Chamem os Bombeiros

Indo às urnas


O celular toca. O coloquei para despertar 20 para 6 da manhã. Hoje vou cobrir o 1º turno das eleições em São Paulo. Fui ligeira, já preparei as roupas no dia anterior. E hoje, vou levantar mais cedo para tomar um reforçado café da manhã e não levar nenhuma comida em campo.

Desperto sonolenta, e confesso, mal-humorada. Sinto em minhas costas algo peludo e que ressona com preguiça. Viro do lado, e lá está o Ernesto, enrolado e dormindo tranquilamente. Como é bom ser gato, hein? Poder dormir, comer e brincar a hora que quiser. Não, não gosto que ele durma na minha cama, mas provavelmente, deixei a porta do quarto aberta, isso porque estava morrendo de sono.

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Ele levanta a cabeça e resmunga. Dou um beijinho entre suas orelhas e levanto. Vou para o banheiro fazer xixi, lavar o rosto e tomar café. Hoje, como já disse vou cobrir o 1º turno das eleições. Vou acompanhar as votações de Eduardo Jorge, que provavelmente vai o ser o cara mais bacana para entrevistar, e vou me segurar pra não revelar que meu voto é dele, Fernando Henrique Cardoso, o Celso Russomanno (argh!) e para completar o meu feito, Paulo Maluf. Esse então... Tudo que vou perguntar, ele sai de fina, escorregadio como um sabonete.

A cobertura será feita em todo o país, isso porque estamos com eleições para presidente (vou votar no Eduardo Jorge, já disse isso?), senador, governador, deputado federal, deputado estadual. Em cada canto do país haverá vários repórteres do jornal entrevistando e acompanhando as votações dos candidatos em vários cargos.

Chego na cozinha, ligo a torradeira e coloco duas fatias de pão integral. Enquanto isso, acendo o fogão, coloco na frigideira um pouquinho de manteiga para esquentar e bato um ovo. E depois o despejo na frigideira.

Abro a geladeira, pego um suco de laranja de caixinha, e ameaço trazer o iogurte para mesa. Mas só ameaço... Imagina se passo mal em campo? Ficaria muito chato vomitar em algum dos candidatos (se bem que não é uma má ideia vomitar aos pés do Maluf. Mas isso é outra história). Quando sento para comer, o Ernesto aparece na porta da cozinha.

“Rá, comendo e não vai me servir nada, humana? Sua tremenda descarada!”.

— Bom-dia, meu amorzinho! Nem te acordei porque você estava dormindo! – falo para o meu gato.

“Ah, então essa é a desculpa para não me dar comida? Você não tem bom senso não?”, mio para humana.

— Parece que você me entende. Aliás, é quem mais me entende.

“O cacete! Coloque a minha ração na tijelinha! Vamos sem conversa! E aproveite e troque a água!”. Francamente, será que tudo preciso orientá-la? Parece que eu sou humano e ela é um gato. Poupe-me!”

Dou uma pausa no meu café que, aliás, nem comecei. Vou até a área de serviço, troco a água, e coloco ração na tijelinha. Vou até o banheiro e lavo as minhas mãos. Volto para cozinha e aí sim, vou comer.

Enquanto saboreio as minhas torradas com manteiga, ovo mexido e suco de laranja, Ernesto vem pertinho, joga alguns grãozinhos de ração no chão e começa a comer. Parece que ele quer companhia.

— Às vezes acho que você pensa que é um cachorro. - digo a ele.

“Jamais, humana! Cachorros são idiotas, tudo balançam o rabo e babam! Aliás, para mim são seres de extrema falta de inteligência. Já que os gatos, se um dia se unirem, poderão dominar o mundo! Tão e somente isso”.

Termino meu café, hora de me arrumar. Deixo a louça na pia e prometo que mais tarde darei um jeito na cozinha. Às quartas-feiras, vem a Dona Cecília. Uma empregada muito boazinha que cuida da minha casa, enquanto estou fora. E em muitas vezes, ela lava a minha louça, mas só de quarta. O resto da semana fica por minha conta.

“Ah, aquela que às vezes quer me pegar à força e me agarrar? Como ela é pegajosa! Prefiro você, humana!”.

Mas, pense você que posso pagar uma empregada... Longe disso! Quem paga é minha mãe. Apesar de ela ter mais dinheiro que eu, aproveitar dos cartões de crédito do meu pai, e para piorar, apresentar alguns probleminhas como pegar algo de outros sem permissão (mas isso também é outra história), é um amor.

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Enquanto faço toda aquela rotina de me preparar (banho, se trocar, maquiagem e por aí vai), vou passando o roteiro na minha cabeça. Primeiro seguirei para Vila Mariana, para acompanhar o Eduardo Jorge, depois vou para Higienópolis, para a votação do Fernando Henrique, e aí Morumbi e mais um bairro lá que não me lembro do nome. Mas fico tranquila, porque além do Jura, o Juarez, desta vez o fotógrafo é o Felipe. Ele é gay, um doce, o único problema é que “disputa os boys magia” comigo.

Apesar de ser fofoqueiro enquanto tira as fotos, afinal, ele repara nas vestimentas, nos modos dos entrevistados e ainda fala as suas suspeitas, do tipo: “ele é ou não é amiga”, é mais tranquilo do que o Júlio.

Pronto, estou a ponto de bala para mais um dia de trabalho. Beijo o meu gato, pego a minha mochila, tranco a porta e desço.

Quando chego ao térreo, o Jura já está lá e a música no carro é alta. Tenho certeza que é o Felipe que forçou a situação. E cá para nós, o Jura nunca ouviria Whitney Houston a essa hora da manhã. Chego perto do carro e vejo o Felipe se esticar todo no banco traseiro fazendo uma “performance”.

— Bom-dia, garota! – o motorista me cumprimenta e revira os olhos. É... Definitivamente o dia será longo.

— Oi, Bee!! Junte-se a nós para cantar com a rainha, diva, maravilhosa Whitney Houston! – fala o Felipe com a cara para fora da janela.

— Oh, Felipe, pega leve porque nem são sete horas da manhã! – digo enquanto abro a porta do banco traseiro e ele se afasta mais para direita a fim de me dar lugar no carro. Seus equipamentos estão no porta-malas. E fico pensando, como alguém pode ter tanto pique a essa hora da manhã.

— Ai, que tudo! Então vamos primeiro ver o Eduardão e aí aquele bando de caquético? Duvido que o FHC venha de cadeira de rodas empurrado pela nova esposa. Vai ser babado!

— Como você é maldoso, não? Acho que ele tá inteiro e parece que até a moça o ama porque... - mas nem completo o meu pensamento.

— Maldoso, é? – ele fala com as mãos na cintura – Aff! Poupe-me! Ela gosta do dinheiro dele, Bee!

— Garotada, então vamos primeiro para Vila Mariana, né? – pede confirmação o Jura enquanto dirige o veículo em alta velocidade. Aí me pergunto, tem necessidade? Já que as ruas estão quase desertas e o povo vai despertar mais tarde de certo modo mal-humorado para votar?

— Vai devagar, amorzão! – suplica o Felipe – vai desarrumar meu picumã!

— Cara, pode falar o que quiser! Vou de Eduardo Jorge nessa eleição – revelo o meu voto.

— E vou da diva dos cabelos miojo! A super, super Lulu Genro! Ah, bee, falando nisso, será que o people vai tumultuar a votação do Dudu?

— Por quê?

— Ah, por mais que ele seja uma gracinha, sempre tem uma doida querendo agarrar o homem! Vai ver que é a vibe dele é ma-ra-vi-lho-sa! Mas convenhamos, ele é meio feinho, né?

Nessa hora me lembro de que no Twitter do candidato tinha uma das eleitoras que disse: “Eduardo Jorge, você é lindo!”. A resposta dele foi: “Você está louca, querida?”.

— Bem que a gente podia dar um pulinho no lugar de votação da diva Lulu, né? Queria dar um abraço nela! E dizer para rainha amapô que meu voto sempre será dela!!!

É... E lá vamos nós para um dia de trabalho. Se há divisões de águas dentro do carro, imagina na hora que estivermos na frente de cada candidato! Ao menos, não será o Júlio. Porque, né? Duvido e faço o dó que ele iria tirar satisfações de cada um dos candidatos, em especial dos três últimos... E imagine a confusão!