Félix saiu do quarto o mais rápido que pôde, e logo em seguida vieram vários meninos carregando uma enorme tina. Enchendo-a obstinadamente com baldes de água, um seguido do outro. Não demorou muito e a banheira estava saindo fumaça com a água quente. Sem dizerem uma palavra, eles foram embora mais uma vez. Então Piuí apareceu pela porta, carregando sabonetes, escovas e mais coisas que ele não conhecia.

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— Pan disse pra te trazer. Falou que garotas usam essas coisas.

Wendy deu uma risada cansada.

— É, nós usamos.

— O que é isso? - Perguntou o garoto apontando para uma pequena escova dourada, do lado de uns palitos estranhos e uma caixinha redonda.

— Escova de dentes, eu uso essas coisas para eles estarem sempre limpos.

O garoto passou a mão nos próprios dentes, nunca tinha escovado antes. Depois olhou para os dentes bem cuidados de Wendy e sentiu vergonha, fechando a boca o mais rápido que pôde. Tentou ignorar seu embaraço e pegou uma outra coisa parecida, mas maior.

— E essa?

— Escova de cabelo, para que ele não fique cheio de nós.

E apontando para outra coisa igual, perguntou mais uma vez o que era.

— Essa também é uma escova. Passamos sabão e depois esfregamos nosso corpo.

— São escovas demais, é impossível que precise de tudo isso.

Wendy deu mais um sorriso para ele, quase maternal, depois pegou um pequeno frasco no meio de todos os outros produtos. Um perfume rosa claro, imaginou onde Peter tinha conseguido aquilo tudo.

— Olha, me disseram que hoje vai ter uma festa. O que acha de tomar um banho também? Eu te dou metade do meu sabonete, e você vai no rio se lavar. Depois volta, eu te arrumo como um cavalheiro e passo perfume em você, o que acha?

Os olhos do menininho brilharam com encanto, sem coragem de falar qualquer outra coisa, ele concordou com a cabeça ansiosamente e deu um sorriso inocente, como de uma criança deve ser.

— Depois que estiver descansada, mamãe, eu volto.

Ela sentiu a pressão do nome em seus ombros, mas preferiu ignorar. Lhe deu um pedaço do sabonete e o viu sair rindo. Quando estava prestes a se preparar para seu banho, Félix entrou mais uma vez.

— Não se entra no quarto de uma dama sem bater. - Ralhou ela.

O adolescente enrubesceu, não entendia de bons modos ou como tratar uma dama. Apesar de ser mais velho que os outros, era tão ignorante quanto. É claro que ele não estava interessado em aprender boas maneiras, muito menos daquela menina metida.

— Pan mandou que eu trouxesse isto. - Ele mostrou um vestido, não se lembrava de ter visto coisa tão elegante em toda sua vida.

Wendy arregalou os olhos. Ele tinha um corpete que vinha desde abaixo dos seus seios até sua cintura, como eram os vestidos da mulheres de mais alta classe da sua época. O decote canoa recamado acompanhava o desenho de sua clavícula, a manga era levemente bufante e terminava em uma renda benfeita. Wendy conteve um suspiro, ainda não tinha começado a frequentar os bailes ingleses, então nunca tinha usado um vestido daqueles. E era a primeira vez que via um tão bonito.

— Ele quer que eu use isto aqui? - Perguntou ela gesticulando para o quarto, mas querendo falar de toda a selva e sujeira do lado de fora.

Félix não se deu o trabalho de responder, ele deixou o vestido em cima da cama e foi embora com seus passos apressados. Não queria admitir, mas ele bateria da próxima vez que precisasse ir lá.

Wendy olhou bem para cada detalhe da roupa, depois suspirou fundo e se preparou para seu banho. Viu um pequeno frasco amarelo de essências e derramou na água. Quando percebeu que estava incrivelmente perfumada, não resistiu e entrou pronta para um banho relaxante.

Não soube dizer quanto tempo ficou ali, passando repetidas vezes o sabão pelos braços e pernas. Aproveitando a água quente descendo pelo seu corpo, pela curva dos seios ou a linha das costas. Ela foi mergulhando devagar, um pouco sonolenta, quase dormiu ali mesmo. Quando finalmente tinha acabado, todo seu corpo tinha um maravilhoso cheiro de gardênia.

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Wendy colocou o vestido com cuidado. Depois prendeu seu cabelo com um laço, como costumava fazer em casa. Seus lábios eram naturalmente rosados e suas sobrancelhas pareciam sempre penteadas, mas fez um esforço, aqui e ali para estar com sua melhor aparência.

Ela procurou por um espelho no quarto, o que mais chegava perto era uma faca longa de prata. Wendy era vaidosa como todas as outras meninas inglesas. Gostava de fitas e vestidos bonitos, mas nunca tinha formado uma opinião sobre a própria aparência. De vez em quando reclamava do próprio sorriso ou que tinha maçãs do rosto altas demais. Mas naquela noite, se pudesse se ver no espelho propriamente, até mesmo ela teria reconhecido o quanto estava bonita.

Piuí voltou pouco depois, pronto para ser arrumado como um garoto bem comportado de Londres. Wendy passou perfume e penteou seus cabelos, rindo quando o garoto fazia careta. Depois ajeitou sua roupa da melhor forma que podia. Então, como sua mãe fazia quando acabava de lhes vestir, ela deu um beijo cheio de ternura na testa do menino.

— Olha só que rapaz elegante. - Falou ela com carinho.

O garoto não sabia como responder, nunca tinham dado um beijo na testa dele antes. Nunca tinham arrumado seu cabelo ou ajeitado sua roupa. Sem que pudesse impedir, lágrimas começaram a brilhar nos seus olhinhos pequenos. Ele era forte, não chorava por machucados ou ferimentos, mas não conseguia ser forte quando uma garota lhe mostrava um pouco de bondade.

— O que foi, Piuí?

Ele deu um abraço desajeitado e ansioso em Wendy. A menina, inicialmente surpresa, passou os braços em volta do corpinho magricelo do menino.

— Eu sinto falta da minha mãe. Eu quero ir pra casa. - Era a primeira vez que dizia isso, desde que aprendera o que acontecia com os meninos que se recusavam a ficar. Ele não se lembrava como era sua família, mas ele sabia que teve uma um dia. Assim como todos os outros meninos perdidos também sabiam.

Não aguentando segurar suas lágrimas, ele se entregou ao pranto. Wendy, sendo tomada por instintos maternais, pegou o menino no colo e o embalou com cuidado. Isso o acalmou milagrosamente, e estando em seus braços, ele começou a se arrepender de parecer um bebê chorão na frente dela.

O choro do rapazinho miúdo fez Wendy pensar em sua casa. Nos seus pais, seus irmãos e Bae. Oh, como eles deviam estar preocupado com ela. Será que tinha se precipitado ao deixar todos para trás? Podia pelo menos dizer para Bae que estava bem, era uma pena que ali não entregavam cartas.

— Por que você não volta para casa? - Perguntou Wendy inocentemente.

E naquele momento o menino percebeu o erro que tinha cometido. Não podia ter falado nada disso na frente dela, Pan tinha sido claro. Ele podia ser só um garoto, mas não era burro. Peter Pan não queria que a garota notasse que aquele lugar não era o paraíso que parecia.

— Meus pais me abandonaram, eu tô melhor aqui. - E dizendo isso, ele retomou sua postura anterior. - Não preciso deles, aqui somos uma família. - Mas a voz dele falhava, e lhe faltava convicção.

Desvencilhando-se dos braços de Wendy, Piuí se aprumou e limpou as lágrimas.

— Um rapaz elegante não chora. - Falou ele com certeza, como se soubesse exatamente o que rapazes elegantes faziam.

Wendy deu um sorriso, aliviada por ele estar bem no final das contas. Mas aquela conversa já a tinha feito refletir mais do que deveria. No entanto, naquele momento, tinha outras coisas para preocupar sua cabecinha.

— Você vai ser meu par, cavalheiro?

— Papai que devia ser seu par, Wendy. - Podia não ser a melhor escolha, mas fazia mais sentido para o menino.

Wendy lhe respondeu com uma risada.

— Papai?

— Sim, Pan. Você é a mãe, ele o pai. - Explicou ele como se fosse óbvio.

— Ele entenderá. - Disse ela rindo e esticando sua mão e mostrando para Piuí como deveria conduzi-la.