O dia amanheceu, mas os olhos de Julio se recusavam a abrir. A dor de cabeça latejante o impedia de sair da cama, de modo que naquela manhã, pela primeira vez, matara aula para ficar em casa de ressaca.

− Julio, seu grande otário. Você perdeu a revisão para a prova da segunda feira− disse a si mesmo − Tudo bem, perder uma prova é nada perto de perder a garota dos seus sonhos, então, dane-se.

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Julio se lembrava de pouquíssimas coisas da noite anterior, mas mesmo a bebida não fora capaz de apagar de sua memória a cena que presenciara na boate. Era real, realíssimo. As imagens de Rafael Fernandes e de Pérola juntos percorriam sua mente de forma tão violenta que sentiu seu estomago revirar de tanto desconforto que se agravou quando a secretaria eletrônica ligou.

− Você está vivo? − Raul disse por telefone.

− Infelizmente sim − Júlio respondeu desanimado − O que você quer?

− Pensou no que eu disse?

− Sobre correr atrás da Per?

− Sim.

− Raul, − Júlio iniciou − Eu estou disposto a lutar pela Pérola. Na verdade tudo o que eu queria era poder ir agora ao encontro dela e despejar tudo o que está engasgado.

− E por que não faz isso? − Raul perguntou ao amigo que se demorou na resposta como se estivesse tomando fôlego para dizer o que queria − É só atravessar a rua e você já terá feito metade do trabalho.

− Não é tão fácil, cara − Júlio resmungou − Eu não sou um conquistador. Eu vou travar porque a Pérola me deixa nervoso e por mais que eu ensaie mil vezes o que dizer, tenho absoluta certeza que na hora nada vai sair, e então ela vai ter certeza que sou um idiota.

O rapaz sentou-se na cama cabisbaixo sentindo o peso de suas palavras. Pela primeira vez na vida, Júlio sentia que não havia chances. Olhou-se no espelho e percebeu-se inferior a Rafael Fernandes.

− A Per está certa em se interessar pelo Rafael, afinal o cara é o gostosão da balada e olha para mim, acha mesmo que o antipático da Analise de Sistemas tem chances contra o garanhão da Publicidade ? − perguntou Júlio.

− Entre o Capitão América e o Bilbo ... − Raul brincou − Essa com certeza não é uma luta justa. Mas se quer saber, eu acho que você esta super estimando o Rafael e ele pode ser mais bonito que você, mais alto que você, mais simpático que você, ele pode até ter beijado a Per,mas ele não te vence em uma coisa.

− Em que?

− Você tem o carinho da Pérola. Ela confia em você, Júlio.

Júlio soltou um riso de desgosto e ironizou:

− Ah, claro. Eu sou o ursinho Pimpão da Pérola. O cara para quem ela vem pedir conselhos sobre sapatos. Eu sou praticamente o amigo gay!

Raul ria descontroladamente do pessimismo do amigo, que de fato tinha algum fundamento porque Pérola e Júlio mantinham uma amizade cúmplice. Era para ele quem ela contava sobre seus amores e pasares.

− Júlio, − Raul voltou a falar − Você precisa parar de se vitimizar. Ninguém nunca é perfeito. A beleza não é o fundamental, e tenho certeza que a Pérola não é tão superficial a ponto de ficar com uma pessoa somente pela aparência. Você é um homem, Júlio e não um adolescente de quinze anos, essa fase de se encolher num canto já passou. Se você gosta dela, precisa entrar de cabeça nessa conquista. Seja sincero e haja naturalmente. O importante é tentar, se nada der certo pelo menos você poderá seguir sua vida em paz.

Embora as palavras de Raul fossem incentivadoras, pareciam prepotentes demais aos ouvidos céticos e duvidosos do rapaz, de modo que sua cabeça pensava sem parar nas inúmeras vezes em que tentara se declarar para sua amada e falhara miseravelmente. Júlio conhecia seus limites e sabia que por mais que tivesse vontade de revelar seu amor, ainda sim lhe faltaria a coragem, porque só o amor não basta, nem sempre querer é poder.

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Após um período de silencio, Júlio finalmente disse:

− Vou pensar em algo.

− Você vai ficar legal? − Raul perguntou preocupado.

− Sim, obrigado.

O telefone foi desligado e Julio voltou-se para a janela do quarto por onde podia enxergá-la do outro lado da rua enquanto caminhava tranquilamente segurando algumas sacolas de mercado. Pérola estava bela, e nem mesmo as roupas pesadas de inverno apagavam o brilho resplandecente da carioca.

− Porque você precisa ser tão amável, Pérola? −o rapaz comentava consigo mesmo − Porque precisa ser tão próxima a mim? Como vou poder me declarar para uma pessoa tão perfeita e tão inatingível?

Júlio sentia-se amargo e impotente. Todas as formas de amor estavam resumidas em um único nome e viu-se desarmado ao calcular a amizade que estaria em jogo caso a coisa toda da declaração não desce certo. O rapaz relembrava secretamente de momentos que tivera com Pérola, como quando foram juntos a uma feira literária, ou quando toparam juntos uma trilha radical em Morretes. Pérola e Júlio eram como peças de um enorme quebra cabeças que se encaixavam em muitas coisas, era como se um pudesse sentir os pensamentos do outro. Pérola compartilhava tantos segredos, tantos medos, tantos anseios. Eram próximos, mas não havia proximidade real.

As vezes o sentimento é algo tão ridículo que acaba sendo impossível sua compreensão, e embora Julio fosse um rapaz serio e fechado, naquele dia passara a tarde ouvindo melodias tristes e melancólicas. Ouviu Raimundos, Adriana Calcanhoto, Ana Carolina, Maria Gadu e até algumas musicas do tempo de seu pai, somente para encontrar alguma explicação para o que estava sentindo. Então, depois de horas de sentenças amargas e lamúrias incessantes, viu-se sozinho relendo as varias mensagens onde Pérola o tratara com carinho, mensagens simples e rápidas com quase nenhum sentimento oculto, mas que para Julio funcionavam como um travesseiro macio onde repousava todos suas expectativas em relação a amiga. Júlio sentia que por maior que fossem suas investidas, nada parecia ser claro o bastante, e foi ao som de Mariana Lessa que adormeceu naquela noite. Uma canção que jamais ouviria em ocasiões normais mas que naquele momento era marcante, como se as os versos da melodia adolescente fossem a autobiografia de seu coração.

Com o volume baixo, ouvia e sentia as palavras entrando em sua mente.

Eu nunca pensei que iria me apaixonar

Mas eu olhei para você e vi tudo mudar

Nunca falei pra ninguém

Será que devo contar?

Quem sabe assim eu faça você me notar

Talvez eu devesse esquecer

Que você que você

É perfeito pra mim

Invisível pra você

Por mais que eu me esforce

É isso o que eu pareço ser

E agora eu não sei mais

Se devo fugir ou tentar correr atrás

Mas te vejo e vale a pena tentar

Ser mais que invisível

Pra você.

Eu juro que já tentei

Mas é melhor não falar

Que eu conto os dias e as horas

Pra te encontrar

Se você pensa em mim

É melhor me dizer

Porque eu cansei de acordar sem saber

Ninguém sabe o momento certo de desistir, e Júlio também não sabia. Dias se passaram desde o beijo entre Pérola e Rafael Fernandes, mas a cena ainda continuava vivida na mente do rapaz. O mundo havia perdido a cor. Os pássaros haviam deixado de cantar e o sol já não brilhava com tanta intensidade, porque quando se está com o coração partido, o mundo simplesmente volta a ter a suja e horrorosa aparência de sempre, e Júlio não era exceção.

Durante vários dias evitou os olhos de sua amada apenas para poupar a dor, mas sentia falta de Pérola tanto quanto um peixe sente falta do mar. Sentia-se sufocado, sem forças, deixando todos a sua volta preocupados, mas nenhum luto dura para sempre.

Em uma manhã ensolarada, antes mesmo de sair para a faculdade, Júlio decidiu que era chegada a hora. Dentro dele havia uma coragem fora do normal, coragem esta que o fez ligar para Raul logo nas primeiras horas do dia.

Era possível ouvir os resmungos sonolentos do outro lado da linha enquanto Júlio dizia:

− Eu vou ganhar o coração daquela menina, você vai ver.

Depois de alguns segundos, ouviu-se o riso satisfeito de Raul, em aprovação.

− É assim que se fala, cara! − Raul disse alegremente − E o que você vai fazer?

− Ainda não sei, mas vou pensar em alguma coisa. O que posso dizer é que eu vou me declarar. Ou vai ou racha!

Júlio estava decidido, e apesar de ser sério e manter a pose de rapaz cético, não era qualquer rapazote. Já tinha seus vinte e três anos e já possuía idade suficiente para correr atrás do que queria. Não era de seu feitio se lamentar, e mais tarde, quando o álcool de seu sangue já havia evaporado, conseguia pensar de forma límpida sobre os acontecimentos da noite anterior, e até conseguia relembrar a conversa que teve com Raul. De como essa era a oportunidade perfeita para motivá-lo a deixar a zona de amizade e partir para um possível romance.

Após um banho longo e revigorante, o rapaz se colocou a pensar em maneiras para se declarar. Já estava cansado de apenas sonhar com ela,e nunca poder toca-la, nem sentir seu doce aroma de garota carioca. A música baixa que vinha do celular tornava-se pano de fundo para os pensamentos do rapaz. Pensamento de ternura, carinho e paixão, porque inúmeras vezes se pegava admirando as fotos de sua amada e imaginando-a em seus pensamentos.

Parado em frente ao computador, relembrava de brincadeiras e até mesmo alguns flertes jogados ao ar.

− Perola, − suspirou o nome da amada − Eu vou te dar a melhor prova de amor que alguém já teve na vida.

E foi ali, que Julio teve sua maior ideia. Estava lançado o desafio mais importante de sua vida, muito mais do que qualquer concurso para intercambio. Naquela noite extremamente fria, Julio começou a trabalhar para conquistar sua maior joia, e por mais que do lado de fora a temperatura estivesse próxima aos 6º C, seu coração estava tão quente quanto o clima da ensolarada de sua amada.

O amor é um daqueles sentimentos incoerentes que nos deixam cegos e mal trapilhos em questão de dias. Que nos fazem monopolizar o pensamento com a face da pessoa amada, de modo que em cada segundo, em cada milésimo de tempo tudo o que você pensa é em como poderia agradá-la. Isso pode até soar como obsessão ou coisa do tipo, mas ninguém se aborrece com essas questões porque embora seja extremamente complicado, o amor é incrivelmente bom de ser sentido. Como os cabelos de Pérola, o amor é enrolado demais e não cabe aos seres humanos resolver esse mistério. Um quebra cabeças quase impossível de ser montado, mas que inexplicavelmente pode ser facilmente entendido por aqueles cujos corações estiverem abertos.

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Algumas semanas se passaram até que Júlio finalmente decidisse como proceder em relação a Pérola, e, passou a orquestrar um plano de conquista para sua amada. Planejara cada detalhe, como se estivesse em uma guerra estudara cada ponto sensível de seu oponente e quando obteve todas as respostas necessárias, pôs seu plano em prática, plano que tinha dia, hora e local. Estava decidido a aparecer na vida de Pérola, literalmente.