A governanta

Capítulo 06


Naquela noite, um sonho.

Não recordo o ano claramente, entretanto era Halloween. A música pop e o cenário dark transitando entre laranja e preto era enfeitado por falsos insetos, morcegos e alimentos avermelhados, transformando assim, o costumeiro ginásio escolar. Embora não fosse costume no Brasil, nosso colégio realizava diferentes festas visando motivos para conseguir dinheiro extra.

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Investindo na divulgação, grande parte dos alunos era contaminada pela empolgação dos corredores, passando dias planejando acerca o grande evento como se realmente fosse algo importante.

Eu não costumava comparecer no baile de natal, São João ou carnaval, contudo era Halloween. Pela primeira vez, festejado na minha instituição, pois não estava no cronograma das festas tradicionais, apesar disso quimérico para adolescentes.

Os papéis laminados abóbora lembravam fogueiras e bruxas cantando maldições. O vento gelado e aqueles falsos fantasmas sustentados por oxigênio transmitiam estranhos calafrios. Não sei como quantificar em palavras, mas a ideia do submundo balançava meu subconsciente de modo ordinário. Deste modo, eu me esforcei para comparecer.

Meu pai concedeu certo auxílio, além da minha mesada, para que eu comprasse a fantasia. Nas lojas, vestimentas infantis e femininas preenchiam as prateleiras, sem nada tão interessante e com preço acessível para um depressivo garoto de 14 anos como eu. Terminei comprando uma inspirada num psicopata americano, algo fácil de usar, somente para não destoar à tradição.

Eu conversava com meus amigos próximos, na realidade, retribuía sorrisos, pois nunca detinha assuntos interessantes ou uma boa oratória. Engraçado, eu costumava ficar nervoso até em olhar nos olhos de outra pessoa, desviando frequentemente como se houvesse cometido um crime e temesse ser descoberto. Dois garotos começaram a namorar e seis tinham encontros marcados após o término da festa, compartilhando histórias e previsões alternadas entre goles do misterioso suco batizado.

— Jorge, você é tão fracassado. – Caçoou o astucioso rapaz de aparência canalha e papo convincente, o qual constantemente estava acompanhado por alguma garota orgulhosa. Passando o braço em volta do meu ombro, forçando a intimidade, guiava-me a observar a solitária garota dançando sozinha na pista. Mantinha os olhos fechados... Uma bruxa deslumbrante. - Precisa chegar na Rafaela do primeiro ano ou continuará um merda na vida adulta também.

— Ela está dançando... – Arrisquei, equilibrando minha bebida que, pela surpresa, quase derramava.

— Não. Ela está aguardando o corajoso psico...

— Certo... – Confirmei, afastando o peso alheio e baixando minha máscara. Ele ficou sorrindo como se apostasse com os demais sobre minha inexistente coragem. Eu olhei para trás, e todos aparentavam me apoiar, embora não existisse mínima autoconfiança me induzindo a prosseguir.

Respirando fundo, olhei para frente. Qual seria o problema? Ela não saberia minha identidade por trás da máscara assassina. Alguns passos e... Eu não tive coragem. Eles ficaram rindo e eu retornei para preencher meu copo quase vazio. Como eu era tão covarde? Aliás, ainda arrisco que sou, ou melhor, tenho certeza.

Um vaporoso toque de unhas arranhava meu pescoço lentamente adentrando entre os cabelos da nuca, aquecendo minha alma em calafrios. Imediatamente, virei-me sorrindo, deduzindo ser outra brincadeira, mas eu não conhecia o elegante vampiro ensanguentado, cuja parte superior da face permanecia oculta por uma veneziana máscara arlequim. Ele retribuiu minha singela alegria, demonstrando as pequenas presas levemente ensanguentadas como o interior da boca, aquilo escorrendo pela camisa social branca.

— Seu sangue aparenta apetitoso. – Aproximando-se do meu ouvido, comentava visivelmente me aliciando. - Por isto, sinto-me convidado a cravar minhas presas nesta macia pele?

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— Você... – Dando um passo para trás, sem graça, empurrei o desconhecido como se pedisse “Pare!”. Obedecendo, este se afastou, retirando a máscara e revelando Eduardo mais pálido que o cotidiano. Fiquei impressionado, pois ele havia passado toda semana arquitetando outro plano e argumentando como festas escolares eram grosseiras e fastidiosas. Aproximando-se do seu ouvido, perguntei alto, pois era quase impossível conversar diante o intenso som da nova música que começava. – O que faz aqui?

Segurando-me pelo punho, puxou-me para trás da arquibancada, um local vazio e acobertado por sombras. Compartilhamos o mesmo branco banco de azulejos, onde o zelador descansava após recolher as faixas e bandeiras, arremessadas pela torcida, quando o time perdia. Algo frequente, naqueles tempos. Nossa escola não detinha nenhuma equipe digna para campeonato regional.

Sentando-se ao meu lado, recostou a cabeça no meu ombro, talvez procurando conforto ou sei lá. Levantando-se, recolheu o copo avermelhado da minha mão, ingerindo sem pedir permissão. Eduardo... Eu até me divertia com aquela impulsividade. Levemente contente pela sua presença, ele jamais questionou acerca relacionamentos ou me empurrou no caminho considerado correto pela sociedade.

Todavia, eu compreendia claramente como precisava de uma namorada. Levantando minha máscara, permitindo que permanecesse estacionada acima da testa, questionei angustiado:

— Você não deveria procurar uma namorada, Eduardo?

— Como assim?

— Sabe... Nem tanto pelo sexo ou beijos quentes... Talvez por isto, principalmente, mas por uma companhia interessante também...

— Esta bebida tinha álcool. Sua mãe vai ficar enfurecida pelo cheiro. – Trocou de assunto, encarando o fundo do copo, ignorando-me. Eu abominava tal comportamento. Será que Rafaela também agiria assim? Por que eu ficava tão nervoso com apenas um medíocre “oi”? – O que Vínicius falou para você?

— Você estava me observando? – Assustei-me. Como me reconheceria dentre tantos, se não avisei como iria? Ele assentiu tendo uma expressão de “óbvio”, considerando algo natural e exigindo a explicação. Eu mordi a ponta direita do lábio inferior, revirando os olhos e cedendo ao seu interesse. – Ele disse que talvez fosse legal que eu falasse com a Rafaela. Parece que todo mundo ta namorando ou tem alguém que gosta... Eu acho que gosto da Rafaela, mas eu não tenho... Aquela coragem de chegar e comentar sobre... Isto é tão idiota. – Desta vez, ele permanecia em silêncio, escutando-me atentamente semelhante aos cautelosos psicanalistas. – Aliás, eu sou o idiota... Eu nunca vou beijar ninguém.

— E você treme quando fala com uma garota. – Gargalhou, embora notasse meu mau humor, não ligava. Fitando meu resplandecente sapato negro, abaixei a cabeça quase chorando diante tamanha vergonha.

— Um dia, eu terei que casar e ter crianças como minha mãe disse: “Você deve se casar pelo sucesso da família”... – Comentei timidamente quase por um sussurro. Engraçado que o importuno riso findou junto à calma música que começava. – Mas... Eu... Eu só queria amar alguém...

Ele coçou a nuca sem graça, suponho que o incomodava. Minhas depressões eram azucrinantes. Eu me sentia péssimo. Outra vez, Eduardo havia vencido, pois aquele local era verdadeiramente extenuante. O silêncio permaneceu entre nós dois, permitindo escutar a calma letra daquela música romântica. Por que todo mundo insistia naquele assunto para acrescer meu sofrimento? Eu só tinha 14 anos... Eu já tinha 14 anos. Droga!

Reposicionando a máscara sobre os olhos, ele chamou meu nome baixinho. Quando eu virei, ele capturou meu queixo entre o trêmulo indicador e polegar, depositando um beijo sobre meus lábios despreparados. Minha alma despreparada. COMO ASSIM?

Eu me sentia como um vulcão em erupção pela quantidade de sangue se concentrando em minha cabeça diante tamanha vergonha. Ele respirava rapidamente, temendo minha reação. Entretanto, eu também permanecia desacreditado para comunicar qualquer coisa. Assumindo a primeira palavra, ele explicou:

— Não foi tão difícil, não acha?

Eu maleei a cabeça em negativo, encarando a máscara incrivelmente... Não havia formulado uma reação e... Eduardo continuou receoso e extremamente sem graça:

— Quando... Quando éramos pequenos, eu acho, era difícil andar de bicicleta... Contudo, hoje, eu acho, não temos tanto medo e equilibramos com facilidade...

— Eduardo... – Eu gostaria de pedir uma explicação, no entanto, COMO FARIA ISTO? Meus assinalados lábios pelo sabor de sangue artificial aparentavam ter perdido a capacidade de formular argumentos ou interrogações. – Eu... Eu não sei andar de bicicleta.

— Você é realmente inútil, Jorge. – Pontuou descrente. Desta vez, ambos sorrimos em decorrência daquele impaciente nervosismo instalado entre nós. Novamente, meu amigo coçou a nuca, tendo olhos vacilantes sobre como prosseguir. – Sabe... É tipo um ensaio. Vamos... Ambos, eu e você, vamos ensaiar. Amigos são para estas coisas, não?

— Somos homens, Eduardo.

— Então... Por isto mesmo. Não será como um namoro ou algum relacionamento do tipo... Apenas ensaio... Para... Para que possamos aprimorar o que assistimos na TV e tal.

— Um ensaio...? – Respirei fundo, buscando inexistente coragem no subconsciente da minha alma.

— Sim, Jorge! Vários garotos fazem isto... Mas... Será nosso segredo para que... Para que as garotas não sorriam... Meu pai... Sim, meu pai me contou que isto era um segredo do mundo masculino.

— Eu também não quero contar para os outros garotos. – Admiti, mesmo não tendo consciência sobre o que realmente queria. Mas... Um ensaio... Quando ensaio, eu consigo cantar melhor no coral durante o domingo.

Ele capturou minhas gélidas mãos, trazendo para altura dos nossos corações. Assim, pontuou convicto:

— Sim. Este será um segredo apenas nosso.

Puxei minhas mãos suadas e acanhadas, abaixando minha máscara também para disfarçar aquela inquietação insuportável. Eduardo me ensinou a nadar, misturar pimenta para não arder com a carne e geografia. Mas... Aquilo? Eu o observei de esguelha e aparentava tão temeroso quanto a mim. Concordando apreensivo, eu fechei os olhos e solicitei:

— Outra vez?

— Como queira. – Forçou um sorriso singelo, logo atendendo minha solicitação. Levantando minha máscara um pouco, permitiu que nossos lábios se unissem novamente, cessando entre respirações descompassadas e alguns sorrisos diante ao surrealismo dos fatos.

Eu despertei próximo às três da manhã, descendo até a geladeira e ingerindo água gelada o bastante para congelar as tolas recordações. Passar o dia treinando sobre como meu amigo não me reconhecer, realmente... Prosseguir com aquela loucura... Não seria melhor apenas si eu comparecesse em sua residência, exigindo-lhe explicações? Descrente, percebi, ou melhor, aceitei que nada era como antes, pois nem mesmo o número do celular daquela pessoa, eu detinha.

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Retornando para cama, recolhi o celular e coloquei os fones de ouvidos objetivando que a música não permitisse meu cérebro recordar aquele tempo irreal e abstrato. Eu ainda sentia... Não...! Não, mente. Fechando os olhos, desta vez, a escuridão me proporcionou o merecido descanso.