Entre Nós

Torta de limão


Os anos passaram, me formei em medicina, conclui meu doutorado com honra e me especializei em cirurgia, a mesma área de Verônica e não tardaria para me tornar o diretor geral, ocupando o lugar de Patrick.

Mas eu não era apenas o cirurgião chefe e futuro diretor geral do hospital. Eu era o filho gay, negro e adotado do dono do hospital.

Perdi as contas dos comentários maldosos que já ouvi nos corredores, mas Verônica sempre me ensinou que se tais comentários não fossem construtivos eu não deveria levar em conta. Mas não era tão fácil, não quando duvidavam da minha capacidade.

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— Olá — a voz rasgada me tirou do transe, me fazendo olhar para o senhor ao meu lado, sorri simpático, esperando que ele continuasse. — Sabe onde posso encontra o Cirurgião chefe? Ele ficou responsável pela cirurgia da minha filha.

Suspirei, não era a primeira vez que me “confundiam” com um enfermeiro, sorri novamente, dessa vez fazendo o esforço a mais, pedi para que me acompanhasse e assim ele o fez, no segundo corredor encontrei Lisa, a chamei.

— Então senhor, está é Lisa, enfermeira chefe, percebe a roupa que ela usa? — falei, calmo, olhando nos olhos arregalados do homem. — Isso serve para pessoas que não estão habituadas ao hospital saiba a quem se dirigir quando quer saber alguma informação. Percebe minha roupa? E meu crachá que indica que sou quem procura? Sua filha está bem, se recupera da forma como o esperado. Agora se me der licença preciso ver outros pacientes.

Não esperei resposta, seguindo de volta para a recepção, minutos depois Lisa já estava do meu lado, segurando a risada. Revirei meus olhos, ficando na prancheta.

— Seu turno acabou, não tem nenhum paciente — ela falou o obvio.

— Eu sei.

Ela riu alto, chamando a atenção de todos ali, apenas neguei cm a cabeça, finalmente chegando em minha sala.

— Vou apenas terminar esses prontuários, vai querer uma carona? — Lisa concordou freneticamente, correndo para fora de minha sala, alegando que apenas se trocaria e em poucos minutos voltava.

Respirei, agradecendo o silencio e terminando meu trabalho. Já passava das 23h e eu precisava descansar.

Lisa voltou em poucos minutos e descemos pelo elevador até o estacionamento. O caminho fora recheado de conversas banais.

Sua casa ficava uma rua antes da minha e a despedida se deu em piadas sem graças da garota.

Ri durante o restante do caminho, vendo as luzes da sala e cozinha acesas, desliguei o carro e o tranquei, abrindo a porta da frente e sendo atingindo pelo cheiro de torta e o som de risadas.

— Adrian chegou! — o grito de Verônica calou as risadas, fora a primeira a me ver pela cozinha em conceito aberto. Sorri em resposta.

— Liam está fazendo aquela torta que você gosta — Patrick comunicou, parecia empolgado.

Já Liam não tinha largado as panelas, mexia sem parar o conteúdo e o cheiro ficou ainda mais forte quando adentrei o cômodo.

— Estou cansado, não sei se poderei comê-la ainda hoje — balbuciei, verificando meu relógio de pulso, vendo que já marcava meia noite.

— Só um pedaço, maninho, não vai te fazer mal! — Liam finalmente desligou o fogo, virando-se para mim, os olhos grandes e expressivo me fizeram paralisar, ele sorria, parecendo tão animado quanto Patrick, fazendo meu coração falhar algumas batidas.

— Eu realmente não posso, até amanhã — recuperei-me a tempo, deixando um beijo na bochecha de Verônica e seu marido, bagunçando os cabelos de Liam sem realmente olhá-lo.

Subir as escadas nunca fora tão difícil, minhas pernas pareciam chumbo e chegar ao meu quarto me trouxe uma sensação de paz. Deixei minha maleta na poltrona branca, seguindo para um banho.

Já estava deitado, relendo alguns relatórios com a ajuda dos meus óculos e a luz fraca do abajur, quando a porta foi aberta devagar. Ergui meus olhos, vendo metade do corpo de Liam e seu sorriso sem graça.

— Sabia que não estava dormindo — ele finalmente entrou e então reparei em suas mãos, trazia uma fatia da torta.

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Não pude evitar sorrir e ele me acompanhou, dessa vez mais alegre. Deixei os papeis e o óculos sobre o criado mudo, me sentando na cama e pegando o prato.

Eu não tinha duvidas que a torta estava boa, mas Liam parecia ser algum tipo de deus da cozinha. Claro que fazer faculdade de gastronomia e está se especializando em sobremesas ajudava bastante, mas eu sabia que ele não precisava disso.

— Está muito bom — murmurei, vendo seus olhos brilharem na penumbra, ele acenou, como um obrigado.

— Como foi o trabalho? — ele sempre fazia isso, sempre vinha no meu quarto, me dava algumas das suas experiências da faculdade e me perguntava como havia sido o trabalho e continua a fazer até hoje.

Liam já tinha seus vinte e cinco anos e eu meus trinte e sete. Eram muitos anos ao lado de Verônica e Patrick, eram muitos anos ao lado de Liam. Eram muitos anos longe dela.

— Bem. Não perdi nenhum paciente.