1896
IV - Myren
— Eu estou completamente nervosa! - Isabelle usava um colant roxo cheio de glitter combinando com sua saia e maquiagem. Sua meia calça quase brilhava no escuro, e as mechas no seu cabelo provavelmente não sairão por um bom tempo. - Tão nervosa que poderia comer um boi inteiro.
Lia sorriu, e James revirou os olhos.
— Não sorria, ainda não acabei sua maquiagem.
O garoto vestia um macacão de malha super colado da mesma cor que o da irmã, e a maquiagem tão brilhante quanto.
Já a roupa de Lia era um vestido curto coberto de gliter rosa, e suas botas até o joelho pareciam de plástico brilhante. Seus cabelos estavam presos num rabo alto cheio de brilho.
— Ela está toda sorridente... - Isabelle comenta, ajeitando o enfeite de flor no cabelo. - O que aconteceu?
— Nada. - ela trata de responder sem hesitar. Isabelle era sua amiga, mas também a pessoa mais fofoqueira do circo inteiro. Não confiava nela. Já James a encara com um sorrisinho. Deveria imaginar o que foi.
— Estão chamando para uma reunião antes da apresentação. - Hector, o mágico, chama. - Nossa, vocês estão um arraso! Segura essa, Ben. - Eles sorriem, e James dá dois tapas em suas costas.
Hector, todo de preto e lilás, a túnica engomada que usava combinava com as botas pretas e brilhantes. Seu rosto também estava coberto de gliter, e a cartola descansava em seus cabelos negros.
— Você está formoso, Hector. - Isabelle comenta, e James finaliza passando o gloss brilhante nos lábios de Lia. - Prontinho.
— Uau. Caramba, você se superou, James!
— Obrigado.
Os três seguem para a coxia que dividia os camarins do picadeiro, onde todos já se encontravam, cobertos de gliter e energia. Aquilo era a vida deles.
As três bailarinas malvadas, todas de rosa pink, sempre combinando com cavalos, Blair de colant vermelho, Ju-Jin com roupas idênticas e verdes brilhante, Elliot e seu grupo de diferentes tons de azul. Ele sorri para ela, arrumando o macacão que destacava seus músculos.
— Nosso primeiro espetáculo, e tem que ser perfeito. - Ben começa, estufando o peito. Ele não tinha talento algum para isso, diferente do pai de Lia, que nascera para estar ali. E morrera por estar ali. Graças a Deus ela não viu nenhum sinal de Enoch. Isso a preocupava um pouco, também.
A roupa do tio era uma túnica vermelha com vários enfeites amarelos, uma calça colada e branca, e uma cartola enorme.
— Somos o Prodigiosum, somos os Bizarros, somos os Estrañas. - Eles tinham esse ritual, sempre que falavam o nome da família desmantelada por tragédias antes das apresentações, batiam o punho no peito.
A música começa, super alta, e as luzes se acendem. A multidão grita.
— Respeitável Público!
Ben sai das coxias e entra no picadeiro. Um sorriso se abre em sua boca, e ela observa tudo escondida.
— Boa noite, Nova Orleans! Somos o Circo Prodigiosum, maior circo do Sul, e iniciaremos nossa apresentação com vossas palmas!
Estavam lotados. Eram assim todas as vezes, todos os lugares das arquibancadas ocupados, gente em pé, gente sentada no chão. E as luzes antiquadas em diferentes tons de amarelo iluminavam tudo, se movendo pela tenda, tecnologia que haviam adquirido a pouco tempo. Havia quem controlava as luzes, o vinil, o cenário e quem vendia saquinhos de pipoca e brinquedos do circo.
— E com vocês, nossos gêmeos trapezistas!
Isabelle e James surgiram, meio a fumaça de gelo seco, se movimentando pelo enorme local, e o público gritou e bateu palmas para eles, delirantes. Eles sobem as escadas até seus respectivos tripés, e Lia cruza os dedos. Eles eram muito bons, mas aquilo era muitíssimo perigoso.
A música era animada, e todos batiam palmas ao ritmo.
Alguns minutos depois, eles se agarram aos trapézios e se lançam um contra o outro. A multidão grita, enquanto os dois dançam pelo ar, trocando de plataformas várias vezes. James agarra Isabelle pelas mãos e a lança pelos pés de volta para seu trapézio.
Todos sorriam, as crianças gritavam, e James fingiu que Isabelle escorregou de suas mãos e ela se agarra em seu pé, fazendo todos gritar de espanto. Eles eram muito bons. E James nunca deixaria Isabelle cair.
Depois, foi a vez de Olorax lançar facas que passaram raspando por Blair, que dançava na frente do alvo, e todos gritavam quando ele quase a acertava. Ele nunca a acertaria.
Marlon, Jun-Jin e Pierre começaram seu número de comédia, arrancando gargalhadas de todos. Jun-Jin ficam sozinhos, e fazem diversos números de equilíbrio com materiais diversos, incluindo a bicicleta de Lia, que nesse momento era equilibrada em cima de um rolo se movimentando. Malabarismo, contorcionismo, tudo com muitas risadas.
Lia vê Akim ajudando o maquinista Han e os outros homens a trazer os próximos equipamentos. E os elefantes.
— E agora, nosso número com elefantes, lhes apresento, o Domador Groot!
Esse era um dos preferidos do público. Groot se encontrava em cima de uma das três elefantas, fazendo reverências para as palmas e gritos que ganhava. Ao descer, ele fez um sinal e todos os elefantes correram e subiram nas plataformas, ficando apenas de duas patas no chão.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!— Hey. - Mãos tocam suas costas, e ela se assusta, desviando os olhos do espetáculo.
— Calvin? - Lia ergue as sobrancelhas, abrindo um sorriso. Vendo-o parado ali, com o mesmo terno engomado, o mesmo cabelo escuro e a boca vermelha como sangue. Ele abre um sorriso. - O que está fazendo aqui? Você não devia estar aqui.
— Nossa, obrigado. - Ele não consegue evitar de rir, e ela comprime os lábios.
— Quer dizer, é legal que tenha vindo me ver, mas aqui é só pessoal autorizado.
— Você autoriza eu estar aqui?
— Sim. - ela sorri. - Então. O que está achando do espetáculo?
— Maravilhoso. Vivia acompanhando circos um tempo atrás, é bom voltar aqui. - Lia faz uma careta.
— Por que parou de os acompanhar? Circo é tão mágico.
— Aconteceu um acidente. - Ela ergue a cabeça, fazendo que entendeu.
— Bem... Eu me apresento aqui desde criança. Junto com meus pais.
— Seus pais?
— Estão mortos.
— Ah. Sinto muito. - Ela nega, se distraindo com a apresentação.
— Bem... Daqui a pouco sou eu.
— Qual seu número?
— Tigres. - ele arregala os olhos.
— Santo Deus, isso não é perigoso?
Ela ri, negando com a cabeça.
— Então posso te e encontrar na porta do circo depois?
— Claro.
— Lia? - A voz de Hector a pega de surpresa. Sua voz era grave como um apresentador de rádio. - Com quem está falando?
— Com meu amigo.
— Não tem ninguém aqui. - Ele cruza os braços, confuso.
Lia olha ao redor. Calv tinha sumido.
— Deixe disso, menina, vá se preparar. - Hector sai, a deixando sozinha. No meio das cortinas, escondido, ela vê Calv e acena. Ele sorri, e some platéia a dentro.
Agora, no palco se encontravam as bailarinas malvadas todas em pés nos cavalos brancos com enfeites pink e chifres de unicórnios colados na testa. Elas faziam estrelinhas em cima dos cavalos, todas com uma sintonia precisa. Rodopiavam, subiam e desciam dos cavalos.
Elas passaram a trocar de animal umas com as outras, dançando ao ritmo da música enquanto a platéia aplaudia. Duas delas desceram, conduzindo os cavalos a darem voltas e voltas pelo picadeiro, enquanto as outras davam cambalhotas, pulavam com movimentos graciosos, até a pose final onde Camille fez o próprio cavalo ficar nas patas traseiras e relinchar, acabando a apresentação.
Todos gritaram, bateram palmas e berravam coisas ofensivas sobre seus corpos que uma criança não poderia repetir.
E agora era a vez de Elliot e seus quatro companheiros. Eram seis antes de Charles.
E eles começaram, fazendo um x de estrelinhas perfeitas e rápidas, enquanto Elliot, no meio, fazia Flic-Flacs para trás e caindo de pé em cima de um rolo, e nesse momento, todos juntos passam sobre sua cabeça, se lançando com os corpos erguidos e caindo de mãos no chão, realizando uma parada de mãos enquanto andam.
E trazem duas barras de ferro, uma menor que a outra, e Elliot se posiciona embaixo da menor, colocando talco nas mãos.
Lia sorri, orgulhosa.
E enquanto isso dois dos outros, Liam e Bryan davam mortais, estrelas, saltos, carpados, e os outros dois faziam duplas.
Kyle ergue os braços no segundo em que Peddro corre e se lança de cabeça para baixo contra sua cabeça, unindo suas mãos e fazendo uma parada de mãos esticadas apoiada em Kyle.
A platéia grita enquanto Peddro larga uma das mãos de Kyle, se equilibrando apenas em uma.
Eles se desmancham pra perto das cortinas, e a atenção é focada em Elliot, que se lança contra a primeira barra, jogando o corpo para cima e fazendo voltas e voltas com as pernas esticadas.
Conner Spins, Diamidovs, Korbuts, Tkachevs. Ele havia lhe ensinado todos esses nomes, e se bobeasse ela sabia faze-los também.
Ele para, equilibrado, abrindo as pernas numa abertura antes de trocar de barra, girando e girando enquanto os outros faziam uma ritmada dança usando a amada fita azul, que dançava contra seus corpos.
Todos bateram palmas, gritaram e assobiaram, mas Lia já estava encarando Jeneviv e Myren saindo de suas jaulas. As duas foram acariciadas pela garota, alheia as palavras de Ben. Aquilo era a vida dela, e Lia amava isso.
— Está na hora de arrasar. - ela diz as duas.
A música começou, e Lia entrou correndo, antes de dar um mortal e cair de pé. Ela levanta a mão, seguida pela outra. Ninguém ousava respirar, o único som era a música leve.
Logo, a garota congela no lugar, entre duas plataformas. E uma música agressiva enche o ambiente a medida em que as duas tigresas invadiam o palco de forma selvagem, tudo parte da apresentação. Todos berravam para Lia sair dali, mas ela não se mexia.
Calv levanta de seu lugar, com as mãos suando e os dentes trincados. Até que as duas tigresas saltaram por cima de sua cabeça ao mesmo tempo, e ela sorriu, agradecendo, e a multidão foi a loucura.
Jene rugiu para a platéia, que gritou de susto enquanto Lia colocava fogo em um dos aros de ferro, e Myren se preparava para pular. Ela realizou o salto com perfeição, seguida por Jeneviv, e a platéia gritava animada com as tigresas.
Lia deu sinal, e as duas saem do picadeiro, indo para meio as pessoas na platéia que berravam assustadas e sorriam ao perceber que nada as aconteceria.
Ao voltar, saltaram uma sobre a outra repetidas vezes, enquanto Lia agarrava-se a uma das estruturas vindas do teto, e se sentou, sendo levantada no ar.
Os dois tigres passaram a tentar pega-la, com as unhas afiadas passando raspando. Logo, a estrutura despencou, fazendo-a parar a centímetros do chão, e os animais pularam por cima dela, ao som de palmas.
Em seguida, a música mudou para um suspense, e Jeneviv abriu a boca. Lia odiava essa parte, mas a platéia adorava. Ela prende a respiração, e enfia a própria cabeça em sua boca cheia de dentes afiados. Esticou a perna, e colocou dentro da de Myren. Dez segundos. Apenas isso. Ela conta devagar, enquanto a platéia gritava implorando para ela sair.
Até que sente os dentes afiados de Myren raspam em sua canela, e vem a dor, a fazendo dar um pulo e sair de dentro da boca de Jeneviv também.
Ela só vê sangue, mas percebe que a platéia não viu, então dá uma estrelinha pra dentro das coxias, sinal para as duas irem embora também.
Lia cai no chão, pressionando a mordida que não foi proposital nem muito grave, mas sangrava um pouco.
— Lia! - Elliot para em seus pés, abaixado ao seu lado, encarando o sangue. - O que raios aconteceu?
— Nós vimos ela te morder. - James diz, surgindo com Isabelle e Marlon.
— Foi minha culpa. - Ela balbucia, procurando Myren, e quando a acha, a vê chorando num canto. - Myren...
— Vamos fazer um curativo nisso. - Antes que possa contestar, Elliot a pega no colo e a tira dali, entrando no camarim.
Lia cora, mesmo com a dor.
— Sua apresentação foi incrível. - Ela diz, sorrindo, e ele nem a olha. - Elliot.
— Ah. - Ele a encara. - Obrigado. Desculpe, estou preocupado.
— Não fique. Eu estou bem. Foi só um acidente. - Ela sorriu, e Elliot se apoiou na mesa.
— Okay.
Eles continuam a se encarar, e dessa vez quem o beija é Lia. Ela sorri, se separando dele e ignorando as gotas de sangue que escorriam para o chão.
— Não queremos que você morra de hemorragia, não é?
(...)
— Minha bebê. - A voz de sua mãe estava fraca.
Lianna encontrava-se deitada na cama, com a pele pálida refletindo nas luzes. A doença já havia tomado conta de quase todo o seu corpo morrendo, e naquela noite todos sabiam que ela ia.
Lia estava encolhida no colo da mãe, e segurando a mão do pai, que chorava, encarando a esposa com todo amor do mundo.
— Não me deixe. - Ele pede, em vão.
— Meu amor. - ela disse, tocando o rosto do marido cheia de amor, enquanto ele mal sentia o toque de sua pele frágil. - O homem não se entrega aos anjos... Nem se submete a morte... Senão pela fraqueza de sua débil vontade.
Ela fecha os olhos, sentindo uma lágrima escorrer.
— Fraqueza. - Seus lábios trêmulos dizem, e Eric não conseguia mais conter os soluços, acariciando sua mão desesperadamente.
Lia apenas sentia as caricias em seu cabelo rosa e curtinho, sentindo os fracos batimentos do coração dela ficarem cada vez mais lentos.
— Eu te amo, mamãe.
— Eu também te amo, Lia.
Eric fechou os olhos no momento em que sua mão caiu pra fora da cama, e Lia não teve coragem de olhar e não ver sua mãe, a pessoa mais bela que já pisara na terra, mas sim, um cadáver. Aquela não é sua mãe. Sua mãe descansa com Deus agora.
E Eric apenas chorava baixinho, com as mãos no rosto. Lia levantou-se, e o abraçou.
— Vai ficar tudo bem, papi. - disse, tentando lutar contra as poucas lágrimas escorrendo.
— Vai sim, tigrinha.
Ele a abraçou, e ficaram ali muito tempo, de frente para o cadáver. E quando a garotinha abre os olhos, Ben estava ali, os observando com uma arma na mão.
Lia abre os olhos.
Estava no camarim, com um curativo na perna erguida. Deve ter apagado.
— Assim encerramos nosso espetáculo, RESPEITÁVEL PÚBLICO!— ela ouve a voz do seu tio, e desperta para sua lembrança.
Mas mal tem tempo de pular da cadeira.
Vê Enoch a observando, e sua boca despenca de surpresa. Merda. Seus dedos formigavam, e ela tentava bolar uma estratégia para sair viva daquela sala.
— Você sabe, não é?
— N-Não me mate. - Ele instantaneamente ri, mudando o peso de uma perna para outra.
— Não sabe.
— Sei sim. Você... Você matou meu pai.
— Não matei. Eu amava seu pai. - Os olhos de Lia rodavam a sala desesperadamente, alheia as mentiras dele. - Quando meu pai morreu, e ele não conseguiu impedir que minha mãe fosse levada ele me acolheu e me deu emprego.
Ela engole as palavras como um soco.
— Mentira. Vi uma carta sua ameaçando meu pai. Assinada como Enoch.
— Enoch é meu sobrenome, meu nome é Irv. Irv Enoch. Meu pai é o Enoch que mandou isso a ele. Sismou que foi culpa dele minha mãe ter sido levada.
— Não acredito nem morta. - E nesse instante se amaldiçoou por ter dito morta. Ele irá mata-la.— Por que ela foi levada?
— Ela era diferente. - Lia faz uma cara confusa, refletindo mais sobre suas chances de correr do que o que ele falava.
— Se não matou meu pai... Me deixe ir.
— A vontade. Só estou aqui para dizer para ter cuidado com seu tio. E... que quando as coisas começarem a aparecer, o circo vai pegar fogo, e terá desejado ter me ouvido.
Dito isso, Lia nem estava mais dentro da sala, já corria igual louca com uma dor exorbitante na perna. Pelo menos não a impediu de correr. Ela para, encostada na tenda para recuperar o fôlego. Um grupo de crianças a vêem e sai correndo para falar com ela, que tenta arrumar a cara assustada o máximo que consegue e para dar atenção as crianças que sorriam felizes ao reconhecerem ela da apresentação dos tigres.
— Os tigres dão medo? - Uma menina de vestidinho engomado pergunta.
— Eles são meus amigos.
— E as aberrações? - Ela perdeu a apresentação das aberrações porque estava apagada. Que coisa.
— Também são meus amigos. - Garotinha a encara assustada, e a mãe trata de tirar as crianças dali.
Ela suspira, aliviada, e antes que possa descansar uma voz a chama.
— Calv?
— Meu Deeeus, eu quase tive um infarto! - ele sorri. - Foi incrível! Você é incrível!
Lia mal consegue sorrir, ele já estava falando animadamente de novo. - Eu senti falta desses espetáculos.
— Que bom que gostou. - Ela sorri, cruzando os braços.
— Eu achei que iam te morder, juro. - Ele desce os olhos para sua perna e seu sorriso some. - Te morderam.
— Foi um acidente. - Ela sorri, sacudindo a perna. - Viu? Nada demais, só um arranhão. Confio em Myren.
— Espera, o tigre tem nome? - Ele ergue uma sobrancelha.
— É ela! - Lia ri, assentindo, e ele ergue uma sobrancelha. - Jeneviv e Myren.
— Nomes lindos.
— Quer conhece-las? - Ele arregala os olhos.
— Eu posso?
— Só pessoal autorizado.
— E você me autoriza?
— Sim. - Ela sorri, e ele a acompanha pra dentro do circo, dando a volta até o camarim, onde as tigres estavam presas e deitadas no chão, descansando.
— Uau, elas são lindas. - ele sorri. Lia fez o mesmo, enfiando o braço na grade. - Myren, Jeneviv. Hey, minhas lindezas.
As duas levantaram e foram até eles, recebendo caricias. - Esse é o Major.
As duas olham para onde ela aponta, e a encaram, confusas.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!— Ele pode fazer carinho em vocês?
As duas negam com a cabeça, e Calv arregala os olhos.
— Eu não posso fazer carinho em vocês?
— Sério? Todo mundo que presencia elas me respondendo ficam espantadas com isso.
— Eu venho de um lugar estranho, gata. - Ela ri, passando a mão em seus pelos embaraçados. - Elas são as coisinhas que mais amo no mundo.
— Elas são sortudas. - Ele sorri, e Lia o encara, corada.
— Não acho. - ela comenta, encostando o rosto na grade, e Major se abaixa ao lado dela, fitando seu rosto. - Você é muito estranho, Calv. É como se nem existisse.
— Eu não existo. - Ele afirma com convicção e um sorrisinho, se sentando e encostando na grade.
— Onde você nasceu? - ela insiste.
— Louisiana.
— Por que eu acho que te conheço?
— Você provavelmente já viu fotos minhas. - Seus olhos doces a fitam.
Nesse momento Lia se recorda de onde o vira.
A reportagem na sala de seu tio. A droga da reportagem. Ele estava em uma delas. O antigo mágico do circo assassinado por aberrações. Tinha o exato rosto de Major Calvin.
— Não é possível. - Seus olhos perdem o brilho, encarando-o com um sorriso amarelo e sem respirar. Ele não moveu um dedo.
— Com quem infernos está falando? - Camille pergunta, surgindo na sala e logo cruzando os braços de frente para ela.
Lia fita o rosto seco de Camille. Ai meu Deus.
— Você não pode ver ele? - Lia pergunta, arregalando os olhos e pressionando os lábios um no outro.
— Me poupe, menina estranha. - Ela revira os olhos, e sai andando. Lia não tem coragem de olhar para o lado, seus olhos cheios de lágrimas fitavam a parede como se sua vida dependesse disso.
Não, não, não...
— Eu estou aqui. - Calv murmura, respirando fundo.
— Você morreu. - Ela afirma novamente, sem mover os olhos. Tudo tremia.
— Sim. Sou fruto da sua imaginação. Você me imaginou, e minha função era ser um garoto real até essa noite. - Ele diz, sem parar de encara-la com os olhos doces.
— É mentira. - Lia nega, com a respiração descompassada e os dedos tremendo.
— Eu estava te chamando no dia que Charles morreu. Meu dever aqui é te ajudar a descobrir a verdade. - Lia o fita pela primeira vez desde que Camille saiu.
— Você sabe quem o matou?
— Sim.
— E o que acontece essa noite?
— Você vai ter vinte e quatro horas para descobrir tudo ou mais coisa irá acontecer.
Lia respira fundo, se lembrando que Hector não consegui ver Calv.
"- Eu costumava ir muito em apresentações de circo.
— Por que parou?
— Aconteceu um acidente"
— Se eu te imaginei, posso te mandar embora. - Major assente, encarando-a com pesar.
— Some. Não te quero aqui. - E ele obedece, virando poeira.
Agora Lia estava sozinha com as tigresas. Tudo estava desmoronando. Trocou de roupa, e entrou na jaula das duas, deitando sobre Myren e abraçando Jeneviv. Com elas estaria segura.
(...)
O berro de Lia é a primeira coisa que todos ouvem ao amanhacer. Myren rugia alto, parada perto do corpo insanguentado de Jeneviv.
Elliot é o primeiro a sair correndo em direção ao camarim, e a primeira coisa que vê é Myren pronta para rasgar o rosto de Lia.
— LIA! - Ele grita, correndo em disparada, e ela se joga para o lado, escapando por pouco. Myren não parava de rugir alto, com ódio emanando de seus dentes, pronta para ataca-la de novo. O maquinista Han já abria a jaula, no momento em que ela acertou o braço de Lia, que gritou e se jogou contra a porta aberta. O domador Groot e Olorax forçam a porta da jaula, impedindo que ela abrisse.
Elliot abraça Lia caída no chão e com a mão pressionando o ferimento. De novo, ferida por um tigre. Isso estava virando rotina.
Lágrimas descontroladas escorriam de seus olhos enquanto todos estavam estáticos e conversando exaltados, observando tudo.
— O que é isso? - Ben aparece, fitando aquela cena. Myren rugia descoltroladamente para o corpo da irmã. Era um rugido de dor, e Lia notou isso.
— Onde está a Madame Levour? Precisamos dela! - Elliot diz, antes de xingar um palavrão e sem parar de pressionar os dedos de Lia contra o ferimento.
— E-Ela... - Lia gagueja, encarando o corpo de sua tigrinha. Morta.
— Eu sei, Liazinha. Você vai ficar bem.
— N-Não.. E-Ela não faria.. isso. - Ela balbucia, desorientada.
— Sinto muito.
Madame Levour chega as pressas, junto com Isabelle e James.
— Ai meu Deus! - Isabelle tapa a boca, e ele segura a irmã, a impedindo-a de voar no pescoço na garota que não parava de encarar Myren.
Elliot a pega no colo gentilmente.
— Continua pressionando. - Ela assente, movendo seu olhar para ele. Lia não ligava. Só queria saber o que aconteceu.
Ele vai correndo com ela no colo até seu quarto, onde Madame Levour logo apareceu com material de hospital.
— Okay, eu só quero Elliot aqui dentro. - ela diz, e todos se afastaram.
— Se aquela coisa quisesse ter matado ela, tinha arrancado aquele bracinho fora.
— Cala a boca, Groot.
E Hector é a última coisa que ouve antes de Elliot segurar sua mão. A senhora limpava o ferimento com agilidade, e ela apenas encarava seu amado, fazendo caretas com a dor absurda.
— Já vai passar. - Ela assente, recebendo carícias na mão.
Lia só conseguia pensar em Myren. E Jeneviv. Jeneviv estava morta, e Myren... Myren nunca mataria sua irmã. Lágrimas começam a brotar como um choque de realidade. Tudo estava desmoronando.
— Olha só, nem vai precisar de pontos. Foi só raspão de uma das garras. - A esse ponto Lia não ouvia mais nada, apenas encarava o teto. Elas eram sua família, e isso foi tirado dela também.
A velha fez um curativo grosso, e deu um beijinho em cima.
— Porntinho, querida.
Lia nem a olha, apenas se senta, abraçando os braços e começa a chorar. Elliot vai até ela e a faz apoiar a cabeça nele, enquanto acariciava seu ombro.
— Eu cuido dela. - Ele murmura, e Madame Levour sai. - Eu sinto muito, tigrezinha.
Ela solta um soluço, sem erguer os olhos.
— Eu amo elas. Mais que tudo. - Lia o encara. - Myren nunca faria isso, Elliot. Nunca.
— Mas fez. Ela te feriu. Você não vai chegar perto dela de novo. Eu sinto muito, Lia, mas é a verdade.
— Espera. O que vão fazer com Myren?
Elliot não consegue responder, apenas a encara, sem saber o que fazer. Mas ela sabe exatamente o que fazer.
Ela pula da cama, pula pra fora do trem, e corre. Corre o mais forte que consegue, procurando desesperadamente onde eles estavam. Um rugido a guia, e ela corre rente o trem, até passar para o outro lado e pula no rio, atravessando-o o mais rápido que consegue, avaliando que não daria tempo de ir até a ponte.
Voltando a correr entre as mil árvores, ela finalmente vê Myren acorrentada e sendo puxada, enquanto Ben mirava sua pistola.
— NÃO! - a voz sai avassadoramente alta de sua garganta, e todos olham imediatamente. Mal se vê e já está correndo, mas Olorax a agarra e tira-a do chão. - NÃO! BEN, NÃO A MATE! NÃO FAÇA ISSO!
As lágrimas não paravam de correr um segundo, e o desespero corria por suas veias. Ela só conseguia gritar e esperniar, encarando os olhos de Myren. Os azuis e redondos da única família que lhe restou. E Ben atira, segurando o rifle que matara seu pai.
Aquilo foi o estopim, ela chuta a barriga de Olorax, já se lançando contra o tio, e soca com toda força o braço do homem alto, logo substituindo por um chute que é impedido por ele num impurrão que a faz ir ao chão.
Suas lágrimas estampam a terra, e seus olhos vermelhos doíam mais que seu braço. Ele matou Myren. Suas tigresas estavam mortas.
Isabelle começa a chorar também, sendo abraçada por James que desvia o olhar. Camille, os amigos de Elliot saem andando junto com a maioria. Apenas Elliot se junta a James e Isabelle, decidindo dar espaço a ela, que rasteja até o corpo de Myren, e a abraça, enchendo seu pelo de lágrimas.
(...)
Já se passara uma hora hora e meia que ela estava agarrada ao corpo da tigresa morta, e Elliot não havia se mexido. Estava ali, sentado longe dela, esperando-a.
Tinha parado de chorar, apenas fez o que fez com sua mãe: ficou com aquele corpo vazio. Aquela não era Myren. Myren caminhava com Jeneviv no Paraíso. Aquilo era apenas um saco de ossos e pelo mortos.
Mas não conseguia levantar.
— Você não precisava ficar aqui. - Lia diz, com a voz rouca por não ter dito uma palavra sequer em uma hora.
— Tinha sim. Eu te amo.
Ela ergue as sobrancelhas, chocada, mas responde.
— Eu também te amo.
Não dizem nada por mais tempo, até ela se levantar, e ele vai junto. Ajeita os cabelos antes molhados e respira fundo.
— Temos três assassinatos para resolver.
— Sim. - Ele diz, e coloca a mão em suas costas, e voltam assim.
E na penúmbria da floresta, Lia vê Major parado entre as árvores, o que a faz pular de susto e agarrar os braços de Elliot.
— O que?
Calv sussurra:
— Confie no Enoch.
E pela primeira vez ela pode refletir sobre as palavras de Enoch. Merda, ele estava falando a verdade. Não matou ninguém. Mas não tinha certeza, e não podia correr o risco de confiar nele.
— Você não pode ficar sozinho. - Ele ergue as sobrancelhas. - É sério. Algo vai acontecer hoje.
— Lia...
— Prometa. Não quero que se machuque.
— Eu prometo. - Ele sorri, por ela. Estava abalada demais que nem conseguia falar.
— Certo.
— Ótimo. Nós vamos roubar uma arma. - Ele arregala os olhos, mas não contesta.
Os dois vão para o vagão dos cavalos, e Lia abre a porta da jaula, fazendo as éguas saírem felizes rumo a tenda.
— Precisamos de uma distração. - Ela sai correndo ao lado de Elliot, que ria descontroladamente de Olorax e Groot tentando pegar as éguas.
Com os pés esguios, Lia entra no vagão do tio e logo pega a chave, antes de seus dedos procurarem a arma. Assim que a toca, tem que usar todas as emoções dentro de si para não surtar.
— Controle-se, Lia, ou mais gente vai morrer. - Ela vê Calv no fundo do vagão, sentado na cama.
— O que eu faço? - Ela sussurra, para Elliot vigiando a porta não ouvi-la.
— Não sei. Sou só sua consciência. - Ele sorri, e ela revira os olhos.
— Certo. Enoch não matou meu pai, você é o espírito do antigo mágico que eu imagino quando estou entediada, minhas tigres foram assassinadas e eu não tenho ideia do por quê...
Lia o encara.
— Sim. Esse é o ponto. Meus pêsames, a propósito.
— Myren não matou Jeneviv. - ela quase cospe as palavras, ignorando as condolências. - Foi alguém daqui. E eu tenho uma arma para achar.
Seus pés saem correndo pra fora, e Elliot fecha o vagão, penando para alcança-la.
— Myren é inocente. Alguém matou Jeneviv.
— E por que ela te atacou?
— Algum tipo de... defesa.
— Certo, acho que você está viajando.
— Não. Temos que ir até o corpo de Jeneviv. - Ela corre novamente, ignorando o olhar dos companheiros de circo, e entra os dois no camarim. Jeneviv ainda estava lá. Eles nem ao menos tiraram ela dali.
— L-Lia, você está bem mesmo? - Ele pergunta, vendo-a friamente analizar o corpo.
— Não são garras. Garras tem um padrão de espaçamento entre as três. E esses cotes são cada um para um lado. - Elliot senta ao lado dela.
— Meu Deus. Você está... Em choque. - Ela suspira, o encarando.
— Não estou. Sei muito bem o que estou fazendo. - Ele respira fundo, tocando seus ombros.
— Okay. Fique sozinha o tempo que precisar, vou ver o que vão fazer com as duas...
— Certo. - Ela diz. - Não fique sozinho.
— Uhum. - Lia sabia que ele não acreditava nela, mas nunca teve tanta certeza de algo.
Elliot a beija lentamente, antes de abraça-la, e sai.
E ali estava ela, em pedaços.
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