WSU's: Zenith
Capítulo I - Um Recomeço
Corvos pairavam por todo o ambiente, escuro e azulado.
— É aqui? — perguntou a criança.
— Dizem que o lugar é um grande castelo... e isso é um grande castelo. — respondeu a recém-exorcizada.
Alguns metros à direita havia uma placa, amarela, enferrujada e granizada, junto aos dizeres 'Vajdahunyad Castle'
— Sabe ler em húngaro, Zagan? — questionou.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!— Não... mas 'Castle' em frente a uma construção que se assemelha a de qualquer outro castelo... — soltou a mão de Mia e olhou nos olhos dela, irônico, igualmente como Thyra fazia tempos atrás — Deve significar que isso aqui é... um castelo, certo?
Dedos entrelaçados, olhar vazio na janela embaçada, seu campo de visão observava as duas silhuetas humanas que caminhavam, inconsequentemente, terras sombrias e frias.
— Chegaram, Senhorita Kertész. — virou-se, tão branco quanto o fundo dos olhos.
Olhos por todas as partes.
— Receba-os, Mihai. — ordenou a Rainha, após beber um gole de leite.
Cobria os pálidos lábios de roxo, todo homem na terra queria ser aquele batom.
Deslizava a mão esquerda sobre a pele de seu pescoço.
— Prepararam a Palinca? — pegou uma velha escova e começou a pentear os cabelos negros - Seria enorme falta de respeito não servir à nossos convidados...
— Sim, Senhora, preparamos. — replicou Mihai, que tinha metade de sua face coberta pelas mechas descoloridas.
***
Deram mais uns passos no solo concretado, cada movimento resultava no quebrar de algum galho.
Mia e Zagan andaram mais um pouco pelos blocos acinzentados que encaixavam-se perfeitamente, salvo raras exceções.
Quase dois mil quilômetros separam Noruega e Hungria, o casal Humano-Diabólico levou 21 dias para cumprir o trajeto, uma carona aqui, outra ali, seduz alguns homens e toma o dinheiro deles, compra passagens de ônibus... O começo por si só já foi uma enorme aventura.
Eles chegaram e Mia tocou o negro Sino Frade pendurado à porta.
— Imagino se não tiver ninguém, vinte dias desperdiçados. — controverso Zagan.
Contrastando com o clima hostil que os cercava, as infinitas fechaduras por trás da porta começaram a se abrir suavemente.
Abram-se as portas, o detestável Vlad. Cabelos pretos médios-longos jogados sobre o olho esquerdo, maquiagem branca e forte, ajudando a esconder as cicatrizes.
— Marcaram horário? — de expressões nulas Vlad se constituía.
— Convidaram, eu e ele...
— Quem convidou? — somente a boca se mexia, nunca piscou os olhos.
Mia procurou nos dois únicos bolsos de sua fina blusa preta.
— Eu deixei com você? — preocupada.
Zagan tirou um papel amarelado e rasgado em partes que se assemelhava a um pergaminho. Abriu-o com as duas mãos e leu com sua infantil voz.
— 'Convido, extraordinariamente, Miandrya Vikernes Quorthon e seu enteado espiritual Zagan Krzaroghoumerothut para uma reunião de possíveis interesses. Atenciosamente, Rainha Erzsébet Kertész. Datilografia por: Petrov Beleteneszkysz.' — recitou Zagan.
Vlad manteve seu corpo posicionado para os dois e virou sua cabeça para trás.
— PETROV! - chamou gritando.
Voltou ao normal, Mia e Zagan indiferentes.
— Não se assustaram? — indispôs-se Vlad.
— Já passamos por coisas muito piores... — ironizou Zagan.
Ouvia-se o bater de pés ao chão de madeira. Petrov, do alto dos seus dois metros e dezoito, além de um terno azul ridículo, apareceu.
— Digam seus nomes. — pediu Vlad.
— Miandrya Vikernes Quorthon. — respondeu Mia.
— Zagan Krzaroghoumerothut, de Goetia. — respondeu Zagan.
Petrov puxou a manga esquerda de seu terno, e com o dedo indicador da mão direita foi verificando as anotações.
— É, estão aqui... Entrem.
Os dois adentraram ao recinto que cheirava a incenso vencido. Vlad tomou seu caminho e virou num longo corredor de luzes falhas.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!— Vlad... ele tentou assustar vocês? — disse Petrov, sorrindo.
— Só tentou mesmo... — respondeu Mia.
Os dois seguiam Petrov, tudo era antigo ali.
Desde os estofados, os quadros, as luminárias, os múltiplos relógios... toda a estrutura.
Mia e Zagan quase nunca soltavam a mão um do outro. Ele com a esquerda, ela com a direita.
Do lado de fora o frio congelava as mãos e estremecia os dentes. Do lado de dentro causaria hipotermia em qualquer que não tivesse contas em dia com o sobrenatural.
O maior desperdício eram os grandes cômodos vazios. Bonitos e polidos, somente a luz da Lua iluminava as tábuas deixando a marca de um círculo branco e borrado em meio a vasta negritude.
— Quantos residem aqui? — indagou Mia.
— Vivos ou mortos? — devolveu Petrov.
— Vivos. — subconscientemente queria saber dos mortos, mas seguiu o código ético e moral.
— Quatro mais ela. — homem dominado.
— Porque 'mais ela'?
— Existem pessoas estão a par de qualquer grupo, ainda que façam parte um seleto grupo... Garanto que é o caso dela, A Rainha. — explicou orgulhosamente.
O Castelo era a junção de Van Gogh e Da Vinci.
A colação entre Godard e Kubrick.
O duo Ionesco e Brecht.
Um feat entre Elvis e Michael.
Uma Cleópatra duplicada.
— Quem são os outros dois? — quis saber Zagan.
Passaram por uma porta de vidro e chegaram sala de visitas. 187m², artesanatos antigos, feitos manualmente pelas mãos calejadas de escravos bósnios. Ambiente vermelho como o Inferno, uma residência de múltiplas personalidades, ouvia-se o estralar da madeira queimando à lareira.
— Mihai irá atendê-los. — disse Petrov, dando as costas logo em seguida.
Os dois sentaram-se num acolchoado de lã de carneiro, pobres animais que foram abatidos por Vlad.
— São três agora... — proferiu Mia.
— Vlad, Petrov, Mihai... Nada muito criativo. — Zagan, um imperceptível provocador do caos.
— Permitir variações nominais não é característica da língua deles. — completou Mia.
— No Inferno nossos nomes são definidos de acordo com a função que ocuparemos.
— E isso é criativo, Zagan?
— Criatividade? É relativa.
Mihai veio lentamente transpassando os espaços do castelo desprovido de humildade.
— Külföldi nyomorultakat, külföldi nyomorultakat... — repetia — Boa noite. — assim que passou por Petrov — Külföldi nyomorultakat. — continuou.
***
Não fosse a arrogância exagerada, Mihai seria um homem nato.
Não fosse a humildade exagerada, Petrov seria um homem nato.
Não fosse a melancolia exagerada, Vlad seria um homem.
Não fosse o fato de estar empalado no quarto da Rainha Kertész, Maxim seria um homem.
Existe o equilíbrio único entre a prepotência e a simplicidade, chama-se 'Inteligência'.
Entre melancolia e morte? Nenhuma.
Qual o meio-termo de viver em profunda tristeza e estar num caixão?
Um coração vazio e um coração que bate 80 vezes por minuto?
— Eu realmente te amo, Maxim. Me sinto mal por amar algo imóvel e insentimental... Mas é assim que agimos, não é? Eu não sei... O amor me deixa confusa. Um dia... Um dia encontrarei um modo de lhe trazer novamente a vida... podem demorar 50, 100 anos... Eu prometo. — marcou a pele seca e dura do rosto de Maxim com seu batom — Eu prometo.
***
— Desejo boas vindas ao Castelo de Vajdahunyad. — Mihai colocou uma bandeja de prata rústica sob a mesa de vidro que estava a frente de Zagan e Mia — A Rainha já está descendo as escadas.
— Qual deles você é? — Mia encarou Mihai da cabeça aos pés.
— Petrov deveria ter avisado quem sou...
— Ele avisou. — convicta.
— Então porque questiona minha identidade?
— A pergunta não refere-se ao seu nome, Mihai... Eu aprendi que tenho de conhecer melhor as pessoas... O nome é apenas um código de programação... — Mia filosofou sem motivo algum.
— Cabe a você descobrir... — abotoou seu colete. — Não tenho a obrigação de provar a você quem sou. — Mihai filosofou sem motivo algum.
A Rainha percorre degraus magistralmente, a simétrica sombra demarca se corpo escuridão e beleza separam-se como água e óleo.
Ela surge devagar, o atrito do salto alto com o piso dissipava ondas de superioridade pelo castelo. E quando chegou a sala onde os três estavam, não se fizera a necessidade de palavras.
Mihai sentia a presença, a autoridade. Ele saiu.
Abriram-se os espaços para a soberana, que andou mais um pouco e sentou-se no sofá confortável e velho, porém conservado, assim como ela.
Toda essa poesia aconteceu diante dos olhares cobiçáveis de Mia; Zagan pouco se importava, era tão incrível quanto.
(Aqui só se ouve o som do líquido atravessando a garganta de cada um)
(Aqui eles apreciam o gosto, estranho para Zagan e Mia, previsível para a eterna Majestade)
(Aqui eles colocam as taças de volta a bandeja prateada)
(Aqui o inaudível barulho do contato entre os dois)
(Aqui os três respirando sincronizadamente juntos)
— É direta dos Cárpatos, mesma terra que eu. Século 16, queridos... Usavam-na para fins terapêuticos, não que fosse o principal objetivo, muitos bebiam já pelo delírio lírico que ela causa... Temos a Limpa, a Envelhecida e a Aditivada, cada qual com sua peculiaridade — lecionou.
— Qual é essa? — Zagan interrogou.
— Por estarmos em reunião, a Limpa, mais fresca, mais leve... E crianças não deveriam beber.
— Quantos anos a Senhora tem? — interpelou de novo.
— A regra universal de não perguntar a uma dama qual a idade dela foi quebrada ao que podemos ver...
— A Rainha quem disse 'Estamos em reunião'. Reuniões se constituem de conhecimentos, referências... Informações. — a criança que deixaria qualquer pai orgulhoso.
— Qual a idade da garota ao seu lado? — na réplica, a Rainha questionou.
— 20. — a própria respondeu — E você, Zagan? — em tom de confronto a Kertész.
— Um, ponto, zero, zero, oito. — ele disse. — Rainha?
Admirou a face dos dois por instantes, balançava a cabeça positivamente
— Calaram-me, 504... Tem o dobro da minha existência, Zagan...
— Refaça-se a pergunta, quem é que não deveria beber aqui? — O caos imperceptível ataca novamente.
— Caímos em redundância. — a Rainha pontuou.
— Recebi sua carta ao vento, tão mística... Não faço ideia de onde ela surgiu, só sei que li... Atravessamos longas jornadas que fraturaram meus pés, Dinamarca, divisa Alemanha-Polônia, Áustria... — Mia tomou as palavras — Eu estava destruída pelo meu amor próprio, Senhora Kertész... As marcas daquilo não vão se cicatrizar nunca. No meio de toda aquela tragédia, ele veio junto comigo... — passou a mão pelos lisos cabelo de Zagan — Primeiro ele me disse que eu havia conhecido-o numa fase muito estranha de sua vida, depois garantiu que nunca supriria a ausência dela, assumo que foi difícil aceitar... E na terceira frase ele se tornou meu melhor amigo: Abrace todas as oportunidades que te derem. No verso da carta tinha o endereço... Cá estou.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!***
Temos uma regressão.
A beira do precipício da Ilha de Moskenesoya, os dois seguram as mãos em companhia.
Lindos raios luminosos ao fundo, iluminando os mares cristalizados pela discrepância que a mortífera noite traz.
— Você me conheceu numa fase muito estranha da minha vida — disse Zagan, se lembra?
Ela não podia falar, sua mente estava como o estrondo dos trovões.
— Nunca serei o que ela foi. Mas você vai se entregar para o que der e vier, vivemos para isso... O mundo será todo seu. — uma promessa do provento de Goetia.
Fim da regressão.
***
— Admirável, impressionante... — a Rainha bateu palmas.
Não eram irônicas.
— Ionesco teria orgulho de tanta dramaticidade e teatralidade! — prosseguiu.
— Infelizmente é a realidade, o tato me faz saber... Adoraria que minha vida fosse uma peça de teatro, mas... ela não é. — triste e poética, como sempre.
— O passado é a consequência de um anterior presente mal explicado... — a Rainha cruzou as belas pernas cobertas por um longo vestido — Os sentimentos que nos atrelam ao pretérito podem ferir com a mesma intensidade que podem ser superados...
— Tem certeza que 'Superados' é a palavra certa? — Zagan interrompeu.
A Rainha pensou
— Eles podem... podem... ser momentaneamente tratados como realidades paralelas e utópicas.
— De acordo.
— Quer dizer então que fui basicamente chamada para esquecer as desgraças que aconteceram comigo? — uma forte lambida no beiço; Sobrancelhas envergadas.
— Temos grandiosos anseios por aqui, valiosas recompensas... Possuo algo extremamente importante perdido em solo mundano... E vocês podem ser a minha ajuda. — Kertész problematizou o diálogo — Aceitam?
— Não posso aceitar sem saber o que é... — Mia enfatizou.
— Um infame espermatozoide entraria em processo de fecundação se soubesse que tempos depois teria de sofrer décadas neste maldito mundo? Junto a essas malditas pessoas? — os dois surpreenderam-se — Tem algum questionamento, Zagan?
— Espermas não raciocinam. — ele sempre tinha.
— Exato. Raciocine, Miandrya: Se o ser sobrenatural que habita teu corpo lhe disse para aceitar as oportunidades que lhe oferecerem, por qual motivo negar este? — gesticulou as mãos acintosamente.
— A dúvida é único motivo. — refutou Mia.
— A dúvida é sua Situação. Eu proponho-lhe uma Condição. — a pomposa Erszébet Kertész se sobressaiu.
Tão crédulos que seriam os negociadores, Mia e Zagan ficaram inexpressivos quando perceberam com quem estavam tratando. Com a 'Deusa' da lábia e da dialética.
O 'Nada' formou-se nos rostos diabolizados dos dois.
Diante daquilo, Mia engasgou-se com os pensamentos, não sabia o que fazer. Zagan muito menos.
— É... — faltaram palavras — Eu aceito, Rainha. — Zagan conseguiu falar.
— Miandrya... Necessitamos de um consenso. — a Rainha pressionou.
Mia olhou ao redor, o Castelo a intimidou, um profundo e impotente medo nasceu da escuridão.
— Nós aceitamos, Rainha. — fez-se a vontade de Kertész.
***
A noite cai à dentro.
Os corvos batem asas.
Os lobos uivam.
Os galhos úmidos chocam-se.
Um sino aleatório toca.
Fecham-se as cortinas vermelhas, termina o espetáculo.
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