, já chegou? —Disse o Breno entrando no estúdio e vindo até mim.

—Cheguei né? Você que falou pra chegar essa hora. —Disse me levantando para cumprimenta-lo.

—Mas ninguém chega na hora certa, bobinha—Disse ele rindo e me cumprimentando. —Enfim, quando chegar mais cedo é só ir entrando na sala.

—Eu tentei, ela ta trancada.

—Ué, então por que não pediu a chave pra Tia Sandra?

—Eu falar com a Bruxa Má do Oeste? Nunca.

—Bruxa Má do Oeste? —Ele riu— É um bom título pra ela, eu concordo. Enfim, bora.

Ele pegou a chave com a bruxa e fomos lado a lado para a sala. Chegando lá, jogamos as mochilas em um canto qualquer da sala e notei que minha garrafa estava sem água.

—Ei Breno, vou ter que encher minha garrafa. —Disse, me aproximando da porta.

—Seria uma pena se eu chegasse lá primeiro né? —Ele me puxou para trás e saiu na minha frente.

—Tosco! —Fui correndo atrás dele.

Chegando lá, ele já estava bebendo água, mas quando me aproximei ele parou.

—Vai, pode ir.

Quando me aproximei para encher a garrafinha ele apertou o botão da água, molhando uma parte da minha blusa.

—BRENO!

—Putz, sem querer. —Ele disse, irônico, como sempre.

—Nossa véi! Sorte sua que minha blusa não é branca.

—Sorte minha? Azar, no caso, né?

—Cara eu vou te matar! Vai ter que me emprestar seu casaco agora!

—Sem problemas. Vai ficar massa em você. Bom, vou indo pra sala, quer alongar ou eu posso mandar um Free Style? (É quando você coloca uma música e faz uma dança de improviso em cima dela)

—Pode mandar seu Free Style, Breno.

Enchi minha garrafa e fui para a sala. O Free Style do Breno era muito bem feito. Parecia estar tudo ensaiado e ele não parava um segundo sequer. Coloquei o casaco dele e sentei para assistir seu show, que não durou muito.

—Ei, por acaso dançarina fica na plateia?

—Q-que? —Respondi meio sem graça da minha situação.

—É Elin, quer saber? Levanta. Bora mandar um Free Style junto pra aquecer. —Disse ele me levantando e indo em direção ao som para mudar a música.

—Breno, não precisa, eu to de boa, sério.

—Só dança, Elin. Por favor, eu ainda não tive a honra de dançar com você.

Deixei escapar um sorriso que eu parecia estar guardando por muito tempo. Dançar com o Breno era diferente de dançar com o Jake. O Breno parecia acompanhar meus sentimentos na dança, ele parecia ler minha mente. O Jake só seguia a mesma sintonia que eu, por isso era mais fácil dançar com ele.

A música mudou para “Pursuit of Happiness”. Ela é lenta mas tem uma batida legal. Mudar de música não vale, senão nem é Free Style. Breno começou a fazer movimentos leves e a se aproximar de mim, como se nessa música eu tivesse que acompanha-lo. Eu comecei a seguir os passos dele e a me aproximar também, fomos andando pela sala com esses movimentos, até algo me parar. No caso, a parede.

Senti minhas costas encostando nela e Breno estava na minha frente, então não tinha por onde sair. Dei uma risadinha para tentar descontrair o clima, mas não funcionou. Ele botou uma de suas mãos no bolso e outra ao meu lado, na parede. Breno olhou para o meu rosto e deu aquele clássico sorrisinho dele, logo desviou seu olhar para a porta como se estivesse conferindo se alguém estava ali. Não demorou muito para seu olhar voltar para o meu. Eu desviei meu olhar para qualquer manchinha que pudesse encontrar no chão, mas naquela situação não dava para não olhar para ele.

Quando nossos olhares se encontraram novamente, ele logo desceu seus olhos até minha boca e os voltou para os meus novamente, dando uma leve mordidinha em seu lábio inferior. Eu não sabia como reagir, é claro que eu queria beijá-lo, mas sei lá. Sua mordida nos lábios logo foi se soltando em um sorriso envergonhado, que mostrava exatamente o que eu estava sentindo.

—Ainda não, Elin. —Disse ele se soltando da parede e indo em direção à porta.

—Como se eu fosse deixar. —Disse, tentando fazer a situação não tão constrangedora assim.

Ele logo parou e se virou para mim.

—Você sabe que ia, até porque você já me disse enquanto dançava.

—Então por que não me beijou? —Por que eu disse isso mesmo?

—Você sabe porque. Não é o momento certo pra gente, mas nós sabemos que ele vai chegar.

O silêncio de 3 segundos durou umas 3 décadas.

—Se não concorda, eu te beijo nesse instante. —Continuou.

—Eu concordo. Não ta na hora ainda.

—Que bom que você usou a palavra, só confirma minhas expectativas contigo.

—Que palavra?

—Ainda.

Ele se virou de novo, era como se ele sempre soubesse a coisa certa a fazer. Você me surpreende, Breno. Mas eu vou te mostrar que eu também posso surpreender você. Mas ainda não. Ainda.

O Yan abriu a porta e junto dele entraram mais 9 pessoas da turma, acho que eles estavam lanchando juntos antes de vir para a aula. Todos se cumprimentaram e não pude deixar de sorrir quando vi Jake. A iniciativa dele ontem foi muito legal.

—Seguinte, gente. —Começou o professor— A aula de hoje começou mais cedo porque vamos ensaiar para o campeonato, então vou separar vocês em duplas para cada dupla fazer uma coreografia e trazer na próxima aula, então se encontrem fora da escola, cheguem mais cedo no estúdio, sei lá. Só tragam uma coreografia de no mínimo 2 minutos na terça. Fechou? Vou pegar a lista das duplas pra vocês começarem a conversar.

Eu simplesmente amei a ideia, mas quem seria minha dupla? Todos estavam se olhando como se estivessem eliminando uns aos outros, e eu com certeza sabia quem queria me eliminar.

—Então, vou começar a separar aqui. —Ele continuou, e, depois de separar algumas duplas, eu tive a notícia do meu destino— Elin, você vai ficar com a Bea (apelido da Beatriz, a menina que me odeia com todas as forças do coração dela).

Fui até ela para podermos combinar nossa coreografia, mas quando eu ia começar a falar, ela resumiu tudo.

—Então, novata. Eu com certeza fui a mais azarada da turma por sair com você. Então vê se treina os passos direitinho pra não me fazer passar vergonha. Eu prefiro que seja na sua casa ou em algum lugar público, porque dançar com a minha irmã menor em casa é tortura. E aí? Como vai ser?

—Olha, pode ser na quadra do meu bloco, a partir das 18 horas ela fica vazia—

—Ta pode ser. Pega meu número pra gente combinar melhor depois.

—Ta bem....

—E.... Não acha que é marcação com você. Eu só ainda não sei quem você é ou porque ta aqui. Daí não posso confiar, entende?

—Eu não vou te decepcionar, Bea. Mas se eu tiver que te provar isso, eu provo.

—Hm.... Até que você é determinada novata. Vamos ver se é assim na dança também.

—É, vamos sim.

Ela deu uma risadinha que não era para ter saído. Mas acho que no fim ela vai gostar de mim. Agora era hora da aula. Mal posso esperar para o ensaio, e... Mal posso esperar para ver como o meu “ainda” com o Breno vai acabar.

Me surpreenda, Breno. Antes que eu surpreenda você.