Dois Quartos de Vinho

Um sutil aroma de perfume masculino


Um sutil aroma de perfume masculino a despertou, percebeu que, além de seu próprio cabelo, outros fios tampavam sua visão. Abrindo um pouco mais os pesados olhos, notou ao seu lado a silhueta de um homem que conhecia bem, recordou os acontecimentos da noite anterior e virou-se para o lado contrário, tentando sair da cama. Sentiu algo prender seu braço. Elídio, recém acordado, a segurava.

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— Não vai fugir de mim dessa vez – Murmurou enquanto a puxava de volta para debaixo dos lençóis.

— Não ia – Retrucou com um sorriso um tanto quanto desconfortável.

Ele a admirou por um breve momento e beijou seus lábios.

— Poderia dormir aqui sempre. Me desculpa por ontem, eu perdi o controle e... bom, não teria dito tudo aquilo.

— Como foi o espetáculo? – Sua mudança de assunto não foi sutil, mas o outro preferiu não comentar.

— Foi bom. Não consegui desenvolver muito, mas eles seguraram as pontas. Seria melhor se estivesse lá.

— Quem sabe no próximo?!

— Se quiser pode assistir junto com o pessoal da produção, lá do alto.

— Acho que prefiro assistir como todo mundo.

— Mas você não é todo mundo – Não pra mim. Pensou, mas não disse.

Seguiram conversando sem se preocuparem com a hora.

Algo em Elídio chamava atenção, Lia não sabia o que poderia ser, mas ele estava mais alegre que o habitual, ela sentia como se seus olhos crescessem a cada palavra que dizia. Havia algo doce no ar, algo tão nítido que chegava a cegar. A jovem sabia que tinha deixado alguma pista passar, algum gesto ou frase mal compreendida, tentou retomar mentalmente toda conversa enquanto ele continuava a falar.

— Como está indo sua peça? – Sanna perguntou, tirando-a de seus devaneios.

— A próxima apresentação é semana que vem, parece que dessa vez alguns nomes importantes vão assistir...

— Quer dizer que a minha presença não foi importante?

— Saiu uma coluna sobre vocês três. Falava da peça, dos críticos e da presença de alguns famosos.

— Não me lembro de quando fiquei famoso – Comentou com ironia.

— Ninguém disse que você é.

Os dois se encararam por poucos segundos, não se contiveram e começaram a rir.

— Não me considero uma celebridade. É esquisito pensar nisso, sabe?

— Não somos nós quem escolhemos ser ou não ser, a mídia escolhe por todos. É ela quem dita as regras, direciona os holofotes e aponta quem sofrerá com isso.

— Mórbido – Ele observou, arqueando as sobrancelhas.

— Real, na verdade. Aqueles que escolheram te apoiar também estão sujeitos a exposição, em fotos colocadas em redes sociais, por exemplo.

Ele ia retrucar, mas percebeu a tempo onde ela queria chegar. Nunca se importou muito com os absurdos que algumas fãs insistiam em comentar, sabia que bastava uma foto despretensiosa junto a uma mulher, para que se lesse as mais incoerentes frases vindas de adolescentes de catorze anos. Mesmo que poucas chegassem a incomoda-lo, jamais foi algo que limitou sua liberdade, tampouco o obrigou a ir a público reclamar.

Entretanto, em nenhum momento questionou se aqueles a sua volta se importavam, e agora essa negligencia o incomodava. Com qual propriedade poderia pedir a uma anônima desprendimento quanto a sua exposição junto a ele? Não poderia.

— Os comentários te incomodam?

— Já passei por coisa pior e já tive a idade delas. Entendo a imaturidade.

— Queria que não fosse assim.

— Infelizmente realizar seus sonhos tem um preço.

— Não sei se tudo isso era meu sonho.

— O que você queria ser antes disso tudo? – Ela virou para olha-lo nos olhos.

— Queria um emprego onde eu não precisasse trabalhar, pudesse sair quando quisesse e sempre tivesse dinheiro pra viajar.

— Não perguntei se queria ser herdeiro – Respondeu rindo.

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— Eu nunca soube o que queria ser, só tinha certeza que não nasci pra gravatas – Ele também ria – E você?

— Sempre quis ser o que sou.

— Você sempre quis roubar meu coração? Faz sentido.

— Sempre quis ser atriz. Idiota – Ela tentou se manter séria, mas foi em vão.

— Escolhemos carreiras difíceis – Tentou arrumar alguns fios do cabelo da moça que estavam caindo sobre seus lábios.

— Pelo menos um de nós teve sucesso.

Elídio sorriu genuinamente, aproximou-se ainda mais e a beijou. Seu beijo não trazia o calor da madrugada anterior, mas deixava seus sentimentos tão límpidos quanto suas intenções. Quando se afastou, sentiu como se a qualquer momento seu coração fosse rasgar seu peito e dizer o que ele próprio não tinha coragem de falar.

— Seus olhos estão brilhando, não tinha reparado.

— Só brilham quando te vejo. - Ela respondeu com o melhor de seus sinceros sorrisos e com o mais doce de seus beijos.

O homem arrumou seus cabelos enquanto fitava o teto, não poderia deixar sua oportunidade passar, permitir que ela fosse embora mais uma vez sem promessa de retorno, os chocolates e flores não foram comprados em vão. Ainda olhava para cima quando, com a expressão confusa e olhar decidido, perguntou:

— Quer namorar comigo? – Só então se virou para ver a reação dela.

A mulher abriu a boca, porém nada disse. Questionou se havia escutado certo, se aquilo não passava de uma mera brincadeira, mas o olhar do homem não transmitia graça. Mais uma vez seus lábios se distanciaram, mas sua fala não obteve progresso, seu coração acelerou e seus olhos pareciam prestes a explodir de tão arregalados. O que poderia responder? O que deveria dizer?

Elídio sentiu como se um fio de água gelada percorresse sua espinha, sua testa começou a suar e o ar lhe faltava. Não se lembrava da última vez que ficara tão ansioso por uma resposta. Arrependeu-se de sua pergunta.

— Quero.

— Quer? – Ele questionou quase sem ar.

— Quero!

Lia sorriu enquanto o humorista a puxava para seu colo.

— Isso poderia durar para sempre – O moreno ainda se recuperava da resposta, como uma criança que ganha um brinquedo inesperado.

— Poderia.