Dois Quartos de Vinho

Estava saindo do elevador


Lia estava saindo do elevador, indo em direção ao seu apartamento, quando ouviu uma voz atrás de si.

— Voltando da religiosa caminhada?

Ela se virou e viu Rafael se levantando do chão, onde antes estava sentado, indo ao seu encontro sorrindo.

— Porra, Rafael, quer me fode me beija. Que susto!

— Aceito a proposta. - Ele respondeu rindo.

— Tava fazendo o que ai se esse nem é seu andar?

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— Te esperando, é claro.

— E o que você deseja?

— Você. Tem como?

Ela revirou os olhos. Começou a se lembrar do porquê de odiar tanto aquele homem, mas, para seu próprio bem, resolveu esquecer um fato há anos enterrado.

Se aproximou mais da porta mas o rapaz a deteve.

— Desculpa, brincadeirinha matinal. Posso falar com você?- O silêncio da outra fez ele prosseguir - Preciso de um favor.

— Hum.

— Minha chave quebrou na fechadura e pra variar o porteiro não pode resolver, chamei um chaveiro só que o tempo de espera é de uma hora. Posso esperar no seu ap. enquanto isso?

— Vai pedir para os seus amiguinhos drogados.

— Lia, por favor, uma horinha que seja.

Lia revirou os olhos mais uma vez, queria deixar Rafael mofar do lado de fora, porém alguma coisa a fez ter compaixão pelo rapaz, talvez o bom humor resultado do dia anterior.

Quando seu chefe a chamou e lhe ofereceu uma folga, Lia ficou pensando o que faria em plena sexta-feira, não era de sair, pelo menos não de tarde, e iria ficar jogada em sua cama até a hora de ir para a Tropeços, se não fosse por um convite irrecusável de um certo humorista irresistível.

— Então?

A voz de Rafael a fez voltar a realidade. Percebeu que estava rindo sozinha e então franziu o cenho.

— Entra logo, vai.

Ela abriu a porta e assim que ele entrou já a trancou, ia colocar a chave em cima da mesa como de costume mas achou melhor ficar com ela na mão, precaução para algum blefe do outro.

Era a primeira vez que o jovem entrava no apartamento de Lia, era parecido com o seu só que mais mobilhado e arrumado. Uma pequena cozinha a sua esquerda com azulejos portugueses e uma mesa redonda para quatro pessoas, do outro lado a sala de estar, com dois sofás pequenos, uma TV suspensa por um painel e as paredes pintadas de um tom coral, ao fundo as portas dos prováveis quartos, banheiro e lavanderia.

Lia apontou para um dos sofá, para que ele se senta-se e enquanto ele o fazia ficou observando-o, apoiada no outro sofá. Assim que ele a olhou, com um sorriso amarelo, ela cruzou os braços e voltou a fechar a cara.

— É... sobre a gente...

— Ai Rafael, por favor foi só um beijo será que dá pra esquecer isso? - Sua voz estava exaltada.

— Não é isso Lia, eu tava falando da época que a gente...

— Por favor Rafael, não.

Ela o interrompeu mais uma vez. A ultima coisa que queria era que aquele assunto voltasse para lhe assombrar. Só queria esquecer, já havia esquecido e agora seguia sua vida normalmente, escondendo suas magoas do passado.

— Só queria dizer que você é incrível, Lia, e que eu sinto muito.

— É, eu também...

Ficaram em silêncio por um longo tempo, ela não queria conversa, só queria que o maldito chaveiro chegasse logo e que aquele desgraçado sumisse de seu apartamento.

O toque do celular da jovem foi quem quebrou o silêncio. Assim que Lia viu quem estava ligando mordeu o lábio tentando conter o sorriso, olhou rapidamente para seu hospede indesejado, que por sua vez desviou o olhar, se levantou e foi até a janela, só então atendeu.

— Alô? - Ela disse em seu tom mais simpático.

— Lia? É o Elídio.

— Olá Sanna, tudo bem?

— Isso é injusto, ainda não sei seu sobrenome, mas sim estou bem.

— E a que devo a honra de sua ligação? - Ela falava o mais baixo possível, não queria que Rafael escutasse a conversa, mas deixa-lo sozinho na sala estava fora de cogitação.

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— Bom, se eu não ligar você também não liga.

— Quanto drama. - Ela disse fazendo-o rir.

— Liguei pra saber se você está bem e para perguntar se está livre na quinta a noite.

— Faculdade. - Ela cantarolou.

— Mas você já faltou tantas vezes, inclusive para sair com um completo desconhecido que poderia muito bem te sequestrar, o que custa faltar mais uma? -

Ela riu, mas assim que se lembrou de Rafael conteve-se.

— Custa meu diploma de direito. Desculpa Sanna, mas eu já faltei bastante nos últimos dias.

— Então como vou te ver?

— Hm... não vai?

— Garota, você é cruel demais.

— Eu sei. - Era difícil para ela conter um sorriso.

Lico a gente já sabe que você tá apaixonado, mas será que dá pra largar esse celular por um minuto e ajudar aqui?— A voz soou um pouco longe e apesar de ser masculina, Lia sabia que não era de Elídio, talvez de Anderson.

Lia ouviu algumas risadas ao fundo segundas de um "vai se foder, Anderson", de Elídio o que a fez rir ainda mais.

— É...

— Acho que fiquei um tanto quanto confusa com esse final.

— E eu fiquei um tanto quanto envergonhado. Como foi o ensaio ontem? - Ele perguntou rapidamente, mudando de assunto.

— Foi ótimo! Hoje mesmo vamos apresentar a peça para um diretor de teatro.

— Tomara que ele goste. E qualquer dia desses eu posso assistir um ensaio?

— É... não, quer dizer... ah Elídio você entende né, ninguém além desse diretor pode ver a peça, nem mesmo o ilustre humorista Elídio Sanna.

— Ah esse ilustre humorista não tá com nada mesmo, hein?! - Ele falou brincando.

Lia ia responder, porém ouviu um barulho na porta, se virou e percebeu que a amiga havia chegado. Sorriu para ela e suspirou de alivio.

— Espera ai, você tá me ligando do Paraná?

— Sim.

— Por que?

— Saudades, talvez? - A jovem sorriu, ainda era difícil acreditar em tudo aquilo - Vou ter que desligar que o pessoal aqui já está me ameaçando de morte.

— Não tem problema, tenho que me arrumar pra ir pro teatro.

— Depois a gente se fala e boa sorte na peça. Quero ir na estreia, viu?!

— Pode deixar que te dou um ingresso e obrigada.

Ela desligou e se voltou para Aline.

— Ainda bem que você chegou. Cuida desse encosto ai que eu preciso sair.

— Oi?

— Pede pra donzela explicar tudo, oferece um copo d'água ou sei lá um pedaço de bolo. - Ela completou a frase e foi para o banheiro tomar banho.

— Boa sorte lá. - Aline disse quando a amiga já estava se preparando para sair.

— Obrigada!

— É Lia, boa sorte.

— Vai se ferrar, Rafael. - Falou batendo a porta.

— Queria saber porque ela te odeia tanto. - A loira disse se dirigindo ao jovem.

— Nem queira Line, nem queira...

...

Quando chegou a Tropeços todos já estavam presentes, com exceção do tal diretor de teatro que, até então, ela não sabia quem era.

O palco estava um caos, todo mundo corria de um lado para o outro tentando fazer diversas coisas ao mesmo tempo, arrumando o cenário, varrendo o chão, limpando as cortinas, testando a sonoplastia e fazendo treinamento vocal - mesmo sabendo que não participavam da peça - enquanto Faletti esbravejava ordens aparentemente estressado.

Lia caminhou lentamente até o canto esquerdo do palco, onde Pedro estava repassando o texto, parou ao seu lado e deu uma risada contida.

— Que confusão! - Falou o mais baixo possível.

— Faletti meu querido amigo, como vai?

— O diretor. - Pedro sussurrou para ela assim que o homem apareceu.

— José Henrique, seja bem vindo a minha humilde escola. Pronto para ver a peça que mudará sua vida? - Aquele homem podia ter vários defeitos, mas todos assumiam que era um bom ator, segundos atrás sua cabeça fervilhava de ódio e agora parecia tão sereno quando um bebê.

— Pois bem, então que comecem. - O outro respondeu se sentando em uma poltrona da primeira fila.

Assim que a apresentação chegou ao fim, as cortinas se fecharam e Pedro e Lia saíram do palco.

— E ai? Você acha que ele se interessou pela peça?

— Sei lá, mal consegui pensar nisso.

— Você não pensa em sair daqui, né Lia?

— Já pensei Pedro e já decidi, assim que essa peça acabar eu saio da Tropeços.

— Não Lia, você não pode. Vai me deixar?

— Não posso te arrastar comigo como se você fosse uma criança. E outra Pê, já passou da hora de eu procurar algo que me dê futuro realmente e se depender daquele idiota eu vou mofar aqui. - Disse referindo-se ao diretor da cia.

— Gente, você estão sendo chamados lá na plateia. - Marissol disse e os acompanhou até onde os dois diretores e alguns professores estavam.

— Bem, eu achei tudo muito bom e acredito que o Teatro Municipal de São Bernardo lhes receberá com o maior prazer. - José Henrique disse, fazendo todos comemorarem dando pulinhos de alegria.

Lia sorriu para o amigo e pulou em seu pescoço, o abraçando o mais forte que conseguia.

— Conseguimos Pê, nós conseguimos!

Ela não conseguia e nem queria conter a euforia, pela primeira vez seria a protagonista de uma peça junto de seu amigo que se formou junto dela, seria remunerada por seu trabalho e logo depois se desprenderia da cia e caminharia com suas próprias pernas.

Todos, com exceção dos diretores, deram um abraço em grupo, se cumprimentando e parabenizando cada um pelo incrível trabalho que exerceram.

— Minha ultima peça com vocês meus amores, será a melhor de todas! - Lia disse assim que o abraço se desfez.

— Como? - Faletti perguntou indignado.

— Ora, você está saindo da Tropeços? Por que não disse antes? Assim que o contrato chegar ao fim eu mesmo farei questão de lhe indicar para alguns conhecidos. - Henrique disse para a moça.

— Tá brincando? - A expressão de surpresa era nítida no rosto da jovem.

— De maneira nenhuma. - Ele respondeu - Aqui, pegue meu cartão e depois tratamos disso. Agora, Faletti, vamos acertar as condições do contrato?

— Sim, sim José, é claro. Estão todos dispensados, vejo vocês segunda. - Ele não se conteve em lançar um olhar intimidador para Lia, que como resposta sorriu amargamente.

— Vamos sair pra comemorar? - Pedro perguntou quando já estavam na rua.

— Pode ser amanhã?

— Por que não hoje?

— Posso ir para casa descansar?

— Parece que vai chover, não é?

— Qual a raiz quadrada de pi?

— É... hã...

Bééé. Perdeu.

— Assim não vale. - Pedro respondeu fazendo a jovem rir. - Até amanhã Julieta.

— Até, Romeu.