Dois Quartos de Vinho

Acordou às 5h00


Aline acordou às 5h00, ficou um bom tempo fitando o teto do quarto escuro - diferente da amiga só dormia com a janela fechada - nele se viam adesivos de estrelas e planetas, um mimo do namorado. Levantou, abriu a janela e se surpreendeu com o tempo nublado e com o vento gelado que foi ao seu encontro. Seu quarto tinha as paredes pintadas de lilás, uma cama de casal ao centro, uma penteadeira branca cheia de acessórios para cabelo, esmaltes e cosméticos, acima dela uma televisão, um guarda roupa na lateral e um cabideiro, fora as roupas e sapatos largados por todos os cantos do cômodo, denunciando sua falta de organização.

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A loura foi até a cozinha, passou um café, lavou a louça e se sentou à mesa para esperar a amiga acordar. Enquanto esperava repassou mentalmente os acontecimentos da noite anterior, decididamente ver sua amiga beijar o ídolo não estava em seus planos, ficou em choque e precisava esclarecer esses pontos.

O despertador tocou, a morena o desligou e se levantou, foi até o banheiro lavar o rosto, passou alguns segundos encarando seu reflexo no espelho tomando coragem para a conversa que teria, sabendo que a amiga já à esperava. Saiu do banheiro em direção a cozinha, olhou a loira, que a encarou de volta, e deu um sorriso amarelo e sem graça.

— Bom dia. - Ela disse.

— Senta.

A morena obedeceu.

— Pode começar.

— Começar o que?

— A se explicar, de preferência.

— Eu não sei por onde começo.

— Pode começar pelo dia 5 de março. - A loira cruzou os braços e mudou a expressão.

— Ok...

Lia começou a contar todos os fatos. Falou desde a mensagem em uma de suas redes sociais, contou detalhes dos dois primeiros encontros, do beijo na escada e finalizou com o infeliz acontecimento de uma semana atrás. Aline ouviu tudo sem mudar sua expressão indiferente.

— Tá, e por que você não me contou?

— E eu ia contar o que Aline? Que eu saí com o Elídio e ele me beijou? E se não passasse disso?

— Ok, eu estou esperando.

— Esperando o que?

— Seu pedido de desculpas.

Lia gargalhou de forma verdadeira e exagerada, levanto em conta a hora.

— Vai esperar sentada então querida.

— Vagabunda!

Em resposta Lia apenas sorriu.

— Então, o que você acha disso tudo?

— O que eu acho? É, deixa eu ver se entendi: minha melhor amiga está me perguntando o que eu acho sobre ela estar tendo um caso com seu ídolo e não me contar e deixar, na maior cara de pau, eu descobrir tudo isso dois meses depois, é isso?

— É.

— Eu acho do caralho, Lia.

— Como é?

— Vem cá me dar um abraço.

— Oi?

— Anda mulher, me abraça! - Aline levantou e Lia foi ao seu encontro. - Calma!

— O que foi?

— VOCÊ TÁ COM O ELÍDIO!! Não vamos gritar?

— Vamos?

— Vamos!

Na verdade as duas berraram enquanto pulavam em círculos e finalizaram dançando um ritmo difícil de se decifrar.

— Me abraça de novo, mulher. - As duas se abraçaram e a loira apertou a bunda da amiga.

— Ei!

— O Elídio já pegou nessa bunda?

— Aline!

— O que foi? - Ela perguntou enquanto ria - Eu preciso saber, né?!

— Sério que não ficou brava?

— Em nenhum momento, tava só fazendo um suspense, eu queria mesmo era pular no seu pescoço e comemorar.

— Piranha!

Minutos depois, já sentadas no sofá, Aline perguntou:

— Você não se sente estranha com a diferença de idade?

— A diferença nem é tão grande.

— Ele é 10 anos mais velho, Lia.

— O Elídio é como vinho, quanto mais velho, melhor fica!

— Hum, já ouvi isso antes.

Mais alguns minutos quietas.

— E o que você pretende ter com o Elídio?

— O que o futuro tiver a nos oferecer.

...

— Foi o que eu falei, condenação clara de dez a quinze anos sem condicional.

— E ele?

— Disse que preciso ser mas prática do que teórica, que é pra eu parar de me apegar tanto às leis porque aqui é Brasil e nada funciona conforme elas. Que tipo de professor de direito diz isso?

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— Tá vendo? É por isso que não curso direito.

Vitor e Lia estavam conversando na saída da universidade. Quando chegaram na calçada pararam diante do carro do homem, ele perguntou:

— Quer carona?

A mulher ia responder quando ouvir alguém chamar por seu nome, se virou e a pouco mais de dois metros de distância viu Elídio de pé ao lado de seu carro.

— É, parece que você já tem carona. - Vitor observou - É melhor você ir.

— Ai, eu não sei, não.

— Vai logo mulher, é ele. - Ele empurrou a amiga na direção do homem - E amanhã você me conta como foi a noite.

— Vitor! - Ela ficou vermelha.

Caminhou até o humorista, que acompanhou seus passos sorrindo, ela olhou para trás procurando o amigo e sorriu, Elídio acenou para Vitor que acenou de volta, então o universitário entrou em seu carro e deu partida.

— Tá fazendo o que aqui?

— Precisava te ver, ouvir sua voz, sentir seu cheiro...

— E agora que já fez tudo isso vai embora?

— Não. Vim te fazer um convite também.

— Que seria?

— Quer assistir a apresentação de uma orquestra?

— Merda.

— O que foi?

— Eu adoro orquestras.

— Vamos então?

— Agora?

— Sim.

— Que orquestra é essa que se apresenta depois da meia noite?

— A orquestra de rua.

Os dois entraram no carro e seguiram para um lugar que Lia não fazia ideia de qual era.

— Qual o nome da banda?- Ela perguntou com o carro em movimento.

— Sem Nome.

— Ela tem que ter uma nome.

— Banda Sem Nome.

— Não Elídio, é serio, qual o nome da banda?

— Lia, amor da minha vida, flor do meu campo, maçã do meu pomar, o nome da banda é Banda Sem Nome.

Ela não respondeu, ficou extremamente sem graça com o que ouviu.

Elídio estacionou ao lado de um bosque, abriu a porta para a moça e logo que ela saiu prensou-a contra o automóvel.

— Sabia que é desumano você sair comigo linda desse jeito?

Estava escuro e a rua deserta. Ele subiu a mão por dentro do vestido da jovem parando assim que sentiu o tecido de sua calcinha, beijou e mordeu seu pescoço fazendo instintivamente Lia jogar a cabeça para trás e soltar um rápido gemido. O homem passou a brincar com o tecido que até então segurava e a morder o pescoço da jovem com mais força.

De repente, a morena colocou a mão entre as pernas do homem e apertou seu jeans. Ação essa que pegou-o totalmente desprevenido e não pode evitar a expressão de surpresa. Ela o fitou fixamente e sorriu maliciosamente.

— Não brinque comigo, Elídio Sanna.

Ela soltou. Ele se aproximou e sussurrou em seu ouvido.

— Se você quiser a noite pode terminar no meu carro mesmo.

Ela sorriu novamente.

— Eu vim para assistir a apresentação se uma orquestra cujo nome é Banda Sem Nome, e é exatamente isso que vou fazer.

Ele balançou a cabeça.

Andaram abraçados até o interior do bosque. Não demorou muito para ouvirem a música, a banda era composta por vinte musicistas e um maestro, apesar da hora muitas senhoras estavam no local, que estava cheio. Cadeiras de plástico estavam espalhadas pelo lugar, todas ocupadas, e algumas pessoas se punham de pé perto do palco. A banda estava na terceira partitura.

Elídio encostou em uma árvore e puxou a jovem para si. O casal estava longe da maioria mas, conseguia ouvir a música com clareza. Lia sentiu as pernas bambas assim que ele a segurou com mais força e o beijo que se seguiu, com uma bela sonoplastia ao fundo, esse foi um beijo que nenhum furacão no mundo abalaria. Estavam ligados, como se fossem feito um para o outro, assim que seus lábios se tocaram tornaram-se um só.

Dessa vez Elídio não tentou nada além do beijo. Não conseguia explicar o que sentia, mas a única coisa que desejava era de ter o corpo da outra ali, colado ao seu, que passassem minutos, horas ou anos, nutriu mentalmente a verdade de que a apenas o beijo da jovens, lento e cálido, poderia mantê-lo vivo.

— Meu Deus. - Ele disse assim que os lábios se separaram.

— O que?

— Por que você demorou tanto para aparecer?

Ela sorriu, envergonhada.

— Eles estão tocando Lady In Red? - Ela perguntou, apontando para a orquestra.

— Estão. - Ele respondeu rindo.

O homem puxou-a para uma dança. Corpos colados, batimentos acelerados e desejos contidos, continuaram em silêncio por um longo período.

I've never seen you looking so lovely as you did tonight

I've never seen you shine so bright* - Ele cantou junto da batida.

Disfarçados entre os giros, rodopios, sorrisos e risadas, haviam olhares. Olhares estes que ocultavam as mais puras e profanas vontades. E em meio a tudo isso a mulher deixou escapar algo que se arrependeu logo depois que disse:

— Acho que estou sonhando.

— Eu também.