Ponta Tempestade

Karin Estermont subiu os degraus devagar e cuidadosamente a escadaria em caracol que levava a ala dos dormitórios reais, tentando não pensar que aquela podia ser a última vez que seguia aquele caminho. Porém, era a primeira vez que iria sem a companhia da princesa para aquela ala e seria ainda pior visitar seu quarto após o que aconteceu.

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Ela procurava se manter com uma postura forte e corajosa, como uma dama nascida nas Terras da Tempestade tinha de ser. Até porque não havia porque temer, afinal era apenas um quarto o qual já estivera várias vezes desde que pusera seus pés ali em Ponta Tempestade.

Recordando-se inclusive das noites em que Reyna lhe convidara para dividir sua cama. Ambas dormiriam juntas lado a lado, não sem antes passarem algum tempo acordadas cochichando segredos em meio à escuridão noturna. Ambas eram companheiras uma da outra, ajudando-se mutuamente em não se sentirem solitárias naquele castelo enorme.

Ainda assim, Karin sentia-se mal por ter de entrar naquele lugar que agora pareceria tão vazio sem ela. Uma melancolia profunda que caia sobre Ponta Tempestade como a garoa fina das manhãs. A dama de companhia via-se agora tendo de servir a Rainha Eylinor Morrigen, porém nunca seria da mesma maneira. Era uma convivência diferente da que ela possuía com a princesa.

Agora havia sido enviada em uma missão dada pela Rainha Eylinor naquela manhã, após servi-la de vinho pós-dejejum. Karin Estermont deveria buscar um objeto importante para que fosse depositado nas mãos frias do cadáver de Reyna. Algo que fosse de alta estima da princesa em vida, sendo assim Karin havia pensado na harpa.

Uma harpa de tamanho mediano feito de madeira de represeiro que havia pertencido a sua amiga. Era linda, branca como se fosse feita de marfim e com entalhes e ornamentações. O instrumento musical que ela sabia tão habilmente em tocar durante as manhãs.

Esperava que não fosse considerado um roubo, pensou no momento em que havia decido. É um mau agouro roubar dos mortos, porém ela apenas a estaria devolvendo para a verdadeira dona para que ela pudesse tocá-la no sétimo paraíso.

Chegou ao patamar e ficou ali por um longo momento, com medo. Era como se ecos de lembranças viessem aos seus ouvidos, àqueles risinhos tão convidativos de momentos felizes ou mesmo o som da harpa sendo tocada. A melodia fantasma deixada por memórias sonoras de um passado recente.

Ela avançou então em direção da porta com firmeza. Até porque sabia que fantasmas não existiam e mesmo se fossem reais, ela duvidava que Reyna Durrandon fosse fazer qualquer coisa ruim contra sua amiga tão próxima. Afinal, ela havia sido confidentes uma da outra por anos desde que a outra princesa havia sido enviada para o Jardim de Cima.

“A vida me afastou de uma irmã de sangue, mas me trouxe outra que vou levar da mesma maneira no coração.” Recordou-se das palavras de Reyna Durrandon durante o primeiro dia de seu nome em que passara longe de Pedraverde.

Ela abriu a porta do quarto e viu que tudo permanecia intocado. Era como se a qualquer momento, Reyna fosse adentrar ali para terminar o bordado que havia iniciado ou continuar a leitura do livro que havia trazido da biblioteca real.

Haviam se passado tantos dias, ainda assim ninguém havia adentrado no dormitório, que permaneceu como uma espécie de altar póstumo para sua antiga ocupante. Provavelmente, em sinal de respeito e pelo luto que havia se acometido no castelo.

Ela encarou a pintura feita a óleo sobre a lareira do quarto, nela Reyna Durrandon havia sido retratada em seu mais belo vestido e encontrava-se sentada ao lado de suas irmãs. Ambas haviam sido retratadas sentadas abaixo de uma árvore. Myra e Shireen, ambas com belezas distintas e notáveis só que pareciam se apagar frente à beleza natural da mais velha. Que a Estermont teve que admitir, o pintor não havia feito muito jus a nenhuma das três. Porém, mesmo ali, Reyna sorria timidamente enquanto dedilhava sua harpa.

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Por quê? Perguntou Karin, porém dessa vez encarando a figura de tinta da princesa. - Por você foi embora e me deixou sozinha de novo? – Ela ficou em silêncio por alguns momentos, porém em seguida soltou um suspiro infeliz.

Karin desviou o olhar novamente, dessa vez passando a mão sobre o conjunto de chá que geralmente bebiam juntas nas tardes frias e chuvosas. A lembrança da última vez que compartilharam uma xicara uma com a outra lhe veio à mente, Reyna já se encontrava acamada e doente por conta de sua tristeza.

— Você não confiou em mim para me dizer os seus planos - Afirmou Karin em um sussurro para aquela lembrança. - Talvez porque sabia que eu não iria concordar e tentaria tirá-los de sua cabeça. Estou certa, não estou? Foi por isto, que não deixou que eu dormisse ao seu lado? Eu estive ao seu lado e... Você não ia mudar de opinião. – Ela sorriu tristemente – Você dificilmente voltava para trás, não é mesmo? Você é teimosa, mesmo no seu fim. Como se tivesse que provar sempre para si mesma alguma coisa.

Ela seguira para próximo da cadeira onde se encontrava depositada a harpa de represeiro e a pegou em mãos. Parecia agora um objeto frio e sem graça, por mais ornamentado que fosse não era como se o que tivesse algo de especial. Provavelmente, porque sua harpista era a responsável por torna-lo assim.

Karin estava de saída quando passou ao lado da saída que dava para a sacada do quarto, um calafrio lhe percorreu a espinha ao notar uma sombra que se projetava para o interior do quarto junto com os raios de sol. Ela sentiu o seu coração pulsar mais do que o normal, por alguns momentos o nome de sua amiga começou a se formar em seus lábios para serem ditos. Porém, sairá um murmúrio fraco e inaudível.

Por fim, aproximou-se com cuidado da saída sacada e viu ali alguém que não esperava encontrar. O próprio Rei Dorian Durrrandon, o Senhor das Terras da Tempestade e do Mar Estreito. Ele parece ter notado sua presença, porém não se virou para encará-la, em seu lugar encarava o horizonte e o céu límpido e o dia ensolarado.

Seria fácil dar meia volta e ignorar que estiveram ali naquele mesmo espaço juntos, porém Karin fizera o oposto. Depositou a harpa sobre a cama impecavelmente arrumada e deu alguns passos em direção da sacada. Por alguns momentos, sentiu seus olhos ardendo por conta da luz do sol.

— Eu não sabia que o senhor encontrava-se aqui, vossa graça. – disse Karin ao regente – Desculpe-me por ter entrado no quarto da princesa sem me anunciar. A rainha pediu que eu viesse buscar a harpa de Reyna e que a leva-se para o septo. – Por alguma razão, ela decidira se justificar mesmo sem receber nenhum questionamento e sentiu-se um pouco boba consigo mesma, porém parecia o certo a ser feito. - Perdoe-me, vossa graça.

— Ponta Tempestade é um dos mais fortes castelos do ocidente. – contou o Rei Dorian ignorando as palavras da dama de companhia. E os dizeres fazia com que a garota sentisse como se os seus pensamentos estivessem soando de algum lugar distante. O rei falava, mas era como se não fosse para alguém que estava ali.

— O castelo é cercado por enormes muralhas – continuou Rei Dorian, então apontou para as intermediações marcadas por torres de vigia interligadas por ameias - Equivalente a trinta metros de altura por doze metros de espessura em seu lado mais fino e quase o dobro disto nas partes mais grossas.

Ela aproximou-se da sacada e fez menção de colocar as mãos sobre a barreira de proteção, porém parou. Era muito alto e a visão dali era aterrorizante, sem falar que os sons das ondas do mar já lhe causavam muito desconforto. Voltou então seu olhar para o Rei Dorian e para as suas palavras.

— São duras paredes de pedra, sendo o espaço entre elas preenchido com areia e escombros. – continuou Rei Dorian - A parede é lisa e curvada, com as pedras tão bem encaixadas que não há nenhuma brecha para o vento possa derrubá-las. Tendo sido feita para resistir as piores tempestades.

Ele era um homem bonito apesar da idade, seus cabelos ainda mantinham-se negros e longos descendo até a altura dos ombros em uma cascata escura e levemente cacheada. Seu rosto estava emoldurado cuidadosamente por uma barba bem aparatada.

Rei Dorian Durrandon possuía os olhos castanhos como a casca dos carvalhos, tão presentes na região. Um homem alto e de postura imponente, porém sua voz soava calma e distante apesar de ainda trazer a mesma tonalidade rouca e bem colocada. O Rei da Tempestade era um homem polido e conhecido por falar imponente em seus discursos, mas ali seu tom de voz era mais bem colocado e soava quase em um sussurro.

— No lado voltado para o mar, há uma queda de quase cinquenta metros até as águas da Baia dos Naufrágios. – continuou Rei Dorian – E então temos o Mar Estreito. Eu pergunto-me, se ela sofreu muito com queda. Se ela morreu rapidamente ou se chegou a afogar e se sim... Se ela teve medo em seus momentos finais. Karin não sabia o que dizer frente aquelas palavras tão morbidamente sombrias

— Pai nenhum quer ver os filhos sofrendo, porém existem certas situações em que não podemos protegê-los. - continuou Rei Dorian - Eu achei que minha filha estaria mais segura atrás desses muros e falhei amargamente. Não é certo um pai ter que enterrar os filhos.

— Sim, não é o certo. – respondeu Karin muito insegura se deveria dizer algo ou se deveria continuar ouvindo-o então optou pela primeira opção. – O senhor tem razão, vossa graça.

— Leve a harpa até o septo – disse Rei Dorian parecendo voltar a focar o seu olhar para o presente e para a jovem que estava ao seu lado. Porém, Karin permaneceu em silêncio sem se mover. – Não é isso que veio buscar aqui, menina? Por favor, cumpra a ordem que lhe foi dada pela senhora minha esposa. E me deixe sozinho também. Eu tirei esses momentos para pensar e quero faze-lhe em paz.

— Sim, vossa graça. Imediatamente, desculpe-me o incomodo mais uma vez. – respondeu Karin fazendo uma reverência. – E não precisa se preocupar, que eu não vou informar a ninguém que o encontrei aqui. Respeitarei a vossa necessidade de estar só. – E fazendo uma segunda reverência, tornou a ingressar no quarto.

— Obrigado, Lady Karin. Eu lhe sou grato. – respondeu Rei Dorian e por algum momento a jovem ficou um pouco atordoada ao perceber que este sabia o seu nome.

...

Lady Karin Estermont adentrou no septo real, passando pelos guardas de Ponta Tempestade que vigiavam a entrada do lugar sagrado. Ela cruzou o hall e seguiu para frente do altar central, em que havia sido depositado o corpo da princesa falecida.

A mortalha já cobrindo seu corpo até a altura da cintura, o tecido dourado caindo delicadamente como se feito de ouro e exibindo o cervo negro que era símbolo de seus antepassados. Karin aproximou-se de sua amiga e notou colocado ao seu lado uma figura grandiosa que trajava sua armadura completa com exceção do elmo, ela reconheceu a face de Príncipe Ian Durrandon.

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Ela sabia que o encontraria ali, porém não pode deixar de sentir-se corar levemente por estar em sua presença. O herdeiro de Ponta Tempestade, com seu rosto perfeitamente barbeado e sua covinha no queixo, além de suas sobrancelhas negras tão tem formadas. Uma beleza rustica, porém que ao mesmo tempo era agradável aos olhos. E sentiu-se culpada por passar alguns segundos admirando o príncipe, afinal estava em um local sagrado.

Ela pode ver que ele mantinha seu martelo de guerra depositado aos seus pés em posição de guarda. Karin então se aproximou do príncipe, enquanto tentava ignorar os pesados olhares esculpidos em rocha que a fitavam com os seus olhos vazios e pesados.

Encontrava-se ajoelhado como se orasse. E quando se aproximou dele, Lady Karin notou que ajoelhado diante dela ambos tinham a mesma altura. Ela fez uma pausa ao lado de Princesa Reyna e fitou seu rosto lívido, sobre seus olhos as pedras de cerimonia fúnebres. Ela colocou sua mão junto das dela, sentindo a pele dura e gélida.

— Você trouxe a harpa – falou Ian em um tom de voz muito baixo, porém foi o suficiente para fazê-la desviar o olhar na direção dele. E mais do que rapidamente tirou a mão de cima das de Reyna. – Bom, minha irmã amava essa harpa.

— Sim, eu sabia disto. – disse Lady Karin – Ela quis me ensinar a tocá-la, porém eu nunca tive muito talento para a prática. Uma pena, nós duas poderíamos formar uma dupla magnifica juntas. Achei que deveria ser um presente cerimonial digno, porém eu não tinha certeza se sua família fosse permitir. Talvez quisessem guardar de recordação ou passa-la para a mais nova como uma lembrança da irmã. Mas eu perguntei a sua irmã, Shireen...

— E ela não quis – falou Ian compreendendo – Não estou surpreso, seria doloroso lembrar-se de Reyna sempre que tocasse suas cordas. A harpa branca deve ser enterrada com a minha irmã. Isso a faria feliz.

— Sim, ela ficaria mesmo. Reyna amava músicas e canções... – respondeu Karin - Eu adorava escutá-la entoando as notas em seu quarto ou no pátio de Ponta Tempestade. Sentirei sua falta.

— Eu não gosto de música – respondeu Ian em um sussurro discreto – Eu nunca fui um apreciador de sons muito altos. Lembro que quanto Reyna iniciou, ela era horrível e o som era tenebroso ao ponto de fazerem os cães ladrarem. Mas ela melhorou com a prática, mas ainda assim... Eu nunca gostei de música. Ela sempre quis que eu dançasse com ela nas festas, mas eu nunca aceitei.

— Por que? – questionou Karin então o vendo seus olhos a encarando. Ela desviou o olhar daqueles pesados olhos azuis, ela teve a dignidade de não encará-los por muito tempo. – Desculpe-me, eu não deveria questioná-lo dessa maneira. Desculpe-me, vossa alteza.

Ela tornou encará-lo segundos depois, ele já não mais a encarava. Porém ainda pode notar as pesadas olheiras que tinham se formado debaixo dos olhos do príncipe. Ele pareceu não se importar com sua curiosidade momentânea.

— Eu não sou bom dançando – disse Ian – Sou desajeitado e tenho praticamente dois pés esquerdos para a dança. A razão pela qual eu tento passar despercebido nas festas de Ponta Tempestade, porém é inevitável o quão falho é isto. Mas mesmo assim, eu nunca dancei com nenhuma dama. Porém, eu prometi que iria dançar no dia do casamento dela, que seria meu presente pessoal e secreto. Que só nós dois saberíamos disso.

— Ela teria amado – disse Karin então depositando sua mão sobre o rosto do principe e lhe fazendo um carinho discreto. – Eu acho que você não tem do que se arrepender, vossa alteza. Sua irmã o amava e você a amou imensamente. Não tenha arrependimentos, porque cada momento que vocês passaram ao lado um do outro a fez feliz.

— Obrigado, Lady Karin. – disse Ian pegando a mão da dama de companhia que se encontrava em seu rosto e a levando aos lábios, ali depositando um singelo beijo. – Você acalenta o meu coração com as suas palavras gentis. Eu lhe agradeço.

— Não precisa me agradecer, vossa alteza. – disse Karin sentindo suas bochechas esquentarem e um calor lhe envolvendo por dentro. – Minhas palavras são verdadeiras.

— Eu sinto que aqui não seja o lugar adequado para isto – falou uma terceira voz que adentrava no hall do septo real. Ambos desviaram o olhar e Ian apressou-se em soltar sua mão enquanto a garota dava dois passos para trás. – Olá, meu irmão.

— Minha irmã – falou Ian dirigindo-se para Myra Durrandon e então dirigiu seu olhar para o rapaz de cabelos castanhos cacheados que vinha logo atrás dela. – Príncipe Florian, eu acredito que já tenha conhecido Lady Karin Estermont.

— Ela foi apresentada para nós assim que chegamos – disse Florian Gardener – Encantado em revê-la, Lady Karin. – A princesa também a cumprimentou com um aceno singelo e discreto.

— Creio que tenha sido responsável por trazer a harpa de minha irmã – disse Myra – Muito bem, sou bastante grata por atender ao pedido da minha mãe. Talvez ela até mesmo a mantenha por aqui depois das cerimonias, no lugar de enviá-la de volta para Pedraverde.

— Eu serei muito grata se ficar – respondeu Karin – Eu já me habituei a vida na corte.

— Estou vendo – falou Myra então lançando um olhar significativo para o irmão.

Karin fez de desentendida. Virando-se para a harpa que havia depositado sobre o altar, então voltando um olhar compadecido para sua amiga. Então desfez moveu os braços antes cruzados de Reyna com a ajuda de Myra, em seguida depositando a harpa branca sobre os seios da amiga e a sua cintura. Myra arrumou os braços da irmã, para que abraçasse o instrumento musical.

— Deixe-nos com ela, por favor. – pediu Myra entristecida – Precisamos de um momento sozinhos com a nossa irmã. – O príncipe herdeiro de Jardim de Cima tocou o ombro da sua prometida de maneira carinhosa, então desviando um olhar na direção de Karin e fazendo um sinal para que ela o acompanhasse para fora do septo real.

E ela obedeceu ao pedido, afastando-se do altar um ao lado do outro. Karin ficou tentada a olhar para trás, para uma última vez para o príncipe de Ponta Tempestade, porém não o fez. Se tivesse o feito, teria notado o olhar de Ian Durrandon a acompanhando até o momento em que ela cruzou as grandiosas portas de entrada.

...

Baia dos Naufrágios

Ellyn Tarth estava debruçada sobre a barragem que protegia a parte da proa do navio. O som das ondas batendo sobre o bombordo e deixando para trás vestígios de espuma marinha. Ela podia escutar as ordens do imediato para os marinheiros, brandindo a altos pulmões para que inçassem as velas a favor do vento oeste.

A jovem donzela pode sentir o próprio vento oeste soprando a favor deles, quando o capitão mudou a direção que o navio seguia ao virar o timão para em direção a limítrofe área de litorânea que já começavam a visualizar no horizonte. Estavam se aproximando da praia da Baia dos Naufrágios, logo mais estariam no ancoradouro e poderiam desembarcar.

Ela ajeitou os cabelos tentando manter o penteado, que por sua vez estava se desfazendo pelo vento. Suas madeixas louras pareciam dançar graciosamente ao favor daquela brisa marinha. A seu lado ao desviar o olhar da margem litorânea, podia ver o entalhe da carranca da embarcação, que representava uma ninfa marinha.

O entalhe em madeira maciça representava uma mulher de beleza já envelhecida por conta da exposição do tempo, ainda assim era bastante bonita com os seus olhos fechados e os cabelos soltos e enfeitados com estrelas do mar. Alguns poderiam confundir com uma sereia, mesmo Ellyn havia cometido aquele erro.

Seu irmãozinho havia corrigido lhe sobre o mal entendido, porém ela não se sentiu envergonhada pelo erro. Afinal, era a primeira vez que colocava seus pés em uma embarcação como aquela. Mesmo mais novo do que ela (com uma década a menos em sua idade), Bryce geralmente era levado em viagens pelo avô que o estava preparando para ser o próximo lorde de Ilha de Tarth em algum momento no futuro.

Segundo o próprio Lorde Eldryn, seu tempo para preparar o neto para assumir o senhorio de sua casa era bastante curto. Os deuses haviam sido cruéis com a Casa Tarth, com o pai de Ellyn tendo tido sua vida ceifada prematuramente devido ao desejo de sangue insaciável dos homens.

Um momento de devaneio ao pensar no pai, a mente de Ellyn Tarth vagou para a figura alta e imponente de seu pai. Um homem que por vezes a ergueu do chão e a colocava em seus ombros largos, era como se ela pudesse tocar as estrelas quando estivesse ali.

Fazia quase cinco anos desde sua morte e por vezes ainda pegava-se pensando nele. Ela gostava de pensar que ele estava ao lado de sua esposa e ambos olhavam pelos filhos que haviam deixado nesse mundo.

Sor Garlan Tarth, um herói caído durante a guerra contra o Vale de Arryn. Sacrificando-se a si mesmo para manter Rei Dorian em segurança. Deixando seus filhos órfãos por completo, como alguns anos antes sua esposa havia perecido no parto de Bryce. Os deuses tinham sido bons e piedosos, permitindo aos seus avós uma longevidade e saúde inabalável para que assim ela tivesse alguém para cuidar dela.

Finalmente ela havia saído daquela ilha depois de tanto tempo, tentava recordar-se da última vez em que estivera em Ponta Tempestade. Recordou-se que havia sido antes do nascimento de seu irmão, na verdade segundo sua mente lhe denunciava a razão pela qual havia posto os pés na corte da primeira vez, a razão era o nascimento e unção da Princesa Shireen Durrandon no Septo Real.

E agora, ela estava indo se despedir de outra princesa. Ela pegou-se brincando com seu colar com a estrela de sete pontas, deslizando o dedo sobre suas pontas, cada uma que representava as divindades a qual havia sido ensinada a adorar desde tenra idade. Um presente de sua mãe em seu leito de morte.

— Olha, Ellyn – chamou seu irmão colocando-se ao seu lado. – Ali, olha só... – Ele insistiu, puxando levemente e assim despertando de seu transe. – Temos companhia, outro navio vindo a estibordo.

— Estibordo? – perguntou Ellyn sem compreender então forçando sua mente para os termos marinhos que havia ouvido com tanta frequência naquelas últimas semanas. – Isso é a direita do navio?

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— É, a direita do navio. Vem, o vovô está com a luneta – respondeu Bryce enquanto ambos cruzavam o convés em direção do Lorde Eldryn Tarth, o Senhor de Ilha de Tarth.

Eles colocaram-se ao seu lado, fitando o avô que visualizava algo que se aproximava a distância. Mesmo sem o uso da luneta, Lady Ellyn conseguia visualizar o navio que se aproximava.

A embarcação possuía as suas velas verdes com algo que a adornava, mesmo sem poder decifrar sabia que tratava-se de uma tartaruga marinha. Afinal, aquele era o brasão de uma das casas nobres das Terras da Tempestade.

— Vovô, seriam os Estermont? – perguntou Ellyn curiosa, porém assumiu que estivesse certa. O homem voltou sua face para a donzela, fitando-a com seus olhos verdes acastanhados e sua barba loura grisalha.

Lorde Tarth já havia sido alto e esbelto em sua mocidade. Só que agora a velhice o havia feito encolher cerca de um palmo de altura e ganhado uma relevante circunferência ao redor do dorso. Porém, Ellyn via muito de seu pai já falecido no avô. Principalmente quando este lhe dava um sorriso.

— Veja você mesma, minha pequena. – respondeu Lorde Eldryn lhe estendendo a luneta a qual a jovem pegou delicadamente e colocou-a em seu olho esquerdo. Seu avô ajudou-a a se posicionar e lhe murmurou para onde apontar.

Ela identificou o navio que deslizava sobre o mar e pode identificar a tartaruga marinha entalhada na carranca da embarcação. Assim como em suas velas como o esperado do animal símbolo dos Estermont. Passou os olhos pela tripulação abordo, parando seu olhar sobre dois jovens que pareciam disputar uma luta de espadas.

Por um momento sobressaiu-se, imaginando um ataque ou mesmo um motim. Porém, identificou as vestes como sendo pertencentes da nobreza. Um rapaz jovem e uma garota mais nova, ambos de cabelos negros e pele pálida. E ambos fazendo a dança de espadas dentre si, cruzando e brandindo o aço um contra o outro. Sendo que aos seus olhos, ambos pareciam estar de igual para igual.

Lady Ellyn ficou por alguns momentos com a face espantada, porque uma dama não deveria ser educada nas artes da guerra. Onde já se viu, uma senhorita brandindo uma espada como um cavaleiro? E vestindo calças como um homem? Inadmissível e vergonhoso, porém já havia ouvido mexericos de criadas. As mulheres falavam que a filha mais nova de Lorde Estermont era um tanto excêntrica, por não interessar-se por coisas femininas.

Bastante indignada em ver aquela abominação, seu olhar se dirigiu para o jovem rapaz que brandia a espada contra sua irmã. Um rapaz bem aperfeiçoado em aparência, cabelos negros curtos e um queixo forte e quadrado. Sor Alden Estermont, em toda a sua vivacidade de vinte anos. Sim, ela se recordava do nome.

Ele lhe era mais familiar, por vezes o rapaz havia acompanhado o pai em visitas ao Solar do Entardecer. Recorda-se de sua cordialidade e da maneira como havia sido gentil com ela, além de suas cortesias discretas que lhe fazia.

Recorda-se dos cortejos tímidos e meio desajeitados que recebia do rapaz nas vezes em que este a visitava, porém ela considerava-o bem adorável em sua maneira única. E agora lhe encarava com bastante admiração, afinal ele era impressionante com o aço puro em mãos. Não imaginava que ele fosse tão bom espadachim daquela maneira, afinal às vezes em que Bryce e Alden tinham brincado no pátio de treino um com o outro com espadas de madeira, o mais velho sempre fora gentil em deixar o pequeno herdeiro vencer.

— Algo que lhe prenda o interesse, Ellyn? – disse Bryce ao seu lado com um sorriso maroto na face – Talvez, esteja encarando o meu bom amigo, Alden Estermont?

Naquele momento, Ellyn desviou seu olhar de Alden para encarar o irmão por alguns segundos. Então retornando a fitar o outro navio pela luneta. Ajustando as lentes para que pudesse ver melhor.

Pode ver ambos os irmãos encerrando a luta devido à presença do Lorde Karlon Estermont, que interveio colocando-se dentre os dois. Ele indicou-lhes o navio que haviam avistado, que naquele caso o navio de Lorde Tarth. Ou seja, eles haviam notado seus velhos conhecidos que seguiam para o mesmo destino.

Sor Alden Estermont e sua irmã voltaram seus olhos para o outro navio e se aproximaram da barricada. A jovem filha de Lorde Estermont então puxou uma luneta dobrável de um dos bolsos de suas calças, pondo-se a observar o outro navio.

Por alguns segundos, Ellyn Tarth sentiu-se observada com a garota fitando-a diretamente. Está garota removera por sua vez a luneta e lançara um sorriso. Ela por uma estranha razão sentiu-se enrubescer frente aqueles olhos verdes água.

Alden acenara para eles e ela acenou de volta, enquanto dava a luneta para que seu irmãozinho pudesse fitar o casal de irmãos que lhes encaravam da outra embarcação. Bryce pareceu ficar feliz em vê-los, ergueu um dos braços e gritou o nome do herdeiro de Estermont, porém apenas foi repreendido pelo avô por conta de sua atitude espontânea.

— Lady Ellyn – chamou Meistre Leo, um dos conselheiros mais confiáveis de seu avô. Ele tinha aproximado deles devagar, ainda expressando uma face abatida pelos constantes enjoos que lhe acometeram desde que haviam deixado à ilha. – A senhora sua avó solicita sua presença na cabine.

— Obrigada, meistre. – respondeu Lady Ellyn – Com a sua licença, meu avô. – E deixou o convés seguindo na direção da porta que dava acesso a parte inferior. Indo em direção dos alojamentos divididos por seus avós, que ficava logo ao lado do que ela dividia com o irmão.

Ela deu uma leve batida na porta de madeira antes de ingressar no interior do dormitório, apenas para anunciar sua presença. Quando Lady Beladona respondeu afirmativamente para que ela entrasse, a garota assim atendeu o pedido da avó.

A senhora de cabelos grisalhos, fitou-a a neta com carinho. Era tão fina e alta tanto quanto Ellyn Tarh, agora em seus dezenove dias de seu nome que haviam sido completados na última lua que havia passado.

A idade havia cobrado seu preço de Lady Beladona, ainda assim alguns diriam que ela era bastante bela em sua juventude. Uma bela dama, nascida em um ramo secundário da família e que havia desposado o próprio primo. Para a infelicidade de alguns, como do próprio falecido Rei Argos Durrandon.

Apesar da grande diferença de idade, ambas tinham em comum os mesmos olhos na tonalidade azul safira. No mesmo tom das águas que banhavam a encosta litorânea da Ilha de Tarth. A jovem cumprimentou a avó e aproximou-se, porém ela não estava sozinha, já que uma copeira havia vindo lhe servir o dejejum. Desse momento cumprimentou com cordialidade a serviçal que lhe ofereceu um pouco de leite fresco.

— Não, obrigada. – disse Ellyn com gentileza – Estou satisfeita.

— Saia, por favor. – falou Lady Beladona enquanto bebericava a sua xicara de chá com creme – Eu quero ter uma conversa a sós com a minha neta. – E assim, a criada afastou-se e deixou ambas as ladies sozinhas.

— Estou aqui como ordenado, vovó. – disse Ellyn sentando-se a frente da avó – O que desejas de mim? Está na hora de fazermos nossas preces aos sete deuses? Creio que estejamos sendo abençoados, pois o dia hoje amanheceu maravilhoso.

— Sim, está mesmo. – respondeu Lady Beladona - Para compensar as tempestades anteriores.

— Um sol lindo sem nenhuma nuvem cinzenta no céu, não é uma benção que estejamos navegando com um tempo bom? – continuou Ellyn animada - Ainda mais quando adentramos em um lugar chamado de Baia dos Naufrágios? Venha, vamos respirar um pouco de ar fresco e quem sabe possamos fitar Ponta Tempestade de onde estamos.

— Não, querida. – disse Lady Beladona colocando sua mão sobre a da neta - Eu quero conversar seriamente com você. Porque há uma razão para termos deixado a ilha depois de todos esses anos. E eu penso que você deva saber o motivo, afinal tem haver com você.

— Comigo? – perguntou Ellyn parecendo receosa, porém momentos depois abriu um sorriso para a avó. – Vou poder ficar na corte? Poderei ser uma das damas de companhia da rainha? Oh, isso seria divino.

— Minha querida, Ellyn. – disse Lady Beladona – Minha pequena criança do verão, é o momento de você aprender as razões pelas quais seu avó e eu a temos preparado por tanto tempo. Temos a educado e a feito agir como uma dama perfeita, certamente não por acaso. Nós temos sonhos muito grandes para você para assegurar-lhe sua segurança no momento em que partirmos para juntos de seu pai.

— Eu sei que estou destinada a ser uma boa esposa para meu futuro marido. – disse Ellyn aparentando estar chateada, provavelmente em uma tentativa de sensibilizar a avó ao seu favor. - A senhora tem me preparado muito para esse dia, porém ainda assim vovô não escolheu o nome de nenhum pretendente. Eu não quero passar dos vinte e cinco sem estar casada, vovó. Quero a essa altura já ter sido mãe e estar esperando ou quem sabe tentando ter um segundo filho.

— Sim, eu sei. – disse Lady Beladona – Eu e seu avô também achamos que é chegado a hora. Você desabrochou como uma bela e jovem donzela – ela pegara o rosto da neta e o analisara com carinho e cuidado – Nós não devemos desperdiçar essa face tão bela e imaculada... Um presente que lhe foi concedido pelos sete deuses. Não, nós temos pensado em um marido digno de nossa pequena e querida Ellyn.

— Então, eu serei esposa de um dos herdeiros? – disse Ellyn ansiosa – Serei senhora de um castelo? – ela tocara as mãos de Lady Beladona delicadamente - Diga-me, vovó. Diga-me o que meu avô e a senhora decidiram para mim.

— Uma senhora de castelo? Oh, minha criança de verão. – disse Ellyn – Nós sonhamos mais alto para você. Você não será senhora de nenhum lorde ou herdeiro qualquer, não. Você será a futura rainha da tempestade.

— Eu rainha? – questionou Ellyn fazendo-se corar com a revelação.

— Sim, é chegado o momento de cobrarmos o Rei Dorian. – disse Lady Beladona – Ele terá de pagar a divida de sangue que tem para com a nossa família. Ele não poderá recusar. O faremos lembrar de Garlan e do sacrifício dele, caso tenha esquecido.