Prisma

Prólogo.


Era madrugada e a mulher parada nos jardins tinha um tom de pele bonito, que combinava com seus cabelos negros lisos que caiam pelas costas, roçando no tecido fino da camisola que ela vestia. Os traços do seu rosto deixavam evidente sua descendência indígena e idade, talvez quarenta anos. Fazia frio. Uniu os braços numa tentativa inútil de aquecer-se. Meda encarou a penumbra ao seu redor com a estranha sensação de que havia algo escondido ali, algo que precisava ser notado. Sem conseguir captar o importante detalhe que estava deixando escapar, ela caminhou na direção da construção. A porta estava escancarada, mas não havia qualquer sinal de movimentação no interior.

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Lá dentro, estava ainda mais escuro pela ausência da luz da lua e igualmente silencioso. O assoalho de madeira rangia conforme avançava pelo hall e depois pela sala de estar. As brasas na lareira indicavam que havia apagado fazia pouco. Continuou caminhando até alcançar um corredor com várias portas e que acabava numa escada dupla. Um som desconhecido a assustou, interrompendo subitamente sua caminhada, levando a mão até a boca para abafar o grito que escapou dos lábios.

No final do corredor, o relógio alto badalou três vezes com seu pendulo num balanço hipnotizador. Três da manhã. No meio do caminho, sobre uma mesinha havia um calendário. Uma das datas estava destacada por um círculo vermelho. Nove de Abril.

O ambiente pacífico transformou-se de repente. O silêncio noturno foi interrompido por uma sequência de gritos assustados, várias vozes misturavam-se em pedidos de socorro e exclamações de agonia. Havia também o choro de um bebê. Meda correu até as escadas, saltando os degraus até alcançar o segundo piso. O calor foi a primeira coisa que a atingiu. A mulher sentiu sua pele arder com aquela temperatura insuportável, o ar cheirava mal e ao tentar inspirar seus pulmões foram tomados pela fumaça. O cheiro forte de carne humana queimada a fez lacrimejar.

Todo o andar estava em chamas, labaredas altas lambiam as paredes e faziam partes do teto despencar. No meio do caminho haviam corpos desfigurados pelo fogo. Sua audição atentou-se para batidas frenéticas numa das portas. Naquele pânico, seu primeiro instinto foi correr para salvar-se, ela deteve-se, afinal não podia abandoná-los. Ao fazer menção de mover-se para porta atacada pelas batidas, todo o chão despencou e Meda tentou retornar para as escadas, mas o fogo havia dominado tudo.

Em meio ao inferno, o badalo do relógio cresceu até tornar-se insuportável a audição humana. Ao tampar os ouvidos com a mão, Meda sentiu algo quente escorrer pelas suas mãos e ao afastá-las as viu sujas de sangue.

Sua última visão antes do mundo desabar foi uma figura incandescente pedindo sua ajuda.