País Das Maravilhas

Chapeleiro Maluco


Uma vez minha mãe falou que escrever seria bom para se distrair. Deve ser por isso que ela me deu esse caderno, que ela particularmente chama de diário: Para me distrair. Há algumas semanas, meus pais tiveram uma briga feia sobre o bebê que está por vir (meu pai dizia que não poderíamos ter cinco integrantes na casa, mas mamãe era totalmente contra o aborto) e, no final, se divorciaram. Ela não quer que eu me preocupe com isso, mas isso é praticamente impossível.

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Meu pai está agora morando na cidade de São Paulo, enquanto minha mãe, Diego e eu continuamos em São Bernardo do Campo. Admito, não é tão longe assim, papai ainda vem nos visitar uma semana ou outra, mas com certeza não é a mesma coisa. Sinto falta dele.

Ás vezes acho que as únicas razões para eu não desabar totalmente são Anna e Gabriel. Eles realmente se importam comigo; Anna vem aqui em casa pelo menos uma vez na semana e Gabriel me dá presentes, já que está quase sempre ocupado para me visitar. Sem eles, eu com certeza não conseguiria fingir um sorriso para alguém, como estou fazendo agora.

Deixe-me falar uma coisa: Não acredite em demonstrações de afeto. Qualquer pessoa falsa pode te abraçar. Isso é um conselho que levo para minha vida, por experiência própria.

Fechei o caderno e levantei meu olhar súbito para frente e vi em cima de minha escrivaninha no canto do meu pequeno quarto uma moldura com a foto de minha família reunida: Mamãe, papai, Diego e eu. Logo depois enxuguei rapidamente uma lágrima que ameaçava derramar-se.

Levantei-me de minha cama totalmente desarrumada e saí do quarto. Só de pijama rosado, desci as escadas indo direto à sala de estar. Diego estava esparramado no sofá, assistindo algum desenho animado, o dei um cafuné e sentei-me no sofá ao lado. Minha mãe não estava em casa, estava fazendo hora extra.

Peguei o meu notebook, que estava em cima da mesa de centro, e abri meu Facebook. Logo vi que Anna tinha mandado uma mensagem.

Anna: Não pude ir aí hoje, desculpa.

Sorri timidamente com essa mensagem. Era nítido que minha melhor amiga se importava comigo, e isso me deixava aliviada. Anna era uma ótima e velha amiga, nos conhecemos no terceiro ano do ensino fundamental e no nono ano ainda somos inseparáveis.

Você: ‘Tá tudo bem, eu me viro com Diego.

Ela não respondeu, então deixei o notebook de lado. Levantei-me e fui para a cozinha preparar o jantar para Diego e eu. Estava com preguiça, então fiz um macarrão instantâneo — mais conhecido como miojo — e servi para nós dois. Ele, como sempre, não largava o celular, estava provavelmente falando com Jaqueline, sua melhor amiga. Por isso, não falamos nada no jantar.

Isso realmente me incomodava. Já éramos uma família incompleta, e Diego nem olha na minha cara! Revirei os olhos com meu pensamento e voltei a comer. Depois de comer, fui lavar a louça e a campainha foi tocada.

— Atende a porta, Diego. — Eu mandei. — Deve ser mamãe.

Ele — ficando na ponta do pé — olhou pelo olho mágico. Abriu a porta e depois gritou para mim:

— É o Gabriel!

Virei-me rápido para vê-lo e sorri. Ele veio até a cozinha e me abraçou por trás, retribui o abraço e olhei pra ele. Ele umedeceu os lábios, sorriu e bagunçou meu cabelo.

— Tudo bem, baixinha? — Ele perguntou ainda sorrindo. Ele me chamava assim por causa dos meus 1,65m de altura, enquanto ele tinha quase 1,80m.

Eu sorri e o abracei mais forte. Olhei para cima — sendo esse o único jeito de encarar seus olhos — e apertei de leve suas bochechas. Era importante que ele estivesse ali para me apoiar, eu o amava tanto. Ele sempre foi meu melhor amigo junto de Anna, então eu o considerava como um irmão assim como eu considerava Anna.

— Melhor agora. — Eu respondi.

Depois dessa minha fala pude ouvir um gemido de tédio vindo da sala e percebi que era Diego, então ri junto de Gabriel. Soltei-me dele e voltei a lavar a louça, enquanto ele sentava-se na mesa da cozinha.

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— Três mensagens no Whatsapp. — Gabriel comentou, pegando meu celular.

— Larga! — Eu mandei. — Você não vai adivinhar a senha mesmo.

Ele me olhou com uma cara irônica e digitou “Nicolas”, acessando a tela inicial do meu celular. Ele riu enquanto eu corava. Nicolas era o garoto que eu era apaixonada desde a quarta série, mas nunca falei de verdade com ele.

— Eu ainda vou mudar essa senha, você vai ver. — Eu comentei, fazendo-o rir. Adorava a sua risada. — De quem é a mensagem?

— Número desconhecido.

Terminei a louça então me sentei ao seu lado, encarando o celular que ele tinha nas mãos.

— O que ele diz?

— “Não pense que a vida é fácil.”, “Lembre-se de que”, “Alice teve que cair em um buraco bem fundo para chegar ao País das Maravilhas”. — Ele leu e depois me encarou.

Fiz uma cara confusa e tomei o celular de sua mão. Li de novo as mensagens, e de novo, e várias vezes. Depois disso, virei meu olhar para Gabriel e afirmei:

— Vou apenas bloquear.

— Não! — Ele disse mais alto do que devia, chamando a atenção de Diego que ficou nos encarando. — Responda.

Bufei e comecei a digitar:

Você: Quem é você?

Percebendo o que estava acontecendo, Diego veio para a mesa e finalmente largou seu celular. Veio do meu lado e leu as mensagens, depois falou:

— Não devia ter respondido. Pode ser uma pessoa horrível falando.

Ele tinha quatorze anos, não era burro. Ele estava preocupado comigo e isso era bom, saber que ele ainda se importava era bom. Logo depois a pessoa respondeu:

Desconhecido: Pode me chamar de Chapeleiro Maluco.

— Estão de sacanagem comigo? — Perguntei para mim mesma. — É você, não é, Gabriel? Mas já vou te dizendo que, seja lá o que você quis com isso, não deu certo.

Ele fez uma cara confusa enquanto encarava para mim. Ele sussurrou “Não” e então voltei meu olhar para o celular quando ouço o barulho da notificação.

Desconhecido: E qual é o seu nome?

Você: Alice.

Desconhecido: Alice? Mas você não é a mesma Alice, é?

Você: Não. Não sou a Alice que você conhece.

Desconhecido: Claro que não é.

Um silêncio constrangedor surgiu na sala. Eu o coloquei nos contatos como “Chapeleiro Maluco”. Gabriel achou uma péssima ideia. Ele saiu de casa dizendo que aquilo era loucura e que eu poderia me manter em encrenca se continuasse falando com o estranho, e disse para — como eu tinha sugerido no começo — bloqueá-lo.

Chapeleiro Maluco: Afinal, você é mais louca.