O barulho irritante que vinha do corredor não me deixava dormir.

É como se alguém estivesse batendo os dedos na porta de forma sincronizada. No começo pensei que fosse alguma das meninas mais novas fazendo baderna antes de ir para a cama, contudo, conforme o tempo foi passando percebi um certo ritmo no batucar de dedos.

Não podia ser algo normal, afinal, se fossem mesmo as garotas, elas já teriam parado há algumas horas.

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Infelizmente, a única que parece incomodada com isso sou eu.

Wendy não está rolando muito na cama agora que Tiffany trocou seu curativo e não parece ter escutado algo. Joy está agarrada ao travesseiro como se ele fosse o príncipe de seus sonhos e Gain tinha jogado o dela nos próprios pés se esparramando no colchão. Não consigo ver como Tiffany está, mas sei que ela já deve ter adormecido faz tempo. Ela sempre caiu no sono fácil.

O que apenas confirma minha certeza de que ninguém, além de mim, está se importando com aquele barulho irritante.

Com um suspiro cansado, saio da cama andando na ponta do pés para não sentir o piso gelado. Me abraço como se isso pudesse impedir o frio de me gelar e abro a porta com cuidado, evitando que ela faça mais rangidos do que o normal. Pisco os olhos tentando enxergar qualquer coisa com a pouca luz vinda das pequenas luminárias de parede.

Acho que se pudesse gritar, provavelmente teria gritado. Sorte a minha que sempre fui boa em controlar as emoções.

Um garoto está sentado no lado direito da porta o rosto apoiado nas mãos enquanto olha para baixo. Ele parece ter se dado conta de que não está mais sozinho e levanta a cabeça, me fitando diretamente nos olhos.

Infelizmente, Jin não apareceu no meu melhor momento.

— O que você está fazendo aqui? — pergunto, deixando transparecer minha expressão de insatisfação.

— Eu vim te ver — diz, como se fosse incrível ele vir me ver.

Agora? É serio? — bufo, não me contendo. Que tipo de pessoa visita a outra praticamente de madrugada? — Bem, eu não quero te ver. Pensei que tinha deixado isso claro em nossa última conversa.

Se é que poderia considerar aquilo uma conversa.

— Sobre isso... — Jin passou a mão no rosto e se levantou. Sua expressão parece realmente cansada, como se tivesse que responder vários questionários da professora Jeon. — Me desculpe. Eu pensei bastante no que disse e percebi que fui um idiota. Um grande idiota — ele percebe meu olhar de não crente e suspira. — Não faça essa cara, estou dizendo a verdade. E-Eu até mesmo...Olha, não conte isso para ninguém, — seu olhar abaixou e suas bochechas se tornaram rosadas — mas eu até mesmo conversei com a minha mãe sobre isso. Admito que ela me fez perceber o meu erro, contudo, estou realmente arrependido de minha conduta. Por favor, aceite minhas desculpas.

Não sei o que responder. Ele parece estar arrependido e ainda veio aqui se desculpar. É normal algo assim acontecer? Um rapaz pedir desculpas a uma garota?

Desde quando comecei a aprender sobre a história do país e suas regras, não me pareceu que alguém do sexo masculino pediria desculpas para uma mulher.

— Você disse que conversou com sua mãe... — paro de me encostar no batente da porta e descruzo os braços. — É para isso que as mães servem? Dizer aos filhos quando estão cometendo uma burrada?

A expressão surpresa no rosto de Jin me faz rir baixinho. Provavelmente ele não esperava que eu fosse querer conversar sobre qualquer coisa com ele.

— Então você me desculpa?

— Só se você responder a pergunta que te fiz — digo e ele aquiesce rapidamente antes de fazer um gesto indicando que eu me sentasse no chão. Faço uma pequena saudação a ele, dobrando um pouco as pernas, e então me sento onde ele indicou.

— As mães não servem só pra isso — diz, após sentar ao meu lado. — Elas basicamente são o alicerce da família ou ao menos é o que sempre pensei. Meu pai é muito inteligente, talvez um dos homens mais inteligentes que conheço só perdendo para o meu avô, ele sabe de tudo. Qualquer coisa que você perguntar, coisas que precisam de estudo para entender, ele saberá te responder. Contudo, ele não vê o que está escancarado em sua frente e o que está por vezes nas entrelinhas. Já minha mãe...Ela tem conhecimento desses pequenos detalhes. Sobre a vida, entende? — Jin possui uma expressão saudosa em seu rosto ao falar e seus olhos buscam os meus por diversas vezes em sua fala, desviando-os logo em seguida.

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— Não sei se consigo compreender — respondo, sinceramente.

— Deixe-me tentar te explicar melhor — suas mãos se cruzam sob seus joelhos enquanto seu dedo indicador circula o ossinho proeminente que liga os dedos as mãos. — Ela sabia que eu estava mal sem que eu dissesse nem uma palavra sequer. Bastou um simples olhar assim que passei pela porta de casa. Meu pai não percebeu nada e começou falar de política como sempre faz — ele revira os olhos e dá uma risadinha sem graça — E essa não é a primeira vez que isso acontece. Pela minha experiência com garotas, todas vocês parecem possuir um tipo de instinto para coisas assim.

Franzo o cenho, absorvendo suas palavras. Acho que consigo assimilar o que ele diz. Meu coração se aperta ao saber que uma mãe pode ser assim e que eu nunca saberei como é ter alguém que pode te compreender tão bem quanto você mesmo.

Ignoro a parte incômoda que me faz perder tempo percebendo que não sou a primeira garota com quem ele tem algum tipo de contato.

— ... ela também é a pessoa em que mais confio. Sei que me tornei o homem que sou hoje graças à ela — ele continua a falar, sem perceber que minha atenção não estava mais nele.

— Ela parece ser uma grande mulher — comento, achando graça na admiração óbvia em sua voz.

— Ela é — Jin abre um sorriso simples, mas não menos encantador por isso. Ele me fita diretamente por algum tempo até o sorriso sumir de seus lábios e uma expressão séria surgir em seu rosto. — Você não tem uma mãe, não é?

— Nem um pai — respondo, surpresa por ele só lembrar disso agora. — Ei, não precisa ficar desse jeito.

— Desse jeito?

— É, você sabe — digo, colocando a mecha do meu cabelo que insiste em cair na frente de meu rosto atrás da orelha. — Não precisa ficar triste e não preciso da sua pena. Não é como se desse para sentir falta de algo que nunca teve — dou de ombros, tentando não mostrar-me abalada em sua frente. Jin balança a cabeça, uma, duas vezes concordando com o que digo, apesar de ainda demonstrar que ficou embaraçado com tal assunto.

— Me desculpe por tocar nesse assunto.

— Você não parecia ser do tipo que pede desculpas a cada cinco minutos — ele ri com minha tentativa de ser engraçada. — Eu que perguntei, então tecnicamente eu que toquei no assunto primeiro. Não se atormente com isso.

— Se você diz, não me atormentarei — o sorriso volta ao seu rosto e decido mentalmente que ele fica melhor assim do que triste. Acabo bocejando antes que possa me controlar e levo meus dedos aos olhos pars esfregá-los um pouco. — Você parece com sono.

— É porque estou com sono. — pisco os olhos, obrigando-os a se manterem abertos e prestar atenção em Jin. — Você veio de madrugada, o que esperava encontrar?

— Certamente uma moça cansada — Jin suspira, ainda observando cada ação minha. — Acho melhor você ir dormir agora.

— Também acho.

Me levanto usando a parede de apoio e passo as mãos por meus braços. Está mais frio do que antes. Jin também se levanta, começando a tirar seu casaco.

— O que você está fazendo? — questiono, confusa. Ele não me responde e termina de tirar o casaco.

— Tome. Está frio — Jin estende o casaco preto em minha direção. Não o pego, achando graça na situação.

— Jin, estamos em frente ao meu quarto — digo, apontando para a porta. — Após nossa despedida, entrarei em baixo de minha coberta quente e macia. Não preciso do seu casaco, mas obrigada por oferecê-lo.

As bochechas de Jin se tornam rosadas e sei que ele está envergonhado. Apesar da minha recusa, ele continua estendendo o casaco para mim.

— Pegue, por favor. Assim você terá uma prova de que voltarei amanhã.

Me sinto mal em negar mais uma vez, de modo que aceito o casaco.

— Isso significa que você virá amanhã? — indago, erguendo levemente o casaco. — Como saberá onde me encontrar?

— Podemos nos ver na biblioteca. Dessa vez, sem erros da minha parte.

A voz dele soa tão animada e é possível ver o brilho em seus olhos, mesmo com a pouca luz.

Jin hesita por um momento, parecendo incerto se sua próxima ação será correta ou não. Antes que eu diga algo, ele segura minha mão direita depositando um selar ali.

Bons sonhos, Yerim.

Pronuncio um agradecimento baixinho e entro o mais silenciosamente no quarto que consigo.

Wendy se mexe na cama e suspira ainda em sonho, fazendo meu coração quase parar com a mínima possibilidade dela estar acordada.

Escondo o casaco na minha parte no pequeno guarda-roupa que todas nós dividimos e ando até a beliche. Deito na cama, esperando ser discreta o suficiente.

Não demora muito para eu cair no mundo dos sonhos.

~*~

— Yerim. — ouço uma melodiosa voz chamar meu nome com certa urgência. — Vamos, Yerim. Acorde!

Abro meus olhos e pisco várias vezes, tentando me acostumar com a luz no quarto. Joy está ao meu lado, sua mão direita encostada delicadamente em meu rosto, a expressão ansiosa.

— O que foi, Joy? — pergunto, ainda meio grogue de sono.

O que foi? — ela ri, provavelmente da minha cara. — Já está na hora de acordar. Assim vamos nos atrasar para o banho.

O banho! Cinquenta garotas tomando banho ao mesmo tempo, caramba, como pude me esquecer disso? Eu e Joy sempre fazíamos questão de ir no primeiro grupo de meninas.

— Onde está Gain e Tiffany? — indago, sentando-me na cama.

— Já foram. Reclamaram que você estava demorando muito para acordar e não queriam perder o primeiro grupo. — Joy revira os olhos. — Acho que se nos apressarmos agora, vamos conseguir chegar no banheiro a tempo.

Concordo e levanto num pulo. Joy joga sua toalha para mim e ambas corremos para fora do quarto. Passamos por alguns quartos de portas fechadas, o que significa que talvez tenha vaga no primeiro banho. Chegamos no corredor do banheiro e Solar está prestes a fechar a porta.

— Espera! — grito. Faço minha melhor expressão de coitada para Solar. — Por favor, me diga que ainda tem espaço para a gente.

— Hmmmm... — Solar dá risada e abre a porta. — Vocês deram sorte, já ia fechar a porta. Tzuyu e Mina passaram mal, por isso não vieram nesse grupo.

Elas estão bem? — a preocupação é evidente na voz de Joy. Entramos no banheiro e as garotas já estão tomando banho.

— Não muito, mas elas me garantiram que iam passar na professora Lee para tomarem algum remédio. Pelo que disseram, era só um mal estar. — Solar explicou, trancando a porta e deixando a chave no canto do chão.

— Ah, espero que elas fiquem bem logo — Joy diz, começando a desabotoar sua camisa rosa do pijama. Ela também tira o shorts que usa e dobra tanto ele quanto a camisa, os colocando na sua parte do armário do banheiro junto com nossas toalhas.

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— Não deve ser nada muito grave — Solar comenta, soltando seu cabelo e também se livrando de suas roupas.

Tiro meu pijama, dobrando-o e guardando no armário próprio para isso.

— Ah! Ali estão as meninas! — Joy segura meu pulso e me arrasta por entre as cinquenta garotas debaixo da água que cai do teto. No canto do lado oposto das cabines com vaso sanitário estão Gain e Tiffany, a primeira esfregando a costas da segunda.

— Pensei que não iam vir — Tiffany diz, ao nos aproximarmos. Seu cabelo está para trás e cheio de espuma.

— Obrigada por nos esperarem — digo, ironicamente. Gain me responde com um "De nada!" sorridente, enquanto ainda esfrega as costas de Tiffany. Ao terminar, ela dá um tapinha no ombro da amiga e se vira para que Tiffany faça o mesmo com ela.

— Demos sorte em conseguir pegar um sabonete cheiroso e um shampoo bom — Tiffany comenta, apontando para o chão onde o frasco de shampoo está. Ela esfrega suas mãos no sabonete e então o entrega para nós.

— Deram mesmo — falo e sei que é verdade. Com tantas garotas no colégio, nem sempre conseguimos usar o mesmo shampoo quando vamos lavar os cabelos. Ou usar algum bom. — Você esfrega minhas costas, Joy?

— É claro! — ela responde e faz um gesto com a mão para que eu me vire. — Você está com umas olheiras bem profundas, Yerim. Não dormiu bem de noite?

— Mais ou menos — Joy joga meu cabelo para a frente e começa a esfregar minhas costas de maneira delicada. — Acabei demorando para dormir. Sinto como se tivesse dormido apenas meia hora.

— Entendo — ela dá um tapinha em meu ombro e sei que agora é a minha vez de esfregá-la. Me viro e ela já está de costas. Jogo seu cabelo para frente igual fez comigo e começo a esfregar suas costas. — Espero que isso não prejudique seu rendimento nas aulas.

— Não vai.

Termino e vou para de baixo da água. Momo e Nana estão ao meu lado, tirando o sabão de suas peles.

Deixo que Joy use primeiro o sabonete e fecho os olhos sentindo a água escorrer por meu corpo. Fico assim por algum tempo até ela aparecer com o sabonete em mãos e o entregar para mim.

— Quer que eu lave seu cabelo? — Gain pergunta, segurando o shampoo. Respondo que sim e logo suas pequenas mãos estão em meu cabelo.

Desde que nos conhecemos e nos tornamos amigas somos assim. Não é um costume que alguma delas lave meu cabelo, porém quando não me sinto bem ou quero apenas ser mimada um pouco, peço para que uma delas o faça.

Sinto a água cair por meu rosto e gosto dessa sensação. Imagino como seria tomar um banho de chuva e se teria a mesma sensação que tomar um simples banho.

"Bons sonhos, Yerim"

A voz macia de Jin surge em minha mente. Sei que meu rosto se torna rosado pela lembrança e abro os olhos, saindo de baixo da água e olhando as outras garotas para ver se alguém conseguiu ler minha mente. Não que isso fosse possível, mas só de pensar que alguma delas poderia ter presenciado aquela cena...

Quão perigoso foi nosso encontro!? E se alguém tivesse nos pego ali? Mesmo que nada tivesse acontecido, não importaria para a diretora do colégio. Ainda seria um contato proibido. Ela não me escutaria e tanto eu quanto Jin seríamos punidos.

Jiyoon ao meu lado reclama com Momo da água que cai em pouca quantidade onde está. A conversa delas me tira a concentração no que pensava. Balanço a cabeça e volto para baixo da água.

~*~

O banho não demorou muito. — até porque garotas do segundo grupo já estavam batendo na porta.

Já em nosso quarto, decidi por deixar o cabelo molhado, pois todas — com exceção de Wendy que se encontra largada na cama — lavaram o cabelo, e se era difícil conseguir um shampoo bom, usar o secador de cabelo era ainda mais difícil. Principalmente quando só havia dez deles.

Por sorte Gain conseguiu se tornar a próxima a usá-lo por conta de Sandara, que veio até o nosso quarto perguntando se alguém precisava secar o cabelo.

Quando indaguei como ela conseguiu ser uma das primeiras a usar aquele secador — branco reluzente e um dos melhores entre os dez — ela apenas respondeu que tinha os contatos dela — seja lá o que isso significa — e riu. Decidi por deixar para lá e logo as meninas estão indo para o quarto de Sandara.

Contudo, antes que eu as acompanhasse, fui até a minha parte no armário do quarto. Precisava ter a garantia de que aquilo havia mesmo ocorrido.

Ali, escondido de baixo de algumas roupas está o casaco de Jin, uma prova de que a nossa conversa aconteceu e que não estou enlouquecendo.

— Yerim, não vai vir? — fecho a porta do armário o mais rápido que consigo e a abro um sorriso para Joy que possui metade do corpo dentro do quarto.

— Já estou indo — respondo, me afastando do armário e tirando o rapaz loiro dos meus pensamentos.

Se alguém desconfiasse de qualquer coisa seria o nosso fim.

E eu certamente não gostaria de por um final em algo que acabou de começar.