Dois Quartos de Vinho

De quem é a mão na mesa?


"De quem é a mão na mesa?"

"Lico tá beijando alguém?"

"Aquilo é... uma mão! QUEM É A VAGABUNDA AGARRADA COM O MEU BARBIXA?"

"Elídio voltou com a ex?"

Estes eram alguns dos comentários presentes na foto que Anderson havia postado na noite anterior. Lia achou a maioria cômicos, riu como criança dos comentários de algumas fãs mais fanáticas.

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As fãs... Lia ainda não tinha parado para pensar nelas, mas sabia como se sentiam deslocadas nessa questão de se dedicar ao ídolo e de repente descobrir que mal sabem sobre ele, de ver aquela esperança, quase apagada, de um dia vir a ter algo com o homem de seus sonhos se esvair pelos vãos de seus dedos, a raiva por não ser mais velha, ter a idade dele, e perceber que mesmo se esforçando e pesquisando ao máximo não percebeu por sequer um segundo o brilho no olhar apaixonado desse que tanto às inspiram e tiram seu chão.

Ela já havia passado por isso, ainda era adolescente quando o último namoro de seu Barbixa favorito foi anunciado, na verdade esfregado na cara de todos pelas mídias e blogs de fofoca. Lembra exatamente o que sentiu assim que leu a noticia. O vazio. As lagrimas quase percorreram seu rosto possivelmente morrendo diante das teclas de seu computador, o choque não a deixou pensar em nada bom ou ruim, não sabia se estava feliz ou triste ou se deveria sentir algo sobre aquilo. E assim foi durante os 11 meses mais longos de sua vida, até que, enfim, o término do relacionamento foi anunciado.

Depois veio a noticia do namoro de Anderson, esse contado pelo próprio, que pouco mais de um ano depois se casou e anunciou que em breve seria papai.

Com o quinto elemento do trio a história era diferente, há anos ele já estava comprometido, casado, e se dependesse das fãs continuariam juntos por muito tempo.

Lia estava perdida em seus devaneios há mais de uma hora, ainda olhando para a tela do notebook, mais precisamente para a foto de Anderson, em que 5% dela aparecia. Não percebeu a presença da amiga no quarto, que aliás era o dela.

— Perigo! Atenção. Perigo. Todos apostos e em alerta, foi avistada uma fã fanaticamente apaixonada ocupando o recinto, peço para que mantenham a calma e não atirem até segunda ordem. Cambio, desligo. - Aline imitava uma voz mecanicamente modificada.

— Ah... oi Line.

— Hum... hoje alguém está pensativa, hein?!

— Aline, posso te fazer uma pergunta, do tipo que eu não costumo fazer? - Ela perguntou com uma tom de voz baixo e extremamente doce.

— Claro!

— Você acha que existe alguma possibilidade de eu ficar com o Elídio?

— Mas é claro Lia, nada nesse mundo é improvável e você deveria saber disso mais do que eu. - Ela respondeu, piscando para a amiga.

— Ah, não sei, sinceramente de um tempo pra cá eu não sei de mais nada.

Aline pendurou sua bolsa no cabideiro, tirou suas botas e se sentou na cama, a amiga apoiou a cabeça em seu colo e a loira começou a brincar com os cabelos da outra, enrolando-os como sempre fazia.

— Alguma vez você sentiu que tudo poderia virar de cabeça para baixo, assim, de uma hora pra outra?

— Claro, e isso pode acontecer a qualquer momento.

— É...

— Essa pergunta tem alguma coisa a ver com o Augusto?

— Claro que não. Tem a ver única e exclusivamente comigo. Sei lá, tô com a sensação de que não tenho um rumo na vida.

— Por que? - Aline perguntou com um tom terno na voz.

— Ah, sabe há quanto tempo não planejo nada? E mesmo assim, parece que tá tudo certo, sob controle, mas a verdade é que não tenho certeza que algo vai dar certo.

— Como assim?

— Aline, fiz anos de teatro, passei na prova e agora tenho meu DRT, passei na faculdade de advocacia e ano que vem já é meu último ano, pretendo me estabilizar como atriz, porém se não der certo sigo a faculdade mesmo. E o que tudo isso significa? Nada! Talvez não termine a faculdade, ou repita de ano, não seja reconhecida como uma boa atriz ou não arrume emprego na outra área. É tudo tão certo e ao mesmo tempo tão vago.

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— Ai meu Deus Lia, você falando isso, aquela que sempre foi a mais segura demonstrando fraqueza, que lindo. Ninguém tem certeza do futuro, é natural a insegurança quanto a isso, porém não adianta de nada. Ficar com medo não vai te levar a Holywood.

A jovem suspirou profundamente. Normalmente ela não era assim, insegura, não entendia o porque daquele pensamento inesperado, ficou pensando por um tempo na resposta, mas Aline foi mais rápida.

— Acho que você tá apaixonada...

— Como é? - Ela levantou em um salto e se sentou na beirada da cama.

— Só tô dizendo que...

— Não, não e não. Não posso nem fazer uma pergunta mais? Meus Deus! - Se levantou e foi para seu quarto.

O quarto era totalmente organizado, as paredes claras, os lençóis também, ao lado da cama uma mesinha branca - conjunto de uma penteadeira que ficava no quarto da amiga - e logo a sua frente uma televisão, perto da janela ficava estendida uma rede de estampa xadrez, o guarda roupa na mesma parede da porta, também branco, onde as portas do meio eram espelhadas e na parede ao lado uma estante com três prateleiras quase lotadas de livros.

Logo que entrou, Lia se jogou em sua cama e pegou seu celular, ficou encarando, por um longo tempo, a foto do contato de Elídio. Até que sem querer esbarrou o dedo na tela e iniciou uma ligação para o Barbixa.

— Puta merda! - Ela desligou o mais rápido que pôde e se virou, deixando seu celular ao lado.

30 segundos se passaram até que seu celular começou a tocar.

— NÃO!!

O celular tocou três vezes até que ela atendeu.

— Alô?

— Lia? Você me ligou?

— É... oi Sanna. Liguei, mas foi sem querer.

— Que pena, pensei que já estivesse com saudades.

— Mas a gente se viu ontem.

— É, mas... - A linha ficou muda por alguns segundos. - Você já almoçou?

— Não. - Ela disse rindo - Por que?

— Quer almoçar?

— É, já já eu vou mesmo.

— Não Lia. - Ele disse rindo - Perguntei se quer almoçar comigo?

— Ah é? Claro, claro que quero, onde?

— Sabe o parque Major?

— Aquele que inaugurou faz uns 8 meses?

— É, esse mesmo. Em quanto tempo quer que eu passe ai?

— Ah Elídio obrigada, mas eu vou sozinha.

— Tem certeza?

— Claro, pode deixar que me viro. Daqui uns 40 minutos eu chego, pode ser?

— Claro, até lá então.

— Ok.

— Lia, espera!

— O que?

— Eu não falei onde vamos almoçar, só falei do parque. - Ele concluiu rindo.

— Ah é verdade. - Ela também começou a rir.

— Então, do lado do parque tem uma padaria de esquina.

— Lá então. - Ela disse desligando.

O movimento na padaria era considerável, logo que chegou Lia passou a caminhar sem direção certa enquanto olhava para os lado procurando aquele que a convidou. Até que viu um homem de camisa azul clara e óculos de sol acenar em sua direção.

Quando já estava a menos de um metro de sua mesa, localizada ao lado de uma grande janela que dava vista para o parque, uma leve brisa bateu nas costas da jovem fazendo seu vestido, rodado e florido, se levantar levemente.

Elídio se levantou ao seu encontro, colocou uma das mãos em sua cintura e sussurrou em seu ouvido:

— Assim eu não resisto. - Fazendo Lia se arrepiar.

— Gostei da camiseta. - Ela respondeu sorrindo.

— E eu gostei de você da cabeça aos pés. - Ele disse beijando seu pescoço, a atiçando propositalmente - Uma pena que está de dia. Mas vem, vamos sentar.

— Faz tempo que chegou?

— Não mais de dez minutos.

Eles conversaram por mais de uma hora, Lia riu na maior parte do tempo, sentia como se estivesse assistindo a um espetáculo particular, feito só para ela. Era estranho como se sentia tão a vontade e ao mesmo tempo tão insegura.

— Aquele é o tal parque novo, né? - Ela perguntou quando já haviam terminado de comer.

— Sim, já foi lá?

— Nunca.

— Quer ir?

— Claro! Por que não?

O parque Major, recém inaugurado, era grande e coberto por grama e vegetação rasteira, as poucas e pequenas árvores do local abrigavam passarinhos e serviam de proteção para os visitantes que queriam fugir do sol forte. Na parte mais alta dele havia um grande parquinho onde algumas crianças se divertiam juntos de seus pais e na parte mais baixa um lago cheio de pequenos peixes e alguns sapos.

Elídio segurou Lia pela mão e a guiou pela pista feita para caminhadas, eles passaram pelo lago e pouco depois chegaram perto de um pequeno palco de shows onde uma banda ensaiava alguns acordes.

— Acho que aqui está bom. - Ele disse.

— Claro. Agora vem, vamos deitar.

— Na grama?

— Sim, na grama.

— Tá, mas isso é meio...

— Hippie? - Ela perguntou fazendo ele rir.

— Então, o que achou de ontem? - Ele perguntou se sentando enquanto Lia deitava a centímetros de distância.

— Eu adorei, foi incrível!

— Uau, que bom que gostou. Eles ficaram me zoando depois que você foi embora.

— Todos?

— Sim, principalmente o Marcão.

Ela riu, já gostava de Marco como humorista e a noite anterior serviu para gostar dele também como pessoa.

— Mas isso é inveja.

— Ué, por que inveja?

— Por causa da gente, sabe? Eu estou com você, que é linda, e o idiota tá lá sem ninguém. - Ele falou brincando.

Está mesmo? Lia não se conteve em pensar.

— Mas ele não é casado?

— O Marco? É nada. Na verdade era, mas não deu muito certo. Sabia que a gente morava junto antes dele casar?

E o que uma fã não sabe sobre o ídolo? Pensou novamente, mas preferiu negar.

— E não moram mais?

— Não. Antes do casamento ele me contou que queria comprar uma casa pra ele e a garota ai a gente vendou a que morávamos e dividimos o dinheiro, eu comprei a que moro hoje e ele comprou outra, mas agora mora num apartamento.

— Nossa, que pena que o casamento não deu certo...

— Pena nada, não gostava dela. - O tom de voz fez Lia rir - No começo ela era muito legal com todos, mas depois do casamento parecia que o Marco tinha virado propriedade dela. Ela não queria que ele saísse mais comigo porque eu era uma "má influência" como se o cara tivesse 12 anos, até ir ao Improvável ela proibiu, ai o casamento acabou.

— Nossa, meio autoritária, né? Fora o Marcão, todos lá são casados, né?

— Menos eu e a Jaque, que namora.

— Gostei do óculos, combina com você. - Ela falou pouco tempo depois.

Elídio sorriu. Achou que naquela ocasião o óculos de sol seria um bom aliado. Era o máximo de disfarce que conseguiria usar se quisesse agir naturalmente e passar o mais despercebido possível. Não gostava da ideia de ter que se esconder, como se devesse algo a alguém ou fugisse da justiça. Realmente essa não era a intenção, só não queria correr o risco de ser envolvido em uma fofoca do tipo "Elídio Sanna é visto em parque com suposta namorada" seguida de várias fotos com a jovem. Não gostava da ideia da mídia dando tanta ênfase a uma mulher que era só uma... uma... só aquilo que era.

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Uma valsa começou a tocar alguns metros adiante, a banda havia começado seu show e perto do palco estavam vários casais dançando.

— Agora entendi porque o esse lugar tá tão cheio. Um baile da terceira idade. - Lia concluiu.

— Isso é ótimo. Vamos?

— Vamos?

— Sim, vou te ensinar a dançar valsa.

— Elídio Sanna, você acha realmente que eu não sei dançar uma simples valsa?

— Lia Que Eu Não Sei O Sobrenome, eu tenho certeza disso.

— Pois você está redondamente certo.

Ele a puxou pelas mãos e a agarrou pela cintura.

— Tá, agora você tem que me ensinar. - Ela disse com seu rosto a centímetros dele.

— Com o maior prazer.

Elídio subiu uma das mãos pelas costas dela e a beijou rápida e delicadamente. Logo depois entrou no ritmo da dança.

Enquanto dançavam, Elídio não conseguia tirar os olhos da moça e sorrir de um jeito bobo. Logo ele que se encantava por mulheres que gostavam e sabiam dançar foi se interessar por uma completa desajeitada. Mas mesmo assim ela tinha algo, algo que não conseguia explicar, apenas sabia que tinha e que o deixava enlouquecido, a vontade que tinha era de tira-la dali, leva-la para sua casa e fazer logo o que queria desde o primeiro dia que a notou. Mas ao mesmo tempo sentiu que não era só aquilo, algo ia além do puro desejo.

Depois de uns dos giros que ela deu enquanto dançava, ele a puxou para si e viu em seus olhos um brilho parecido com o dos outros dias, porém diferente dessa vez, pensou que talvez esta pudesse ser a mulher com quem ele... não, estava fantasiando demais, ele assentiu.

Começou a gira-la cada vez mais rápido e se afastando cada vez mais dos que dançavam. Até que Lia tropeçou em um dos pés de Elídio e caiu na grama levando-o consigo. Os dois gargalharam por um longo tempo e, de repente, ficaram em silêncio.

— É esse o momento clichê em que o casal se beija? - Ela perguntou.

— Esse mesmo.

Sanna agarrou os cabelos da outra com força e cravou seus lábios nos dela. Um beijo quente como o primeiro de todos. Aquele momento romântico dos dois se tornou selvagem, esquecendo do mundo que os cercavam.

Ele subiu a mão pela coxa da jovem até um ponto onde o vestido a cobria totalmente, e a apertou com a mesma força que a pressionou contra a grama. Ela não conseguiu conter um gemido, mas por um segundo de lucidez o empurrou para trás.

— Elídio! Parque. Publico. Crianças.

— Desculpa. - Ele respondeu, soltando-a e se sentando ao seu lado.

Ele arrumou o óculos, que com o beijo ficou torto, e olhou em volta, conferindo para ver se ninguém estava olhando para os dois ou até mesmo tirando fotos.

— Bonita a tatuagem, tem mais alguma?

— Não, é a única.

— Algum significado?

— Liberdade.

Uma semana depois que saiu da casa de seus pais Lia tatuou, logo abaixo da clavícula, um caminho de pássaros.

— E você? - Ela perguntou mesmo sabendo a resposta.

— Tenho só uma também, nas costas. Acho que tenho uma foto aqui, espera ai.

Ele pegou seu celular e pouco depois mostrou o desenho que Lia conhecia e odiava há muito tempo.

— O mapa do Brasil? - Ela entortou a boca.

— Sim.

— Por que?

— Patriotismo, talvez? - Ele brincou.

— Não se arrepende?

— Minha vida não é feita de arrependimentos! - Ele deu um sorriso malicioso junto a um olhar intimidador que a fez rir.

— Que horas são?

— 17h37.

— Nossa, eu preciso ir.

— Vai para casa?

— Não, vou ensaiar.

— Eu te levo, mas com uma condição.

— Qual?

— Mais um beijo.

— Condição aceita.