Crônicas dos Elementais

Preocupações


Já faziam algumas horas desde que as estrelas haviam tomado conta do céu e os caçadores ainda percorriam o caminho pelo árido terreno em direção a Yor'Em. Tinham escolhido percorrer o caminho por entre as montanhas, pois já conheciam uma trilha que julgavam segura de seguir. Era a opção mais rápida que tinham e não tinham tempo a perder.

— Segundo nossos registros, não deve faltar muito para chegarmos. - afirmou Auster.

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— E segundo a posição das estrelas, devemos continuar percorrendo essa direção. - completou Sylvie.

Os caçadores utilizavam vários recursos para chegarem a seus objetivos. Na maioria dos casos utilizavam mapas desenhados por eles próprios, mas nunca desprezavam os velhos hábitos que seus ancestrais tinham ensinado. Dentre um deles, guiar-se através de constelações.

— É realmente desagradável chegar em um lugar a noite. - comentou Carsen. - Iremos acabar acordando todo mundo.

— Você tem razão. - concordou a irmã. - De qualquer forma, é inevitável. Poderíamos ter calculado de chegar pela manhã.

— Achei que você não queria perder tempo. - retrucou Auster. - Além do mais, olhem!

Auster chamou a atenção dos irmãos e apontou para um pequeno filete de fumaça que se erguia no céu ao longe. Naquele céu limpo, a fumaça criava uma visão turva, destoante na paisagem, que fazia com que fosse possível enxergá-la.

— Talvez nem todos estejam dormindo. - concluiu o irmão que liderava.

— E talvez estejam fazendo uma cerimônia de recepção para nós. - brincou Carsen.

— Então não seria bom deixá-los esperando, não é mesmo? - continuou Sylvie aproveitando a brincadeira do irmão.

Auster não apreciava essas brincadeiras. Seu jeito mais sério fazia com que preferisse ignorar esse tipo de comentário. No fundo sabia que não estavam fazendo por mal, mas não conseguia deixar sua mente ficar distraída quando estava focado em terminar alguma coisa. Acreditava que seus irmãos já estavam acostumados com tal comportamento vindo dele e não tomariam sua reação como ofensa.

— Acelerem e sigam naquela direção! - gritou o gêmeo liderando os caçadores.

— Acho que ele levou a sério essa história de não deixar ninguém esperando. - cochichou Carsen para a irmã;

— E eu não esperava por isso. - riu Sylvie.

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— Boa noite, eu sou Eugene, líder espiritual de Yor'Em. - apresentou-se calmamente. - Creio que vocês devam ser os caçadores de Valmees. Estávamos lhes aguardando.

— Sim, nós viemos de Valmees. - respondeu Auster. - Temos informações que alguns conhecidos estão aqui dessa aldeia.

— Sua informação está correta. Porém, acredito que todos estejam dormindo no momento. Foi um longo dia. - explicou Gene. - Talvez vocês devessem seguir o exemplo deles e amanhã de manhã todos podem se ver em melhores condições.

— Eu acho uma excelente ideia! - concordou Carsen que já não via a hora de descansar de toda aquela viagem.

— Não tenho objeções quanto a isso. - respondeu o irmão. - Não há nada que possamos fazer agora mesmo. Pela manhã poderemos discutir como iremos resolver as coisas.

— Fiquem à vontade. Existe um pequeno riacho logo ali, caso achem que seus cavalos estejam com sede. - apontou numa direção para que os caçadores pudessem se guiar naquela noite escura. - Fora isso, não existe muito que eu possa oferecer.

— Já é o suficiente. Muito obrigada! - agradeceu Sylvie, enquanto os caçadores já criavam caminho na direção que tinham sigo guiados.

— Porém, se você quiser ver seu filho, deverá seguir nesta direção. - Gente apontou para um local diferente do que tinha mostrado antes. - Talvez Tyler irá gostar de acordar e ver um rosto conhecido.

— Mas como você sabe que ele é meu filho se eu não te falei nada? - Sylvie estava dividida entre a curiosidade e a ansiedade de ver seu filho.

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— Bom, não foi preciso você me dizer. Mas isso é assunto para uma outra hora. Não vale a pena perdermos nossa noite de sono por isso. - o líder de Yor'Em deu as costas para a caçadora. - Mas amanhã é um novo dia. Boa noite!

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Quando os primeiros raios de sol deram início àquela manhã, uma visão fora do comum poderia ser vista. A aldeia de nômades tinha atingido o maior número de concentração de pessoas que já tinha sido registrado ali. A frequente mudança dos habitantes fazia com que tal número oscilasse, porém regulava-se sempre uma mesma média. Aquele número acentuado realmente dava uma nova dinâmica àquele cenário.

O barulho dos cascos de cavalo misturados ao tilintar de metais chocando-se um com o outro tomava conta daquele lugar. Alguns guerreiros e caçadores haviam ignorado todo o cansaço e decidiram acordar cedo para iniciar treinamentos matinais. As pessoas que já estavam habituadas com esse tipo de barulho permaneciam em seu estado de descanso enquanto outras despertavam com certo incômodo.

— O sol mal apareceu. O que essa gente está fazendo acordada? - reclamou Clair ainda com voz de sono.

— Será que eles não percebem que tem gente querendo dormir? - completou Tyler ainda com os olhos fechados.

Tyler e Clair dividiam uma barraca com Dahlia, que conseguia ignorar o som tranquilamente. Estava em sono profundo e parecia que nada iria acordá-la naquele instante. Porém, os outros dois já estavam começando a desistir de tentar voltar a dormir porque sabiam que as tentativas podiam ser em vão. Apenas aceitaram que estavam despertos e iriam ver o que estava acontecendo lá fora.

Os dois ficaram surpresos quando viram alguns rostos familiares ali em Yor'Em. Tinham passado tempo suficiente em Valmees para reconhecer alguns de seus habitantes. Estavam aguardando a presença deles há algum tempo, mas não tinham notícias de quando chegariam.

— Devem ter chegado ontem a noite. - considerou Clair. - Não sei como não acordamos com o barulho.

— Sim, chegamos mesmo. Procuramos fazer o menor barulho possível. Afinal, fomos treinados para isso. Não podemos deixar que nosso alvo fuja por escutar nossos passos. - respondeu uma voz que Tyler conhecia muito bem.

— Mãe? - disse o garoto já virando na direção da voz.

— Eu mesma! - Sylvie se aproximou do filho envolvendo-o num abraço que mostrava toda a saudade e preocupação que sentira em sua ausência. - Estou feliz que esteja bem!

— Não acreditei quando meu pai... - hesitou pois ainda parecia estranho pronunciar tal palavra. - Enfim, quando soube que você estava vindo para cá.

— Acho que eu também não acreditaria se alguém tivesse me falado. - concordou. - Porém, acredito que algumas coisas vão além do que podemos prever ou acreditar, certo?

— Tenho que concordar com você. - ponderou Clair. - Eu não imaginava que deixaria Awalles. Na verdade, não vejo a hora de voltar para lá e reencontrar minha mãe.

— Depois que vocês saíram, eu tive bastante contato com Mary Ann. - contou. - Posso afirmar que ela também está sentindo sua falta. Mas, embora esteja preocupada, está muito orgulhosa de você.

Clair sentiu-se contente. Fazia tempos que não recebia notícias da sua família e, por mais que tivesse sido dada por alguém que não tinha muito contato, era algo bom de se ouvir. Era como se tais palavras dessem confiança para continuar prosseguindo com o que estava fazendo.

— Ah, já ia me esquecendo... - lembrou a caçadora. - Acharam a amiga de vocês? Os pais dela mandaram um presente para ela. Está guardado junto com o equipamento dos caçadores.

— Ela deve estar dormindo ainda. Na mesma cabana das minhas irmãs. - disse Tyler. - Do lado da do meu pai.

— Hmmm, que bom. Assim já faço duas coisas de uma vez só. Preciso mesmo falar com ele também. - considerou Sylvie. - Se importam em me acompanhar? Assim eu deixo o presente com vocês para entregarem para ela, enquanto resolvo o que tenho pra resolver.

Os dois concordaram com o pedido de Sylvie, em parte por estarem curiosos com o que poderia ser. Por outro lado, não tinham mais nada para fazer mesmo, então não custava fazerem tal favor.

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— Sylvie, finalmente você chegou! - saudou Gustav assim que a viu. - E, você, Tyler, já adquirindo o bom hábito de acordar cedo. Muito bom!

— Ah, claro... - respondeu o garoto revirando os olhos ironicamente.

— Precisamos definir como iremos seguir adiante com os planos. - disse Sylvie diretamente.

— Então quer dizer que você mal voltou e já está assumindo a liderança dos caçadores? Essa é a Sylvie que eu conheço.

— Não entenda assim. Auster ainda está assumindo o papel de líder. - explicou. - Estou aqui apenas tentando mediar a situação. Os ajustes finais você deverá discutir com ele.

— Entendo. Bom, claro que já pensei em algumas coisas, porém devemos sentar e averiguar os detalhes e considerar outras opiniões. - disse o guerreiro. - Vamos aguardá-los antes de tomar qualquer decisão, certo?

Tyler e Clair observavam a situação sem ter muito que opinar. Com certeza não era algo que deviam se envolver. A inexperiência deles não lhes permitia contribuir com muita coisa, então era melhor deixar que resolvessem e depois lhes dissessem o que fazer.

— Agora se me permite, tenho que entregar uma coisa para esses jovens. Discutiremos o assunto mais tarde. - Sylvie já virava de costas para seguir em outra direção.

Nesse instante, uma luz começou a ser emitida do amuleto de Tyler e seu espírito guardião emergiu. A ave parecia inquieta como se quisesse chamar a atenção para alguma coisa. Parou na altura dos olhos de seu protegido, encarando-o por alguns segundos, e voou em direção à parte mais elevada de Yor'Em.

— Acho que ele quer que você o siga. - constatou Clair.

— E creio que não devo deixá-lo esperando, não é mesmo? - respondeu o garoto. - Vá pegar o presente junto com a minha mãe e depois me conte o que era.

Tyler deixou a amiga e seguia na direção que a ave estava indo. De repente, o falcão parou e voltou sobrevoando, em círculo, as cabeças de Gustav e Sylvie. Os dois se entreolharam e, num balanço afirmativo de cabeça, já entenderam o que deveriam fazer. Ignoraram o que tinham que fazer no momento e acompanharam o filho.

— Clair, procure Carsen. Você conhece ele, não conhece? – a caçadora ficou em dúvida. – Diga para ele que pedi para você pegar um embrulho vindo de Awalles. Ele sabe o que é!

Aos poucos Clair desapareceu do campo de visão deles, enquanto subiam por um caminho um pouco íngreme e desconhecido para eles. Não faziam ideia do motivo de estarem sendo guiados para lá, contudo, dadas as circunstâncias, era melhor apenas seguir sem ficar criando muitas teorias.

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Quando finalmente chegaram ao topo daquela elevação, encontraram Eugene sentando em uma rocha os aguardando com uma expressão serena. Tyler já havia conversado com ele antes e sabia do que era capaz de fazer, porém seus pais não tinha tido a oportunidade de testemunhar suas habilidades.

— Que prazer em ver essa família reunida novamente! - exclamou o xamã.

— Reunida? É, acho que podemos dizer que sim. - respondeu Tyler, logo depois levando uma leve cotovelada de sua mãe.

— Ele quis dizer que estamos surpresos por estarmos aqui agora e estamos curiosos para saber o motivo. - rebateu Sylvie.

— Ah, mas não precisam ficar com essas expressões de preocupação. Deveriam estar felizes por terem se reencontrando. - explicou Gene.

— Talvez seja um pouco difícil não demonstrar preocupação diante de tudo que está acontecendo. - confessou Gustav.

— Esse é o problema, não é mesmo? Preocupações demais... - iniciou. - Vocês no momento são uma família tão marcada por preocupações que não conseguem sequer aproveitar alguns pequenos momentos.

— Não querendo ofender, mas é um tanto quanto egoísta da sua parte querer que a gente continue agindo normalmente. Não é sua família que está ameaçada. - retrucou o guerreiro.

— Calma, não tem motivo para ninguém ficar nervoso. - respondeu o xamã mantendo sempre seu tom de voz baixo e calmo. - A questão é que a preocupação de vocês está transformando-se em medo. Por diferentes motivos.

— Então você veio aqui para falar sobre nossos medos? - questionou a caçadora.

— Ou quem sabe ajudá-los a entender. Eu te disse que poderíamos conversar hoje, não é mesmo? Acho que o momento está propício.

— Em meio a tempos de conflito, você acha que temos tempo para falar disso? - contestou Gustav.

— Acho que, na verdade, vocês não têm nada a perder. Até porque preocupações demais podem vir a atrapalhar o rendimento de vocês futuramente. Ou você não acha que quando a cabeça está ocupada com outros assuntos fica difícil manter o foco em batalha?

Gustav analisou a resposta de Eugene e sabia que estava certo. Não custava perder alguns minutos daquela manhã para escutar o que ele tinha a dizer. Ele não sabia o que, de fato, o xamã poderia vir a falar, mas estavam na aldeia dele, então era o mínimo que poderiam fazer.

— Então, como tudo isso será conduzido? Cada um irá falar ou você tem outra coisa em mente? - perguntou Sylvie curiosa com a situação.

— A questão aqui não é o que eu tenho em mente e sim o que você tem. - anunciou Gene. - Pelo que posso ver, seus medos beiram a insegurança. Se será capaz de lidar com uma nova mudança.

— O que? - Sylvie surpreendeu-se com as palavras que tinha escutado. - De onde você tirou isso?

— Da fonte de outra insegurança sua. - informou. - Um certo amuleto que você ganhou recentemente.

— Como você sabe? Eu não contei para quase ninguém sobre isso!

— Provavelmente o espírito do amuleto deve ter contado para ele. - Tyler intrometeu-se. - Mas não acredito que você não me falou que também tinha um agora!

— Depois conversamos sobre isso, filho. O assunto aqui é outro! Por favor, Eugene, prossiga...

— Na verdade, eu gostaria que você prosseguisse. Ao que eu entendi, você já é familiarizada com seu espírito guardião. Por que tanto receio?

— Não é isso! Não entenda errado... - tentava colocar em palavras o que sentia. - É só que, depois de tanto tempo, por que agora?

— Porque agora que ela sentiu que você iria precisar dela. Pense comigo por um instante. - pausou por alguns segundos. - Seu espírito é uma serpente. Um dos animais que tendem a trocar de pele.

— Sim, eu sei disso. Mas o que isso tem a ver comigo?

— Provavelmente porque você também esteja num momento de mudança. Algum tipo de simbolismo para sua própria mudança de pele. Ou estou errado?

— Não está, realmente saí de uma zona de conforto e estou de volta num momento antigo de minha vida.

— E ela está querendo te fazer entender que essa mudança faz parte do seu crescimento. Que é algo necessário, embora você possa não acreditar à primeira vista. - Gene tentou explicar. - É um processo natural que não dá para você lutar contra.

— Como se fosse meu destino. - Sylvie replicou. - Já me disseram algo parecido. E é por isso que estou aqui agora.

— Então não tem que ter medo de mais nada. O primeiro passo, que é o mais difícil, você já deu. - afirmou o xamã. - Você tem um espírito que te escolheu para proteger, aproveite isso! Não deixe isso ser fonte de insegurança e veja essas mudanças como algo mais natural.

— É fácil para você dizer isso... - respondeu com uma voz mais baixa do que o normal.

— E será mais fácil para você se deixar acontecer. - completou de forma sutil. - E, falando em deixar acontecer, vamos a você, Tyler.

— Eu? Mas já? Não ligo de ser o último. - insistiu o garoto.

— Por que? Está com medo de alguma coisa? - brincou Gene.

— Não sei. Não era isso que supostamente você teria que me falar agora? - retribuiu a brincadeira.

— Nós já conversamos, mas acabamos por não chegar nesse assunto pois fiquei desgastado demais. A questão é que você se viu obrigado a sair da sua zona de conforto rapidamente. Não teve escolhas.

— Porque não era uma questão de escolha. Eu tinha que procurar por Amber... - tentou se explicar.

— E pelas suas irmãs, e pelo seu pai. - completou.

— Então, como você pode ver, não tinha muito o que eu pudesse fazer naquela situação. - contestou Tyler.

— Sim, eu concordo. A questão é, você se achava preparado para fazer isso? Você se acha preparado para fazer alguma coisa agora?

— Eu agi por impulso, eu sei. - o garoto refletiu. - Mas sinto que estou mais preparado do que estava antes. Eu passei por tanta coisa até chegar aqui, sinto que tive algum aprendizado com isso tudo.

— Porém ainda se sente inseguro. Você saiu de um estado de não ter preocupações para um onde resolveu assumir todas as responsabilidades para você. - esclareceu. - Você encontrou seu pai, suas irmãs, sua amiga. Tudo que você se propôs a fazer, você fez.

— Mas... - tentou falar.

— Ainda não é o suficiente, certo? Você é constantemente lembrado que é filho da antiga líder dos caçadores e de um grande guerreiro. E tem medo de que o que fez não se compare ao que eles já fizeram. Ou até mesmo de falhar.

— Você pode parar de contar as coisas para eles? - murmurou Tyler para seu espírito guardião que ainda voava por ali. - A questão é que, se eu posso, por que não fazer além do que já fiz?

— Não existem problemas, contanto que você esteja fazendo isso por você e não enchendo sua cabeça com pensamentos de que deve se provar para alguém. Do contrário, isso poderá ser sua maior fraqueza. - alertou.

— Você ainda tem tempo para aprimorar suas técnicas, filho. Você acha que eu já comecei assim desse jeito? - Gustav tentou ajudar o filho, mas Tyler só conseguia ver nas palavras do pai uma tentativa dele se vangloriar de sua posição.

— Nós fomos praticamente criados em meio a lutas e você não. Você não tem que provar nada para nós! - retrucou Sylvie ao perceber que ele não tinha se animado com a resposta do pai.

— E já que foi mencionado esse assunto de lutas, vamos encerrar com você. - disse se aproximando de Gustav. - As suas preocupações vieram mais recentemente.

— Acho que você se enganou agora, meu caro. - discordou o guerreiro. - Minhas preocupações me acompanham faz tempo.

— Assim como creio que Sylvie e Tyler também tenham algumas outras também. Porém estamos focando aqui nas que podem influenciar no resultado final do que vocês buscam. - explicou. – E a fonte da sua vem exatamente disso, do resultado final. O medo do que poderá vir a acontecer quando tudo acabar.

— Acredito que iremos conseguir conquistar nosso objetivo. - respondeu confiante.

— Não duvido disso e não é essa a questão. Você teme as consequências que poderão ter apesar da vitória, não é mesmo? - perguntou de forma retórica. - Acontece que, você como guerreiro, deveria saber que em batalha, de alguma forma alguém sai sempre perdendo. O problema é que você, assim como todo mundo, não está disposto a aceitar isso.

— Desculpa, mas eu já passei por inúmeros campos de batalha. Isso jamais foi algo com que eu tivesse que me preocupar! - contestou.

— Antes seus familiares não estavam se arriscando junto com você e essa é a diferença maior. É diferente você ficar temeroso pela sua própria vida e você deixar-se afligir pela vida das pessoas que você gosta.

— Você é a segunda pessoa que insinua que posso perder alguma coisa no final de tudo. É como se fosse inevitável! - disse Gustav com certo pesar.

— Estamos apenas analisando todas as possibilidades de cenário que podem ocorrer. E, talvez, você também devesse estar preparado para tudo. Imprevistos acontecem.

— Mas também podemos tentar evitar que eles aconteçam!

— Mudanças, expectativas, imprevistos... - iniciou Eugene. - Parece que vocês três tem muito o que pensar hoje. Ou talvez não devessem pensar tanto e apenas aceitar as coisas que estão ocorrendo.

— Ou talvez não devêssemos aceitar. - retrucou Sylvie. - Se tivéssemos simplesmente aceitado tudo, estaríamos cada um em nossas respectivas cidades deixando pessoas serem raptadas a qualquer instante por alguém com um desejo de vingança.

— Você sabe que eu não quis dizer dessa forma. E sim que essas coisas não deveriam ser tratadas como algo extremamente fundamental na vida de vocês, porque são coisas que vão além do que podem fazer.

— Algumas coisas já estão determinadas a acontecer, mesmo que não seja do jeito que esperamos. - Sylvie lembrou das palavras do Oráculo.

— Não sei se quero aceitar isso! - confessou Gustav.

— Quanto a isso, acho que não podemos fazer nada. - falou Tyler sério. - Ele apenas nos disse o que, no fundo, todos já sabíamos. Tentou nos fazer entender e, agora, como lidaremos com isso somos nós quem decidiremos.

Sylvie ficou surpresa com a forma com que o filho lidou com a situação. Apesar das palavras de Tyler apenas relatarem o que realmente tinha acontecido ali, Gustav não compreendia de onde estava vindo aquela frieza na forma de respondê-lo.

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— Peço desculpa pela situação indelicada, mas achei necessário. Mas, caso precisem de algum tipo de esclarecimento, estarei aqui a disposição. - ofereceu-se o xamã.

— Muito obrigado, mas acho que já tivemos conversas profundas demais para uma manhã que acabou de começar. - respondeu Gustav. - Temos outras coisas que precisamos pensar além do que foi tratado aqui. Agora, se me permite, tenho planos a serem discutidos.

Gustav virou as costas para os que estavam ali e partiu em direção ao caminho íngreme para retornar ao acampamento. Aquela conversa tinha o perturbado de uma maneira que ele não esperava. Não queria ter que lidar com perdas, por mais inevitáveis que pudessem parecer. Infelizmente, naquele momento, parecia que ele teria que dar algum jeito de aprender a fazer isso.

— Ele realmente é muito bom em despedidas, não é mesmo? - disse Tyler ironicamente.

— Paciência, meu filho. Apenas dê tempo ao tempo. - respondeu Sylvie percebendo onde o filho queria chegar com tal indagação.

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— Você não deveria estar aqui! - exclamou Dahlia misturando sentimentos de surpresa e indignação. - Deveria estar em Valmees fazendo outras coisas.

— Muito bom te ver também, filha! - respondeu Cassius.

— Nem vem com isso, pai! Você sabe muito bem que desde o incidente você nunca mais voltou a fazer atividades físicas.

— E talvez seja hora de mudar essa situação. Ficar fazendo documentação é monótono demais e eu sinto falta de alguma movimentação.

— Talvez... - ponderou a caçadora. - Mas não acha que deveria começar com uma coisa menor, por exemplo?

Dahlia estava preocupada com o pai. Desde que sua mãe tinha saído de Valmees, ele tinha sido o único familiar com quem tinha contato constante e devido ao acidente com a perna de Cassius, Dahlia ficava receosa com o que poderia acontecer com ele.

— Você sabe que isso é uma oportunidade que pode não acontecer novamente, não é mesmo? É um acontecimento histórico! - disse com certa empolgação na voz.

— Mas você sabe que já não é mais o mesmo!

— Bom, a gente perde por um lado, mas acaba ganhando por outro. - explicou Cassius. - Todas as horas perdidas com livros não foram em vão. Pode ter certeza que eu estava gastando um pouco de tempo aprendendo outras coisas. Posso não ter mais as mesmas habilidades físicas de antigamente, mas ao mesmo tempo desenvolvi outras que possivelmente podem vir a ajudar.

— Acho que não preciso ficar dizendo que você deve tomar cuidado, certo?

— Acredito que é meu dever dizer isso a você, mocinha! – provocou Cassius. – Afinal, olha no que você está se metendo por pessoas que acabou de conhecer.

— Considero apenas como se fosse um trabalho qualquer. – contou Dahlia.

— Você realmente espera que eu acredite nisso? Qual foi a última vez que você saiu para ajudar estranhos assim?

— Nunca encontrei uma situação que me estimulasse a fazer isso. – queixou-se a filha.

— Ou talvez não tenha encontrado pessoas que valessem a pena fazer isso. – contestou o pai.

— Formas diferentes de ver a mesma situação, não é mesmo? – Dahlia recusava-se a admitir que tinha adquirido afeto por Clair e Tyler.

Cassius conhecia a filha mais do que ela achava que ele sabia. Tinha a criado sozinho por muito tempo e assim conseguia distinguir a diferença comportamental que ela adquiria em determinadas situações. Muitas vezes ele preferia não comentar quando ela agia fora do que ele estava habituado, mas agora a situação tinha ido para um outro nível.

— Espero que você tenha consciência do risco que está se colocando e tome cuidado para não ter outro acidente. – disse em tom de preocupação. – Não estou disposta a assumir consequências desastrosas.

— E nem eu estou disposto a deixar que elas aconteçam, disso você pode ter certeza.

— Quero ver que novos truques o senhor aprendeu. – falou curiosa.

— Bom, acho que você terá que esperar mais um pouco para saber.

— Ou você pode simplesmente me contar. – Dahlia deu de ombros.

— Formas diferentes de ver a mesma situação, não é mesmo? – Cassius riu.

Ele viu quando Dahlia adotou uma expressão inconformada e isso o fez rir ainda mais. Gostava de provocar a filha e vê-la nessas alterações de humor, pois era a única forma dele conseguir passar através da armadura emocional que ela vestia para se proteger. Eram poucas as chances que tinha de fazer isso, mas aproveitava todas as vezes que conseguia e ficava feliz de ver a filha um pouco mais vulnerável.

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O almoço naquela tarde tinha sido repleto de risadas e compartilhamentos de histórias. Por poucas horas, todos tinham conseguido esquecer suas preocupações e apenas aproveitar o momento agradável que se passava.

Os caçadores e guerreiros que melhor entendiam de cozinhar, reuniram-se e juntaram seus mantimentos para fazer uma refeição para todos. Optaram por fazer diferentes tipos de caldos, pois acreditavam que renderia mais para a quantidade de pessoas que se encontravam ali. Pegaram frutas suficientes do outro lado da aldeia para preparem sucos diversos. Assim, fizeram um sorriso de satisfação ficar estampado no rosto de todos que degustaram aquela comida.

Infelizmente, depois de finalmente estarem todos descansados, era hora de colocar assuntos mais sérios em pauta. Auster e Carsen se reuniram com Gustav para determinar qual seria o melhor plano para invadirem a prisão.

— Temos que tomar cuidado, pois ainda existem pessoas sendo mantidas como reféns lá dentro. - alertou Gustav.

— Nós também não sabemos quantos inimigos estaremos enfrentando. - lembrou Auster.

— E muito menos do que são capazes de fazer. - completou Carsen.

— Teremos que armar nossas estratégias contando com imprevistos. - disse o líder dos caçadores.

Imprevistos. Gustav não gostou de ouvir essa palavra novamente. Parecia que ela estava o perseguindo não importando o quanto se esforçasse para evitá-la. A incerteza do que podia acontecer deixava-o cada vez mais incomodado.

— Segundo informações obtidas com locais, a prisão parece ter menos vigias durante a noite. Eles mantêm guarda maior durante o dia e à noite revezam com mais frequência. - contou Carsen.

— Então acho que podemos concordar que a melhor hora para irmos seria à noite. Menos risco de um contra-ataque. - sugeriu Gustav.

— Além disso, temos o elemento surpresa. Eles não estão contando com a nossa aparição. É uma vantagem. - lembrou Auster.

— Agora, precisamos dividir os grupos para formar uma estratégia eficaz. E não podemos esquecer que temos menores envolvidos. - Carsen acrescentou.

— Seria melhor se eles não se envolvessem nesse combate! - retrucou o irmão.

— Duvido que eles concordem com essa ideia. Especialmente porque eles que estão diretamente envolvidos com isso e correram atrás de nós para ajudá-los. - explicou o guerreiro.

— Exatamente por isso deveriam deixar serem ajudados e não nos atrapalhar. Eliminaríamos muitos riscos.

— Como se você nunca tivesse tido a idade deles e quisesse se envolver nas missões dos caçadores mais experientes. Você acha que eu não lembro? - respondeu Carsen.

— Acho que somos capazes de criar uma estratégia que não os exponha à muito perigo. Somos todos experientes aqui. - incentivou Gustav.

— O melhor que podemos fazer é criar grupos mistos de caçadores e guerreiros. Assim podemos combinar nossas melhores habilidades e cobrir nossas fraquezas. - sugeriu Auster

— Acredito que seja o melhor a fazer mesmo. - concordou o guerreiro e viu quando o outro caçador também balançou a cabeça em afirmação.

— Não podemos fazer nada hoje a noite, pois seria muito precipitado. Porém, com o plano certo, poderemos agir amanhã. -

Carsen pegou um livro que carregava entre suas coisas e abriu numa página em branco. Começou a rascunhar umas linhas enquanto Auster e Gustav debatiam qual seria a melhor posição para cada grupo. Estavam tentando cobrir a maior área possível, não dando brecha para inimigos passarem por suas defesas.

Precisam de um plano rápido e eficaz. Não tinham tempo para ficarem perdendo com estratégias muito elaboradas. Contavam com guerreiros e caçadores habilidosos e precisam confiar em suas técnicas de combate. E, depois, podiam apenas esperar que as perdas fossem mínimas.

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Naquela noite, Elly ansiava por encontrar sua mãe. Mal podia esperar para contar as novidades. Finalmente poderia compartilhar algo bom com sua mãe. Era o momento que aguardava desde o dia em que foi raptada. A hora que tudo se resolveria.

A árvore de sempre estava lá. E sua mãe também estava lá, sentada. Contudo, por alguma razão, muitas folhas secas estavam caídas em volta dela e não era algo que Elly estava acostumada a visualizar naquele cenário. Ignorou e logo correu ao encontro de Farrah.

— Mãe! - Elly estava com um grande sorriso de animação.

— Olá, minha filha. - Farrah retribuía o sorriso. - Por que está tão feliz assim?

— Porque finalmente iremos nos reencontrar!

— Sério? - disse surpresa.

— Sim! Encontramos meu pai e viremos te resgatar amanhã. Isso não são boas notícias?

— Isso são ótimas notícias! - disse Rikard, acordado do lado do corpo adormecido de Farrah dentro da prisão.