A Lenda dos Sete

Orelhas Pontudas


Acreditem, quando disse que era uma tempestade, era "A" tempestade. Mark ainda não tinha visto, obviamente, por estar no andar de baixo, e mesmo Anne havia feito pouco caso do enorme amontoado de nuvens escuras no horizonte. Mark e Frey estavam conversando animadamente com o taverneiro, que servia cervejas em seu balcão com uma destreza nunca antes vista. Enchia vários copos praticamente ao mesmo tempo, sem derramar uma única gota! Damon estava no canto mais afastado da porta, os pés sobre a mesa à sua frente enquanto o rosto, ocasionalmente, se virava suavemente para as duas direções, analisando as pessoas presentes no local. O capuz de sua capa de viagem criava uma sombra profunda sobre seu rosto, ocultando seus olhos para que seus alvos nunca percebessem o fato de ele estar fitando-os.

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Mark sabia que havia algo de estranho no mercenário, mas parando pra pensar melhor, quem ali era normal? Seus lábios se curvaram suavemente quando um sorriso irônico se abriu, iluminando suas belíssimas feições élficas. Bem, o que posso dizer sobre Mark é que, assim como a tempestade, eu não estou exagerando sobre sua aparência. Ele era realmente bonito. Os traços de seu rosto eram finos, tendo olhos tão claros e intensos que faziam você desviar o seu olhar imediatamente. Nunca soube diferenciar se eram azuis ou cinzas, era realmente difícil, mas isso não é tão importante, é? Para um elfo, sua constituição física era impressionante. Trajava uma armadura que dentre todos os que haviam se reunido até então, apenas Frey conseguiria usar. Uma enorme cabeça de leão estava presente no peitoral de forma ameaçadora, até mesmo bela. Uma bainha curva pendia de sua cintura, quase tocando o chão. Não havia revelado sua lâmina até então, mas não era nem um pouco parecida com a que os guardas usavam nas cidades em que se encontravam; era uma espada élfica, afinal.

— Ei, cara! Tô falando contigo! — Frey olhava para ele com a testa franzida. Mark piscou, voltando ao mundo real. Havia se aprofundado demais em seus pensamentos sobre os mais recentes companheiros e nem percebera que o rapaz havia falado algo. — Você não vai comer?

— Ah, não, desculpe. — Abriu um enorme sorriso de desculpas, sem jeito pela recusa. — Frey, acho melhor subirmos. Pelo visto, a garota ficará sozinha no quarto, e não tiro a razão dela. Isso faz com que o outro quarto fique... bem, para os homens. Há uma cama, deixemos ela para o garoto, é uma criança e precisa mais de conforto do que nós. Não sei se Damon ficará conosco, mas suponho que você não se afastará de seu irmão, não é? — o outro acenou com a cabeça, confirmando a teoria de Mark. — Eu não sei ainda o que farei, mas no momento, independente de ficarmos aqui ou não, precisamos subir para conversar sobre o maldito sonho que todos nós tivemos.

Frey concordou e foi até Pete para levá-lo ao quarto. Subiram as escadarias e as tábuas rangeram suavemente acima da cabeça do elfo, indicando que eles já estavam lá em cima. Mark se levantou e abriu a boca para chamar Damon, que ergueu a mão indicando que não precisaria dizer nada. Seu olhar falava por ele: havia escutado toda a conversa, era melhor que subissem sem dizer nada para não levantar nenhum tipo de suspeita. Ele é mais astuto do que eu pensava que fosse, refletiu. Acenou com a cabeça para que ele fosse na frente, seguindo-o assim que sumiu pelo corredor dos quartos.

Quando todos se encontraram reunidos, trancou a porta atrás de si e jogou a chave em cima da cama. O mercenário se encostou na parede, baixando o capuz. Seus cabelos cor-de-areia balançaram suavemente com o vento que entrava pelas janelas escancaradas, trazido pela tempestade que avançava furiosamente rumo à cidade. Frey sentou-se na cama, Pete estava ao seu lado. Suas perninhas balançavam sem tocar o chão e... — Não, ele não era tão pequeno assim, seu insolente. A cama que era grande! Bem... — Sem tocar o ch-... — Moleque, eu não vou nem te dizer o que é pequeno aqui! Cala a maldita boca e escuta a história! — Sem tocar o maldito chão e mantinha-se encostado no braço do irmão.

— Bem... — Mark começou, permanecendo no meio da sala. Queria a atenção de todos eles, e conseguiu. — Preciso que me contem exatamente o que aconteceu no sonho de vocês. O garoto deve escutar, na minha opinião, pois agora não há mais volta. Ele deve saber no que estamos nos metendo, nada pode ser tão justo quanto isso, concordam? — Frey pareceu desconfortável, mas assentiu com a cabeça, mesmo que de má vontade. Damon foi o primeiro a falar depois do elfo.

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— Nossos sonhos foram iguais. — Afirmou, sem rodeios. — Eu sei disso, não me questionem. Nossos sonhos foram os mesmos, uma caminhada por Sarkon e depois o encontro com... bem, um encontro com eles. Tocaram nossas testas e uma sequência de imagens explodiu, mostrando cada um de nós. Outra coisa que posso adiantar: não foram imagens atuais. Alguns tiveram momentos do passado revelados, e isso é interessante porque o da ruiva-mandona foi o que teve elementos mais curiosos. Ela estava fugindo de criaturas nunca antes vistas neste lado de Mythria, ou seja, eram de Sarkon. O que ela estaria fazendo em Sarkon, ainda por cima, fisicamente? Mulheres não foram à guerra, pelo menos, não que eu saiba. Que motivos haveria para uma garota indefesa estar no campo de batalha mais violento da história da humanidade? — Ergueu as mãos, revelando que não havia nenhuma resposta plausível para isso. Já havia analisado todas.

— Eu concordo com ele. — Mark se pronunciou. — O meu sonho foi exatamente igual e sendo assim, deduzo que o seu também tenha sido, Frey. Posso adiantar rapidamente que Sarkon não está vazia. Assim como ele disse, há criaturas que nunca vimos neste lado do mundo, simplesmente porque elas não se fortaleceram o suficiente pra passar pela fronteira que divide os dois reinos. Digo isso porque estive do outro lado da história, lutando ao lado de todos aqueles que desembainharam suas lâminas para combater o mal que se aproxima de nossas famílias. Eu estava lá quando o Rei Nythriel convocou-nos para ajudar os humanos, assim como fizeram os anões. Não foi nada bonito de se ver, isso eu posso garantir, e no fim das contas, esse sonho só mostrou o resultado de tamanha carnificina: uma derrota dolorosa. Não conseguimos conter o que havia lá, e se não nos movermos, não haverá mais lugar para pessoas nesse mundo.

— Sim, eu concordo que devemos fazer algo imediatamente, mas como isso seria possível? Somos apenas mortais, e eles são coisas que fogem da nossa compreensão. Meu pai morreu na Batalha de Sarkon, e isso ocasionou na morte de minha mãe também. Relatos falavam em todo o tipo de monstros nas terras sombrias, inclusive, aqueles que obrigaram os guerreiros que nos defendiam para casa: dragões. Vou dizer novamente: somos mortais, nosso poder é mais do que limitado. Contra um réptil colossal e alado que pode fazer chamas jorrarem de sua boca, o que poderíamos fazer?

— Você tocou no ponto principal desta história, Frey. Somos mortais, e é exatamente por isso que podemos com eles. — Mark olhou para ele, seus olhos estavam repletos de empolgação, coragem, determinação. — Aqueles que não tem a morte como seu fim tendem a não dar tudo de si em suas batalhas, ao contrário de nós, mortais. Pelo menos, da minha parte, vocês não devem duvidar disso: até que eu dê meu último suspiro, a lâmina que carrego comigo não sairá de minhas mãos, e até que último dos adversários caia perante mim, eu não morrerei!

Balançava os punhos no ar, cerrados, firmes. Seu discurso fervoroso havia provocado o inesperado: um sorriso confiante no canto dos lábios de Damon. O mercenário pegou a chave em cima da cama e destrancou a porta, virando-se para seus companheiros e dizendo:

— Encontrarei um lugar para dormir, afinal, ficar em um quarto com mais três homens não é bem o meu estilo. Até amanhã, tentem não morrer enquanto contam carneiros.

— Filho da... — Frey murmurou, balançando negativamente a cabeça. Pete já estava dormindo quando Damon saiu, ainda encostado no braço de seu irmão. Colocou-o deitado na cama e sentou-se de costas para a parede, permitindo-se fechar os olhos para tentar descansar antes que o sol surgisse entre as tábuas que mantinham a taverna de pé. — Eu vou dormir, se sair do quarto, deixe a chave, por favor.

Mark fez um breve aceno de cabeça e também se retirou, assim como o mercenário. Sua armadura tilintou levemente quando atravessou o corredor à passos largos. Suas enormes e pontiagudas orelhas élficas jaziam atentas à qualquer tipo de barulho, ao passo que seus olhos percorriam todo o local, prontos para lhe fornecer o tempo de reação perfeito para qualquer tipo de ameaça. Não havia como negar, o elfo era um guerreiro nato. — Eu não estou puxando saco dele, garota! Se você visse um homem forte perambulando por aí, não diria que ele é apenas um homem forte, ora essa... — Não havia ninguém na taverna, então, não houve problemas na hora de deixá-la.

Girou a maçaneta da porta destrancada e seguiu para fora, aproveitando o vento furioso que a tempestade próxima lançava sobre a noite úmida e iluminada da cidade. Não havia construções altas, o que possibilitava uma vista perfeita para a lua que uma centena de sombras para todos os lados. Respirou fundo e pôs-se a andar. Mark sabia que as nuvens escuras e os raios que se aproximavam não eram apenas uma tormenta, era um presságio, só não sabia dizer de que.

Seus dedos envolveram o punho da espada que pendia solenemente na bainha em sua cintura. Era hora de se preparar para o inevitável.