Obscure Grace

Capítulo 22


Às vezes as coisas mais evidentes se escondem debaixo do nosso nariz, e quando elas se revelam isso pode gerar aquele típico pensamento de "não acredito que eu não vi isso antes". Será que foi mesmo tão fácil quanto pareceu encontrar todas aquelas saídas?

Agora que a ideia me ocorreu, várias outras se juntam a ela e contribuem para que fique cada vez maior. Toda vez que eu imaginava algo que poderia estar errado aqui e ali e ia conferir, realmente estava.

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Quando encontrei o fio solto no tapete, já acreditava que alguma coisa não estava em seu lugar. O Hospital de Rafa foi minha primeira opção, também. Na casa da vovó, bastou imaginar o celular para que ele aparecesse magicamente diante de mim.

Dá pra fazer o que você quiser nesse lugar. Estar onde quiser, e quando quiser. Você até pode fazer nevar no Rio de Janeiro!, a Paula me disse. Talvez ela estivesse certa.

— Não funciona exatamente assim — corta Leo, e a animação se esvai de mim. — Você pode manipular um pouco o ambiente, sim, fazer aparecer algum objeto ou até criar uma mudança de clima, por exemplo. Com um pouco de treino, consegue afetar as projeções, mas não tem nenhum poder sobre as pessoas reais, como eles lá. Além de tudo, são milhares, e você é só uma.

Volto a olhá-los. Cada qual está estudando o exército oponente. A ilha à nossa volta é uma simples porção de terra no meio de um rio, e estranhamente familiar. O chão é coberto por uma grama escassa e muitas árvores pontilham o horizonte conforme este se aproxima do rio, mas o centro onde estamos é uma grande clareira.

— Em formação! — grita Natanael, e com esse comando todos os anjos se unem em várias fileiras ao mesmo tempo que Will se coloca em posição de ataque e todos em seu lado seguem o exemplo.

— Melissa! — Leo segura meus ombros. — Você não pode ir lá. Vão acabar contigo.

Não há mais tempo; um grito coletivo corta o ar e os grupos se lançam um contra o outro, acompanhados pelo som de metal se chocando com metal provocado pelas facas.

— Puta que pariu — praguejo sem querer e me afasto involuntariamente. No meio da confusão, um dos caras de terno é atingido e explode numa luz forte o suficiente para me cegar por um instante.

— Corre! — Leo me puxa pelo braço para mais longe do conflito, mas é inútil: em pouquíssimo tempo, chegamos ao limite da ilha e tudo que há em nossa frente é água. Ele se ajoelha e molha o rosto. — Droga, droga, droga. Precisávamos de mais tempo!

— Vocês têm alguma vantagem? — pergunto e me sento ao lado dele.

— Bom, sim — responde em voz baixa. — Podemos matá-los e eles deixam de existir para sempre, liberam sua energia e tudo está acabado, mas eles não podem nos matar. Os seres humanos têm uma alma que não desaparece, e isso é o que torna os descendentes de anjo uma ameaça tão grande.

— Então o que os anjos podem fazer contra vocês?

— Basicamente, trancar nossa alma numa espécie de inferno particular. — Sua expressão se torna sombria.

Sei que não posso fazer nada contra eles, e isso é uma droga. Não há nada pior do que se sentir impotente.

— Leo — chamo e agarro o braço dele ao ver algo se movendo no rio. Está se afastando, já bem longe, mas o contorno do barco é inconfundível. Ele segue meu olhar e fica boquiaberto.

— A gente tá no próximo estágio! — exclama, se levantando num pulo. — Não sei se fico mais surpreso com isso ou com o fato de que a gente ainda continuou se aproximando mesmo depois de você mudar a memória.

— As duas coisas! — Levanto junto e uma nova onda de determinação me atinge. Pode dar certo.

— Precisamos ir atrás do Will — diz ele. — Acho que ele pode te levar pro último estágio daqui. Concordo com a cabeça e começamos a correr de volta. Meu coração não para de dar pulos desesperados, mas não o culpo por isso. Chegou a hora.

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Quando encontramos o conflito, ele já tomou proporções maiores do que eu imaginava: milhares de pessoas estão lutando por seus ideais incansavelmente, girando as armas e tentando acertar o máximo de oponentes possível.

— Não consigo ver onde ele está! — grito por cima do barulho quando paramos perto das árvores. Estão muito longe.

Os anjos só precisam tocar com sua faca em um inimigo para que este desapareça sem deixar rastros, mas explodem em luz quando são atingidos. Não vejo vantagem em nenhum dos lados, pois ao mesmo tempo que um anjo atinge vários homens com sua faca, outros são mortos pela família de Leo.

Uma força invisível começa a me puxar para mais perto, mas não metaforicamente, algo está mesmo me puxando. Preciso correr, ou meus pés se arrastariam no chão.

— Leo! — grito. Ele estende a mão para tentar me segurar, mas já é tarde demais. Continuo sendo levada e em pouco tempo já estou no meio da luta. Um engravatado nervoso brande sua arma na minha frente, mas passo por ele antes que possa fazer algo.

Então, uma mão agarra meu pescoço e me ergue no ar. Balanço as pernas, buscando desesperadamente por ar. É irônico estar morta e ainda me sentir desse jeito. Seguro com as duas mãos o punho do homem, numa tentativa de me puxar pra cima e aliviar um pouco o aperto, mas tanto isso quanto os chutes no ar que estou dando são em vão.

— Você? — exclama ele, e o reconheço como Natanael. A briga à nossa volta continua a todo vapor, mas parece que estamos separados de todo o resto. — Você é a razão de tantos problemas? Uma garotinha? — Seu deboche é acompanhado por uma risada seca enquanto seus dedos apertam mais o meu pescoço.

— Me solta — murmuro, mas a voz não sai. Um enorme desespero me invade e começo a chutar o vento com mais intensidade.

Várias explosões de luz acontecem, bem perto, o tempo todo. Os gritos aumentam em volume e quantidade.

— Tenha bons sonhos — cospe ele, cheio de desdém, e começo a me sentir fraca. É essa a sensação de desaparecer? Inferno particular... Se esse é o céu, nem quero imaginá-lo.

Meus olhos pesam e não consigo mantê-los abertos, como se estivesse apenas com sono, mas ainda assim posso ver a coisa mais surpreendente que já aconteceu desde que nasci: uma ponta prateada rasga o terno do homem que está me segurando ao surgir em seu peito, e com o susto seus dedos afrouxam o suficiente para que eu caia no chão.

A batalha continua acontecendo, mas não presto atenção nela. A pele de Natanael começa a se tornar pálida aos poucos, até que fica branca como papel. Nesse momento, ela se rasga e todo o seu corpo explode em uma luz tão forte que me obriga a fechar os olhos.

Quando os abro novamente, há alguém segurando uma enorme faca na minha frente.

— Essa foi a última morte — diz Raziel, olhando com uma expressão furiosa para lugar nenhum.

Me levanto, começo a caminhar involuntariamente para trás e depois me viro para correr, desviando da confusão. Encontro Leo com o olhar, um pouco longe, lutando contra uma mulher de terno. Ele se desvencilha dela quando me vê e lhe dá um soco no rosto, fazendo-a cair inconsciente no chão.

— Lis! — grita, e começa a correr de encontro a mim.

Um par de braços me agarra e começo a me debater. De novo não! Enquanto isso, as brigas particulares se atenuam conforme todos percebem que o chefe dos anjos se foi.

— Ei, ei! — chama a voz de Will, e paro de tentar bater em seu rosto quando vejo que é ele. — Se ainda quiser ir, tem que ser agora.

Olho para Leo. Ele para de correr, provavelmente entendendo tudo, e sorri para mim.

— Até logo — diz. Não posso ouvir sua voz, mas entendo isso lendo seus lábios.

— Até logo — repito. Uma pequena eternidade corre antes que as lágrimas comecem a escorrer pelo meu rosto outra vez. Não me importo com isso e nem vou secá-las.

— Não chora — pede Will, limpando uma delas com o polegar. — Sabe que eu não gosto quando você chora. Vai ficar tudo bem. Precisamos ir agora.

— Certo — concordo. — Comeu sua barra de chocolate?

É como nosso pequeno universo particular em meio a tanto caos e desordem. Will envolve minha cintura com seu braço e se certifica de que eu estou firme. Num gesto que parece ter o objetivo de me acalmar, ele entrelaça os dedos de sua mão livre nos cabelos da minha nuca.

— Não — responde. Estamos muito próximos um do outro, e dá pra sentir a respiração dele na pele. — Vou ter que me contentar com a adrenalina. — Seu rosto se aproxima cada vez mais e ele fecha os olhos, parando a dois centímetros de tocar seus lábios, que estão curvados num pequeno sorriso, nos meus. — Com sua licença, senhorita.

O sorriso desaparece e no lugar onde estava sua covinha fica uma pequena e fofa marca. Durante uma fração de segundo, nada acontece, mas logo na seguinte coloco as mãos em suas bochechas e acabo com o minúsculo espaço que há entre nós. O calor de seu corpo aos poucos passa para o meu, mas seu nariz está gelado quando roça na minha bochecha. Seus lábios, ao contrário, são quentes e macios, mas há uma rachadura bem no canto inferior que me arranha e faz cócegas. Consigo sentir o coração dele bater mais rápido.

Quando abro os olhos novamente, a confusão à nossa volta quase desapareceu.

— Me beijou só pela adrenalina? — brinco, e confesso que espero um "sim".

— Por isso também — responde ele. — Mas já faz um bom tempo que eu quero beijar você.

Começo a sorrir, mas a lembrança de algo me impede de continuar.

— Will, o Raziel...

— Eu vi — interrompe ele. — Vamos cuidar disso, eu prometo. Tudo vai ser resolvido. — O ceifeiro toca seu nariz gelado no meu. — Talvez ele tenha desistido de ser o cara mau, ou talvez estivesse encenando durante todo esse tempo. Quem pode dizer? Tenho tanta certeza quanto você. Agora se segura firme em mim, vamos fazer uma última viagem.

Fecho os olhos mais uma vez e sinto o mundo girar. Estou um passo mais perto de ter tudo de volta.