Os versos da música de Clarice Falcão entravam pelos ouvidos de Júlio naquela noite fria de Junho, e em seus pensamentos, uma jovem de cabelos cacheados como a concha de um caracol passeava suavemente enquanto o vento lhe balançava as madeixas. Para o rapaz, ela era a dona do sorriso mais meigo e encantador, além de ostentar na face os olhos mais brilhantes que qualquer estrela, atributos que escreviam juntos uma bela poesia.

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Pérola Andrade Maia, ou simplesmente Per, era carioca alegre e extrovertida que adorava a natureza e gostava de cantar. Aos dezoito anos, trocara a bela e ensolarada Saquarema, pela fria e reservada Curitiba, e há um ano e meio fazia o coração do tímido Júlio palpitar todos os dias, em todas as horas, em todos os momentos. Desde o amanhecer até o anoitecer, de modo que já não havia espaço para mais ninguém na vida do rapaz, que passava seu tempo sonhando acordado e esperando com o coração apertado o momento em que teria sua bela rainha de pele bronzeada em seus braços.

No quarto, deitado na cama, Júlio relembrava a primeira vez em que vira a moça, de como seus cabelos voavam exatamente como em seus pensamentos. Era uma manhã fria do começo do outono, e a menina com vestido leve e solto despontara junto de um caminhão de mudanças. Logo no primeiro olhar, o sorriso de Pérola brilhou em direção ao rapaz que timidamente escondeu-se atrás de um seco bom dia. Mas embora por fora estivesse tomado pela frieza da cidade sorriso, por dentro sentia-se aquecido, como se seu coração tivesse a reconhecido de algum lugar. Pérola era a sereia de águas claras que resplandecia todos os dias a vida do jovem rapaz.

A nuvem leve e flutuante a qual Julio estava envolto foi desfeita quando o telefone tocou.

− Júlio? − a voz grave perguntou do outro lado da linha, era Raul, se melhor amigo −Cara, você está aí?

− Estou. − respondeu voltando de seu devaneio.

− Me deixa adivinhar, você estava pensando nela não é mesmo? − Raul perguntou com riso na voz − Você deveria dizer a ela como se sente, sei lá, é melhor do que ficar aí sonhando com a guria dia e noite.

− Mas nós temos uma amizade, Raul − Júlio rebateu − E não, eu não estava pensando na Per.

− Você finge que me convence e eu finjo que acredito − Raul ironizou − já que você não estava pensando na Pérola, topa uma balada hoje?

− Não sei não, cara − Júlio disse − Amanhã eu preciso acordar bem cedo e...

Não houve tempo para que Júlio terminasse a frase porque Raul o cortou dizendo:

− Pérola também vai.

O silencio pairou no ar, e bastou que o cérebro reconhecesse o nome para que Júlio respondesse:
− Beleza então.

O amor é um sentimento um tanto idiota. Às vezes ele faz você perder a noção das coisas e quase sempre você fica submerso num turbilhão de emoções, e naquela noite, como se fosse um adolescente prestes a sair com a namoradinha pela primeira vez, Júlio sentia-se estranho, trêmulo e nervoso. Já havia saído com a garota várias vezes, mas cada oportunidade de estar ao lado dela era única. Arrumou-se da melhor maneira que pôde, da maneira que sabia que ela ia gostar, porque os dois se completavam. Sabiam das preferências um do outro, e talvez Pérola nunca tivesse notado, mas Júlio se lembrava de cada palavra, cada gesto, cada olhar e até mesmo cada piada tola a qual ela lhe contara nesses quase dois anos de amizade. Detalhes pequenos e até mesmo insignificantes como, por exemplo, a cor do laço de fita que ela usara na noite em que foram conhecer as luzes de Natal do Palácio Avenida. Coisas que jamais saíram da memória do rapaz. Ficaram impressas em seus pensamentos como se fossem letras nas páginas de um livro.

" Você deveria contar a ela como se sente."

As palavras de Raul permeavam a mente de Júlio durante o trajeto até a festa. No transito enquanto dirigia, considerava a ideia. De fato tudo o que o jovem gostaria era poder revelar à Pérola todo o sentimento guardado, porém não tinha coragem para fazê-lo, porque sempre quando pensava em colocar as cartas na mesa, se lembrava de tudo o que estaria em jogo. Para Júlio, a amizade construída era importantíssima de modo que jamais se perdoaria se além de perder a garota de seus sonhos, perdesse também sua melhor amiga.

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No rádio, os versos da canção pareciam ilustrar todas as indagações de Júlio. Como se cada palavra tivesse sido escrita para sua história complicada de amar uma amiga.

Se eu tiver coragem de dizer que eu

Meio gosto de você

Você vai fugir a pé?

E se eu falar que você é tudo o que eu

Sempre quis pra ser feliz

Você vai pro lado oposto ao que eu estiver?

Eu queria tanto que você não

Fugisse de mim

Mas se fosse eu, eu fugia.

De alguma forma, as entrelinhas da música lhe falavam exatamente de como se sentia naquele momento. Como lhe era difícil guardar um segredo tão bonito quando na verdade tinha vontade de gritar a plenos pulmões todo o seu amor por Pérola.

Queria contar do coração acelerado todas as vezes em que ela lhe dirigia a palavra, de como ela ficava linda de batom cor-de-rosa, de como eram lindos os seus cabelos quando estavam naturais em todo cacho-caracol. Júlio queria poder dizer que passava as madrugadas escrevendo poesias sobre ela e depois se atrasava para a faculdade por não querer sair do sonho com a amada. Queria poder contar de como se sentia extasiado cada vez que ela o escolhia para contar sobre seu dia. De como ele se sentia o cara mais sortudo da terra quando ela o chamava para compartilhar algum segredo especial.

Era platônico, extremamente secreto e extremamente visível ao mesmo tempo, mas osarcasmo do amor está justamente em enrolar as coisas. Em complicar o que deveria ser fácil.

***

A festa era em um espaço grande, escuro e com feixes de luzes coloridas, e embora o rapaz não fosse muito adepto de grandes multidões, em sua concepção valia a pena encarar uma noite barulhenta e com música alta para estar perto dela. Por ela valia estar em qualquer situação, por ela valia a pena se submeter a uma extravagância.

Ficou num canto, tímido e reparando em cada rosto desconhecido a sua volta. Nas mãos apenas uma garrafa de alguma bebida forte. No salão, a música alta e a voz estridente de Ariana Grande deixava o ambiente ainda mais propicio de uma balada, mas entre pessoas bêbadas, mulheres com roupas minúsculas e homens bombados,ela surgiu como a criatura mais bela da noite. O vestido simples de estampa étnica entravam em uma perfeita harmonia com sua pele bronzeada de menina carioca, entretanto por mais que fosse dona de um corpo belo, nada lhe era mais encantador que o sorriso brilhante que a pequena esfera que lhe dera o nome. Uma beleza simples e cativante.

Júlio a admirava entorpecido, e viu um sorriso nascer nos lábios dela ao cumprimentá-lo.

− Júlio! − ela disse esfuziante − Eu imaginei que não viesse afinal você detesta música alta. Estou feliz que esteja aqui, não gosto de ficar sozinha em lugares desconhecidos.

Júlio sentiu o cheio adocicado do perfume quando a mesma o beijou no rosto, e pode sentir a mão da garota puxando-o para um abraço. O calor que emanava do corpo de Pérola, fez com que Júlio desejasse nunca mais sair daquele abraço, porque cada toque dela era como se fosse um premio a qual Julio sempre esperava, não por malicia, mas sim porque era bom, porque era inexplicavelmente bom senti-la tão perto de si.

A noite depois disso foi um borrão. Os dois permaneciam juntos em todos os momentos, como se fossem um casal, de modo que quando Carolina, uma antiga amiga de Júlio apareceu para cumprimentá-lo, deixou cair um comentário que fez com que Pérola notasse pela primeira vez na noite o sorriso no rosto do amigo de uma maneira diferente.

− Ela não é minha namorada, Carol − Júlio rebateu timidamente − É apenas minha amiga.

Os olhos de Júlio procuraram o chão ao sentir a vergonha chegar. Foi Pérola quem contornou a situação embaraçosa dizendo:

− Não somos namorados − Pérola olhou para Júlio − Mas quem sabe o Júlio não resolve essa questão algum dia?

Os risos da garota não foram suficientes para abafar os sons das palavras proferidas. O ar cômico fazia parte das palavras de Pérola, mas em toda brincadeira há um fundo de verdade. Mais tarde, quando o furor do comentário baixou, foi que de fato alguma coisa mudou.

− E aí, Júlio? − Raul disse sentando ao lado do amigo − Já cansou da festa? Quer que eu leve o bebezinho para dormir?

Júlio riu por um momento e voltou a observar Pérola que dançava com as amigas na pista de dança.

− Ela gosta de você, Júlio − Raul iniciou fazendo amigo soltar um riso incrédulo− É verdade, cara. Você talvez não perceba isso porque bem, você é um jaguara, mas quem está de fora consegue ver que foram feitos um para o outro.

− Como é que você pode saber? Hein senhor fodão?

Raul riu pomposamente com o sarcasmo do amigo e respondeu:

− Ah, pelo jeito como ela te olha. Pelo jeito como tenta não olhar...

Júlio permaneceu quieto apenas observando sua linda amada, Raul continuou:

− Quer um conselho? Chega logo na menina, ou você vai perdê-la, porque o Rafael Fernandes, aquele do curso de Publicidade, está de olho nela já faz algum tempo.

− E você sugere que eu faça o que, Raul? − Julio perguntou nervoso − Eu devo chegar nela e dizer: Oi Pérola, então, eu gosto de você e bem... Você quer namorar comigo?

Raul riu do deboche do amigo.

− Cara, você é mesmo um jaguara − Raul disse − É exatamente isso o que você tem de fazer. Manda a realidade, Júlio. O pior que ela pode dizer é te querer somente como amigo. Mas é claro que esse é um risco que você terá de correr, soldado.

Raul tomou um último gole de bebida e se levantou do sofá, mas antes de sair soprou para Júlio um ultimo conselho:

− Julio, faça o que seu coração esta mandando você fazer. Se arrisque. É melhor se arrepender do que fez do que pelo que não fez.

Raul deu uma piscadela e se embrenhou no meio das outras pessoas que dançavam ao som do DJ.

A música alta não calava as palavras que Raul dissera. Júlio considerava milhões de maneiras para contar a Pérola sobre seus sentimentos, mas sempre acabava voltando a estaca zero a medida que pensava na possibilidade de perder a amizade da garota.

" Julio, faça o que seu coração esta mandando você fazer. Se arrisque. É melhor se arrepender do que fez do que pelo que não fez."

− Tem razão, Raul − Julio disse a si mesmo − Vou seguir o meu coração. E caia fora, Rafael Fernandes. Pérola é minha joia, eu a amei primeiro.

Julio então tomou um ultimo gole de sua bebida, juntou toda coragem que tinha reservada e partiu em direção à garota que dançava euforicamente. As luzes coloridas faziam com que o vestido de Pérola brilhasse em meio aos demais, e Julio caminhava lentamente com o olhar fixo na garota e ao se aproximar o bastante, engoliu toda sua timidez e foi então que algo mudou.

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O coração acelerado pulava do peito ao ver a cena. A menos de dois metros do alvo, Julio via Pérola aos beijos com um rapaz alto, loiro e de boa aparência. Era Rafael Fernandes, o estudante de Publicidade a quem Raul se referiu.

Não havia ar. Sentiu-se esfaqueado, a ponto de querer não estar ali. Estava vendo sua doce Pérola nos braços de outro. Era como perder o chão. O ciúmes brotava de dentro de seu peito com uma velocidade imensa, a ponto de apressar o passo em direção ao casal recém formado. Mas antes que os atingisse, Julio sentiu um par de braços o impedirem.

− Nem pensar, Julio − Raul disse para o amigo enquanto tentava controla-lo− Vamos embora. A festa acabou pra você, cara.

− Ele está agarrando a minha garota, Raul!

− Ela não é sua garota, Julio −Raul respondeu − Amanha vocês dois conversam com calma.

Raul jogou o afoito Julio dentro do carro e levou o amigo para casa. O rapaz se debatia nervoso e se auto insultava. Dizia que era burro e imprestável por deixar escapar a garota de seus sonhos, todavia Raul o repreendia dizendo:
− Você parece um adolescente chorão, Julio! Sério que você vai ficar aí se lamentando porque o grandalhão do Rafael deu o maior beijaço na sua mina?

Julio parou para ouvir as palavras do amigo.

− Na boa, cara − Raul continuou − Se você fizer isso, eu vou te dar o troféu otário do ano!

− Talvez eu mereça esse premio! − Julio ironizou irritado − Afinal eu sou Júlio, o jaguara!

− Você precisa é levar umas pancadas, seu mane! − Raul contrapôs− Julio, escuta o seu amigo aqui: É agora que você precisa lutar pela Perola.

− Ah! Sério?! Não me diga! − Julio disse enraivecido − E como eu deveria proceder, oh sábio mestre? Eu deveria voltar lá e dar umas pancadas no Rafael Fernandes, isso sim!

− Se você vai ficar de palhaçada é melhor calar a boca, seu idiota! − Raul disse já perdendo a paciência − Eu quero te ajudar, seu trouxa! Larga de ser burro, Julio César! Você não entende que o que aconteceu é o motivo perfeito para sair da friendzone em que você se enfiou?

Raul encostou o carro na garagem da casa do amigo e contemplou o rosto de Julio vermelho pela raiva.

− Eu perdi a Pérola, Raul − Julio dizia com a voz estranha pela bebida − Ela nunca vai me querer porque agora ela tem o Capitão América.

Raul riu da comparação entre Rafael e o herói dos quadrinhos.

− Se antes minhas chances de ficar com ela eram 0, agora esse numero está em -10! − Julio enfatizou − Poxa vida , eu sou primeiro cara que fica corno antes mesmo de ter a namorada. Eu sou um bosta, mesmo!

Raul ria descontroladamente do monologo do amigo bêbado, que se irritava com as tiradas cômicas que ele mesmo pronunciava.

− Eu sou ou não sou um bosta? − Julio perguntou serio ao amigo que não respondeu a questão, mas Julio insistiu − Fala que eu sou um bosta!

− É, você é um bosta − Raul finalmente concordou − Mas você é um bosta legal, e acho que a Per também acha isso, só que você precisa dizer a ela o que esta sentindo. Precisa lutar por ela, e quando eu digo lutar, eu na verdade estou falando de conquista-la, entende pequeno gafanhoto?

− Gafanhoto? O que o gafanhoto tem haver com a Pérola? − Julio perguntou aparentemente confuso, estava claro que o álcool em seu sangue havia atingido o ápice.

− Ah, esquece − Raul disse interrompendo o amigo − Vá dormir seu grande pinguço chorão. Amanha, quando você voltar a ser um cara inteligente, conversamos.

Um minuto de silencio se instalou entre os dois enquanto Raul olhava para o amigo que mantinha a cabeça baixa.

− Me leva até lá dentro então − Julio pediu ao amigo que fez uma cara um tanto engraçada − Por favor, cara. Eu não sei qual é o meu apartamento.

− Você é um bosta, mesmo Julio − Raul respondeu rindo − Vem, vamos lá bebezão, quer que eu te de um banho e te conte uma historia para dormir?

O riso de Raul invadia a rua calada e vazia das três horas da manha, e depois de ajudar o amigo a chegar em sua casa, partiu em direção a outro lugar.