All Out Of Love

Para A.E.S., Com Amor


Tony tinha certeza que se algum dia tivesse que explicar como ele saiu daquele apartamento, desceu as escadas e atravessou o bar vazio naquela manhã, ele definitivamente não saberia o que dizer. Quando deu por si, estava parado na calçada do ‘Comando Selvagem’, a caixa de cartas firmemente segura em seus braços enquanto pensava em como iria chegar em casa a partir dali. No dia anterior, ele havia vindo com Happy, assim como Pepper e Rhodes, que ele sequer sabia onde estavam no momento, o que, por si só, já era toda uma nova preocupação. Estava prestes a retirar seu telefone do bolso para chamar um taxi quando um braço rodeou seus ombros.

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Quando ele se virou, James estava lá, os olhos cinzentos apertados em confusão e as sobrancelhas levemente franzidas. Ele olhou para a caixa nas mãos de Tony e a realização se pintou em seu rosto.

— Então, ele finalmente te contou tudo. – Constatou, apertando ainda mais o braço ao redor dos ombros dele.

Tony apenas acenou afirmativamente, seu corpo instintivamente se enrolou no meio abraço confortável. Ele sentiu falta de James. Eles sempre foram próximos, entendiam um ao outro de uma maneira estranha que ninguém mais entendia. Dez anos atrás, ele perdeu muito.

— Vem, Tony. Eu vou te levar para casa.

James o conduziu até um carro popular estacionado no outro lado da rua. Assim que Tony se sentou, no banco do carona, ele notou a adaptação de deficiência no volante que permitia que o motorista conduzisse o veículo apenas com uma das mãos. James não perguntou. A torre Stark não era exatamente discreta e era de conhecimento público que Tony gostava de ficar em seu próprio apartamento na cobertura quando estava na cidade.

Eles fizeram a maior parte do percurso em silencio. Era sábado de manhã e naquele horário o transito já estava lotado, mas o ex soldado viveu naquela cidade sua vida inteira, ele sabia exatamente quais caminhos deveria percorrer para evitar a concentração de veículos.

— Você se casou. – Foi Tony quem quebrou o silencio. Os olhos castanhos ainda estavam presos na caixa firmemente segura em seu colo. – Eu nunca pensei que você fosse realmente se casar um dia...

— Eu também não. – Ele riu. Como se a simples ideia de estar solteiro fosse uma grande piada nos dias de hoje. – Natasha é maravilhosa, Tony. Ela é-... Eu a conheci no exército e ela nunca desistiu de mim, mesmo nos piores dias.

Quando Tony finalmente ergueu os olhos, James estava perdido em pensamentos, uma sombra escura pairando sobre os orbes cinzentos. Tony conhecia aquela sombra. Ela tinha vindo com ele após o Afeganistão e nunca foi embora, não importa o quanto ele tentasse.

— Eu estou feliz por você, James, mesmo.

Era a verdade. Ainda que sua própria vida romântica estivesse presa no que parecia uma montanha russa emocional de merda, saber que uma das pessoas com quem ele se importava, mesmo depois de tanto tempo, tinha finalmente encontrado a felicidade era estranhamente gratificante.

James manobrou o carro no meio fio quando eles finalmente chegaram em frente à Torre Stark e virou-se de frente para Tony no banco do carona.

— Ele te ama sabe. Ele nunca parou de te amar.

Tony respirou fundo e apertou a caixa de cartas sob os nós de seus dedos. Ele não sabia se algum dia estaria preparado para aquele tipo de conversa. Tudo o que pensou que sabia sobre a própria vida e o que tinha acontecido a dez anos foi uma mentira e as novas informações ainda estavam dançando em sua mente, tentando fazer com que a história se encaixasse.

— Eu não sei se eu consigo fazer isso, James. Eu entendo o que aconteceu agora, de verdade, mas isso, a falta de confiança dele em mim nos separou por dez anos. Eu gostaria de te dizer que agora que eu sei de tudo as coisas vão se resolver, mas eu não sei se essa é a melhor escolha...

— Ele passou os últimos dez anos esperando por um milagre que te fizesse voltar para ele, Tony. – James suspirou e aperou o próprio punho até que as juntas de seus dedos estivessem brancas. – Pense sobre isso, Tony. Eu sei que é pedir muito, mas aquele idiota é o meu melhor amigo e eu sei que ele nunca mais vai ser realmente feliz sabendo que ele estragou tudo e que não tem mais volta.

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Tony apenas acenou afirmativamente. Ele tinha muito a pensar e, no momento, aquela não era uma promessa difícil de se manter.

— Eu fiz um braço pra você.

Sutileza nunca foi uma das qualidades pelas quais Tony foi elogiado, afinal.

— Tony, eu não me dou muito bem com próteses, elas são um peso adicional inú-...

— Não. Eu fiz um braço real. É feito de tecnologia inteligente e, se você quiser, nós vamos implantar neurossensores em você para que ele se torne um membro funcional.

James apenas o encarou, a boca ligeiramente aberta, como se ele sequer acreditasse no que estava ouvindo.

— Você inventou uma tecnologia para uma prótese funcional depois de me ver por menos de um minuto depois de dez anos sem a gente se falar? – Ele questionou, e Tony apenas assentiu, porque, mesmo que parecesse bizarro, era a verdade. Um sorriso carinhoso se espalhou pelo rosto de James e ele riu baixinho, possivelmente em negação. – Você não mudou absolutamente nada em todos esses anos.

— Ei!

— Ok, Tony, nós vamos falar sobre o braço quando você tomar a sua decisão, certo?

No fim, as coisas entre ele e James sempre foram fáceis assim.

***

“Querido Tony,

Uma vez, minha mãe me disse que o amor é como o maior prêmio da loteria mais concorrida do mundo. As pessoas são muito diferentes entre si. Quão sortudo alguém precisa ser, para que o amor da sua vida aparecer justo na sua vida?

Eu sempre soube que você é o amor da minha vida, Tony. Desde o segundo em que os nossos olhos se encontraram naquela estação de metrô. Eu nunca tive dúvidas, nunca...”

*

“...eu estou deitado em uma trincheira a três dias, quando essa operação acabar eu não sei como vou mover minhas pernas para tirar o pelotão dessa maldita zona de bombardeio. Eles confiam em mim com as vidas deles, Tony, e eu não posso decepciona-los. Você é o que me mantem são. Todas as vezes em que eu fecho meus olhos, eu te vejo. Todas as vezes em que eu durmo, eu ouço sua risada...”

*

“...é bastante raro, mas às vezes, chove por aqui. Nesses momentos, as crianças saem das casas e dançam com os braços para cima, agradecendo ao deus deles pelas bênçãos que ele derrama sobre a terra seca. Tony, ver a esperança florescer aqui é como presenciar um maldito milagre, eu juro. Eu sei que, como um homem da ciência, você nunca foi dado a acreditar nessas besteiras, mas meu amor, nessa maldita zona de guerra qualquer mínimo sentimento que não seja magoa e rancor pode te tornar um crente...”

*

“Hoje, eu e meu pelotão completamos uma operação confidencial em uma pequena vila próxima de onde estamos acampando. Eu não posso falar muito sobre isso, mas foi um sucesso. Ou pelo menos é o que eles dizem. Não importa o quanto eu esfregue a minha pele, o cheiro de sangue nunca vai embora. Tony, em noites como essa, meu único desejo no mundo é te abraçar outra vez...”

*

“...pode parecer estranho dizer isso, mas nem tudo sobre estar aqui é tão ruim. Eu fiz alguns amigos verdadeiros por aqui, conexões reais que, eu tenho certeza, vão continuar comigo para sempre. Todas as vezes em que uma carta ou encomenda chega para qualquer um de nós é como se o Natal tivesse chegado mais cedo. E então há o céu. As estrelas aqui são muito mais brilhantes do que as estrelas em Boston ou Nova York.

Às vezes, eu não posso deixar de pensar sobre nós dois e desejar que tudo tivesse sido diferente. Será que você ainda olha para as estrelas e pensa sobre nós?...”

*

“...Faz nove horas que eu estou em uma cadeira de plástico minúscula da sala de espera de um hospital na Alemanha. Alguns anos atrás, eu jamais reclamaria do tamanho da cadeira. Veja, algumas coisas mudaram bastante desde que nós nos vimos pela última vez. Bucky está em cirurgia. Um dos lados do corpo dele foi gravemente atingido pela explosão de uma mina. Eu não sei exatamente qual lado, não consigo pensar nesse tipo de detalhe nesse momento, mas eu tenho certeza absoluta de que, se você estivesse aqui, você saberia. Os médicos e as enfermeiras o chamam de James, exatamente como você fazia e, eu não sei exatamente o porquê, mas isso me incomoda. Exceto por você, Bucky nunca gostou que o chamassem de James. Às vezes eu me esqueço que eu não fui o único que te perdeu...”

*

“...O nome do bar é ‘Comando Selvagem’. Sim, Tony, eu sei o que você diria se estivesse aqui. Eu quase consigo te ouvir cantando ‘Born to be Wild’ todas as vezes em que eu entro pela porta da frente...”

*

“...Para A.E.S., com amor.

Steve Rogers”

***

Esses, eram apenas alguns poucos exemplos. Haviam milhares de palavras ordenadas em textos, centenas de histórias vividas, dezenas de sentimentos arquivados no papel.

E amor.

Amor transbordando de cada palavra e cada pequeno vinco que as mãos grandes formaram no material frágil.

Steve realmente amava Tony. Mesmo depois de todo aquele tempo, mesmo com a distância e a incerteza, mesmo com tudo o que aconteceu.

Mas havia algo que não se encaixava ali, uma percepção tardia que se alastrou pela mente do moreno e fez com que ele finalmente entendesse algo que esteve bem ali o tempo todo, mas que ele se recusava a enxergar.

Durante esses dez anos, Steve estava vivendo.

O que aquelas cartas lhe contavam eram histórias de uma vida, dias bons e ruins. Lembranças de uma pessoa completa. Steve viveu aqueles dez anos, e mesmo que Tony fosse uma presença constante em seus pensamentos, a vida dele não parou apenas pela ausência daquele que ele dizia ser o amor de sua vida. E com Tony, foi o mesmo. Enquanto lia aqueles relatos, ele foi atingido com a percepção agridoce de que ele amava Steve. Realmente o amava. Mas ele não era o centro de seu universo. Havia uma vida para ele antes de Steve e houve uma depois, e, mesmo que romanticamente, ele nunca parecesse estar completo, plenitude nem sempre é um objetivo alcançável.

Há sempre uma parte que falta nos seres humanos.

Por dez anos, o que faltou para Tony não foi amor. Claro que não. O amor sempre esteve ali, firmemente plantado dentro dele desde o dia em que ele colocou seus olhos em Steve naquela estação de metrô.

O que lhe faltou foi a presença.

Quando Tony chorou, sorriu, sofreu e finalmente se permitiu ser quem diabos ele deveria ser, Steve não estava lá. E essa percepção, esse sentimento de falta, trouxe luz a muitas confusões. O tempo, é senhor absoluto da manutenção das relações, mas ele não determina a intensidade nem o destino do amor. Beijos e abraços e sexo, são manifestações do desejo, mas estão longe de poder representar a grandeza e plenitude do que uma relação realmente deveria ser.

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A grande questão, era que depois de todos aqueles anos, Tony havia aprendido a lidar com a ausência material do amor romântico. Sua vida adulta tinha sido completamente moldada a partir dali. Ainda que lhe partisse o coração admitir, não ter Steve era mais familiar do que tê-lo. E aquela descoberta abriu parâmetro para outras centenas de fatores que poderiam influenciar negativamente aquilo que era, até então, uma frágil tentativa de reconciliação.

A pessoa que Steve era agora não era mesma que ele foi quando eles se casaram, e Tony tinha certeza disso, principalmente porque ele mesmo não era a mesma pessoa. O tempo os fez crescer, mas eles não cresceram juntos.

No fim, a percepção que ele teve a partir daquilo tudo foi uma só. Perdão não era uma questão naquela decisão, Tony já havia perdoado Steve a muito tempo. Ele nunca teria permitido que o outro homem o tocasse tão intimamente se ele não confiasse nele. E amor nunca foi um problema. Ele estava ali, tão físico e palpável quanto cada uma daquelas cartas espalhadas no tapete de sua sala de estar.

O problema, era que as vezes, só amor não era o suficiente.