Dear Diary,

Capítulo 7 — Super-herói, sério?


Querido diário,

Eu não acredito em super-heróis. Parei de acreditar nisso quando meu pai se transformou no que é hoje. Ainda assim, durante essas duas semanas de aula uma fenda se abriu no meu mundo escuro. Essa fenda foi Michael. Não sei o que aconteceu, mas desde que ele falou comigo na aula de química, constantemente está “por perto” mesmo quando não está presente, o que pode ser paranoia minha. Naquele dia, quando ele foi para o chuveiro, Vanessa se aproximou de mim com a sua trupe e disse que eu ia me arrepender amargamente por não tê-la ouvido, que Michael era dela e eu não passava de uma mosca morta imprestável e sem beleza. Eu entendi o recado, aquela cena do banheiro na primeira semana de aula não seria nada perto do que viria depois, eu tinha certeza. Me sinto idiota por não revidar, mas o que eu poderia fazer contra ela? Principalmente contra os brutamontes do time de futebol? Por alguma razão, Michael estava “me rondando” e eu ainda não sei como lidar com isso, é estranho saber que ele me nota e mais estranho ainda ter ele quase sempre por perto. Ele me faz muitas perguntas, indiquei alguns livros legais pra ele, não sei como, mas ele sempre vinha conversar sobre o título que indiquei em um dia, no outro, dizendo que já havia lido inteiro e pelas perguntas que eu fazia, percebi que ele realmente havia lido. Foi legal descobrir que ele gosta de ler e não é só o “cara do futebol”, embora ele faça isso muito bem.

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Agora assisto aos treinos dele todos os dias, ele diz que eu trago sorte para ele, eu não acredito nisso, mas vou mesmo assim porque gosto de vê-lo jogar. Ele tem almoçado comigo também, e eu tenho percebido o clima histérico do resto do time, a aura de ódio em torno de Vanessa e o choque em todo o refeitório. Eu havia parado de comer no refeitório no primeiro ano, normalmente passava o almoço na biblioteca ou sob a arquibancada do campo. “Nunca vi você por aqui” comentou ele, enquanto comia tranquilamente como se estivesse alheio ao olhar de todo mundo. “Não como mais aqui.” Respondi simplesmente. “Isso não te incomoda?” Perguntei. “O que?” Ele ergueu o olhar, confuso. “Todo mundo tá olhando pra você, acho que isso vai te trazer problemas.” Não queria dizer a ele sobre Vanessa ou os dois caras do time que andavam com ela, Josh e Drake. “Eu não me importo em ficar com você, Ellen. O que eles pensam não é problema meu.” Foi a resposta dele. Confesso que foi, ao mesmo tempo, o melhor e o pior almoço da minha vida. Passamos a estudar na biblioteca, ele melhorou muito em química, gosto de pensar que ele só me propôs estudar junto pra ficar perto de mim, mesmo que eu saiba que não é verdade. Os pais de Michael não são tão perfeitos quanto imaginei, a mãe dele viaja muito por causa da empresa de decoração na qual trabalha, ele sente falta dela, mas ela não parece se importar muito. O pai dele é ex-jogador de futebol e treinador, pega muito no pé dele, e é exigente com os treinos, de quem ele realmente gosta é do seu irmão mais novo, Charlie, que é um garoto calmo, inteligente e que adora basquete. Mas tem medo da pressão do pai e isso preocupa Michael. Não contei a ele sobre os meus pais, tinha vergonha daquilo... não da minha mãe, porque a minha mãe é uma guerreira, mas do meu pai, mesmo que eu ainda o amasse um pouco, eu o achava um fraco. “O que você gosta de fazer no tempo livre, Ellen?” Estávamos nas arquibancadas após o treino. “Hum, acho que o que eu mais gosto de fazer é ler. Quero fazer biblioteconomia.” “Que incrível!” Ele respondeu. “E você? Vai jogar futebol na universidade?” Eu quis saber porque realmente estava interessada nos sonhos dele. “Gostaria. Apesar da chatice do meu pai, eu gosto de jogar.” Confessou e me senti especial por estar ouvindo, acho que ninguém se importava ou mesmo conhecia aquele lado do Michael e eu gostei de descobri-lo.

Mas hoje aconteceu algo que realmente me surpreendeu. Foi depois do intervalo do almoço, quando estávamos indo para nossas aulas, eu tinha história e ele inglês. Íamos conversando sobre música e ele me disse que gostava muito de rock, fiquei interessada em conhecer algumas bandas que ele falou, então, quando entramos no corredor ele me perguntou “Quer ir ao baile de primavera comigo?” Fiquei em choque. Ainda faltava quase um mês para o baile, mas ainda assim ele estava me convidando sem quase me dar chance — ou tempo — para recusar. “Isso é algum tipo de pegadinha?” Eu o olhei, incrédula, e ele pareceu confuso e assustado. “Claro que não! Eu nunca faria algo que machucasse você, Ellen.” Disse a ele que ia pensar e, mais uma vez, não deixei ele me levar em casa, eu não queria que ele visse o meu pai, e tinha medo de que, caso meu pai estivesse bêbado, fizesse algo ruim com ele. Quando as aulas terminaram e eu me preparava para ir para casa, então senti mãos me agarrarem e minhas coisas caíram no chão, meu grito foi abafado quando uma mão tapou minha boca, senti uma dor intensa se espalhar pelo meu estômago, minha visão escureceu, a visão desfocada viu o borrão de uma blusa rosa e a voz dela ecoou na minha mente. “Eu avisei que você devia ficar longe do Michael, não disse? Quem você pensa que é?” Vanessa. Um tremor passou por todo o meu corpo, um gelo tão intenso que meu coração quase parou, não conseguia ver ninguém com nitidez, me empurraram contra a parede e minha cabeça bateu, uma dor ainda mais forte se espalhou por mim, fiquei tonta, manchas pretas começaram a se formar nos meus olhos e um gosto ácido e ferroso encheu minha boca. “Acabem com ela.” Foi a ordem dada, mas o grito de Vanessa que se seguiu interrompeu a surra antes que começasse. Eu não lembro direito o que aconteceu, mas ouvi a voz de Michael tirando satisfações com ela e com Drake e Josh, assim como todas as amigas dela que estavam ali. Eram gritos de fúria.

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Minha mãe foi chamada na escola, para minha sorte — pelo menos nisso — meu pai não estava bêbado, mas não apareceu. Quando eu acordei, Michael estava ao meu lado, era como se eu estivesse sonhando, ele me contou que Vanessa mandou os colegas de time dele me baterem e que quando chegou lá eu estava muito machucada e cuspia sangue. Ele ficou assustado e furioso, bateu em Drake e Josh, gritou com Vanessa e as amigas dela, depois me carregou para enfermaria. A parte ruim foi que ele perguntou de onde vinham todos os hematomas que a enfermeira encontrou no meu corpo, ela disse que não eram de hoje, mas antigos. Eu não consegui dizer nada a Michael, mas vi que ele chorou, os olhos dele estavam preocupados, assustados e ele segurava minha mão. Não sei o que aconteceu com Vanessa e os dois atletas, eu tive que passar no hospital antes de vir pra casa, meu pai chegou bem em casa, até veio falar comigo, minha mãe chorou muito e perguntou por que eu nunca disse nada. Chorei com ela. Michael me telefonou ainda pouco, não sei como ele conseguiu meu celular. “Como você está?” Ele quis saber. “Estou bem.” Menti. “Eu sei que isso não é verdade, queria ter chegado mais cedo, me desculpe... pode confiar em mim, Ellen, eu não quero machucar você.” Eu estava com medo, mesmo que ele estivesse dizendo a verdade, eu tinha medo do que o meu pai podia fazer, não comigo, eu conseguia suportar, mas com ele. “Eu não posso.” Foi tudo que eu disse antes de desligar.

Às vezes, diário, fico imaginando que essas semanas em que ele abriu mão de todos os protocolos para ficar comigo, para ser meu amigo e entrar no meu mundo, foram só um sonho, que nada realmente aconteceu, assim como o ocorrido hoje. Pareceu tão distante, como um conto de fadas em que o príncipe salva a princesa, o herói salva a mocinha, mas eu sabia que não existiam heróis. Meu corpo inteiro dói, não quero ir pra escola amanhã, estou com medo, assim como tenho medo que o meu pai beba amanhã e as coisas piorem. Tudo está muito quieto aqui, minha mãe já veio três vezes saber se eu estava bem, não consigo parar de chorar por ter dito aquilo ao Michael, por ser tão fraca a ponto de sequer me defender de Vanessa... por não contar a ninguém sobre o meu pai... fiquei imaginando Michael me levando nos braços pra enfermaria como um cavalheiro levando sua dama para o castelo depois de ter matado o dragão... talvez eu esteja errada, os super-herois existem, afinal, Michael havia salvado a minha vida, havia me feito ver a luz em meio as sombras pela primeira vez em muito tempo. Ele me notou quando eu não existia, ele me fez sorrir. Se isso tudo foi um sonho, cada dor que estou sentindo agora valeu muito a pena.

Ellen