Chamem os Bombeiros

Preferia estar morta!


Minha cabeça lateja. Sinto meu corpo pesado e a coriza me ataca. Estou de olhos fechados, com termômetro debaixo do braço. Ele apita, o pego e verifico a minha temperatura: 38 ºC. O Ernesto me rodeia e decide que o melhor lugar para se sentar é o alto da minha cabeça. Depois, sinto suas patinhas brincarem com os meus cabelos.

Tento virar a cabeça, mas a dor nos ombros e no pescoço não me permite.

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— Ernesto, mamãe não está bem. Não estou com vontade de brincar.

“Sério mesmo, humana? Não tinha percebido... Oh, bocó! O que você acha que estou fazendo? Reiki para você melhorar, né? Gatos são sensitivos! Aprenda!”

Ele sai, mas logo depois sinto sua língua áspera no meu rosto.

— Prometo que vou melhorar! – digo.

“Por favor, humana! O que será de mim se você ficar pior e... Não! Nem vou pensar nessa possibilidade!”.

Apalpo ao meu redor à procura do meu celular. Preciso avisar que não vou. Assim que coloco a mão no aparelho, ele vibra com um sinal sonoro. Meio grogue, por conta da febre e dos remédios que me dão sono, tento firmar a visão para ler de quem é.

“Bom-dia, minha linda pequenina! Dormiu bem? Se sente melhor?”. Pequenina... Só poderia ser do meu querido hipster, o Júlio. Ontem à noite, já o tinha avisado que não estava me sentido muito bem. Com Sol forte, água gelada e a poeira, o trabalho em campo exige, além de disciplina, uma saúde de ferro. E nem sempre sou das 10 mais no quesito imunidade.

“Não, queridinho! Estou com uma febre muito forte. Não vou hoje”.

“Triste isso... :(”

Logo depois:

“Quer que largue tudo e fico aí com você?”

“Posso ser seu enfermeiro ( ͡ ͡° ͜ ʖ ͡ ͡°)”

Respondo:

“Não, senhor! O chefe vai ficar fulo da vida! E aí sim, dois apaixonados e dois desempregados! ¬¬’”

Acabo de enviar a mensagem, me dá uma crise de tosse. E o celular toca.

— Alô? – e outro acesso de tosse.

— Caramba, Gi! Vou aí e te levo para o médico! – ouço a voz do meu fotógrafo hipster.

— Negativo! Vá trabalhar! Vou ficar quieta por hoje!

— Então, quando estiver voltando, passo aí para te ver e...

— Jú, fique tranquilo, eu estou ... – e aí está mais um acesso de tosse.

— Bem mal! – completa ele. – Faz assim, vou te levar para o médico agora!

— Jú! Vá trabalhar e não enche! Te ligo qualquer coisa!

Ele suspira desolado e me responde:

— Está bem! Mas fique quietinha! Qualquer coisa me ligue que corro para aí!

— Sim, senhor doutor!

— Aviso a Lilian, Gi. Tudo bem?

— Ótimo! Jú, agora vou dormir um pouquinho!

— Está bem! Melhore logo! Beijos!

— Beijos. – respondo.

— E te amo! – fala carinhoso.

Volto a colocar a cabeça nos travesseiros. E a minha cabeça pesa. E logo essa semana que estamos no meio de uma produção especial para o aniversário de São Paulo. Sinto que a cabeça ficou alta em relação ao resto do corpo. Ajeito mais uma vez os travesseiros e, o Ernesto se aproxima. Ele do nada começa “amassar pãozinho”. Será que ele quer me ajudar?

“É assim, humana com suavidade e pressão. Eita dificuldade!”.

— Ernesto, estou ... – e sou acometida por uma crise de tosse.

“Bem mal, humana! Fique quieta, antes que lhe dê uma patada!”.

******

Assim que chego no jornal, estaciono minha Vespa e dou bom-dia ao Farofa. Enquanto caminho para o elevador, mando mais uma mensagem para a Gi, mas ela não me responde.

Checo novamente o celular quando chego ao andar da redação e nada. Será que ela dormiu? Estou preocupado com a minha pequenina. Vou atrás da Lilian para avisar que a Gi não vem. Quando aviso a sósia da Garcia que a minha namorada está gripada:

— Ou com dengue! Júlio, os olhos dela estão pesados? Ou melhor, doem quando ela mexe?

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Fico meio sem saber o que responder.

— Não, Lilian! O que sei é que ela está com febre e...

— Com diarreia? Ela está com diarreia? – me indaga.

Mesmo se estivesse, você acha que uma namorada no começo de relacionamento te informaria sobre isso?

— Ela não me disse, mas... é febre, tosse e coriza. É gripe!

E aí a Lilian dispara:

— É isso você tem razão! Bem, graças a Deus! Só faltava ela ficar com dengue. – olha para o relógio e se vira para mim: - Bem, bora para reunião. Qualquer coisa convoco o Murilo ou a Juliana para substituí-la.

— É uma boa ideia. – respondo sem conseguir esconder a frustação.

— Sei que você adora ir a campo com sua namorada, Ju. – e pisca enquanto fala. – Mas pense, bem que a Gi merece um descanso...

Isso é. Sem contar que as reportagens sobre o aniversário de São Paulo são as mais trabalhosas.

— Você vai avisar o chefe, né? Aliás, cadê ele?

— Não se preocupe! É uma das primeiras coisas que irei fazer. Mas... Hoje, o jornal está sobre a minha responsabilidade! Ele saiu para alguns compromissos extraoficiais. – e mexe as sobrancelhas.

Não posso negar que fico curioso, o que seria esse tipo de compromisso. E a Lilian me traz de volta à realidade.

— Júlio? Vamos? – ela já está na porta com um bloco de notas, as pautas e uma caneta cheia de glitter. Bem, essa é a Lilian, discreta, sempre!

Os assuntos em voga são falta de água (e é algo que provavelmente não sairá tão cedo das manchetes e notícias), ciclovias, escândalo da Petrobrás e... o aniversário de São Paulo.

Equipes formadas, vou com Murilo a campo, que se ofereceu ir no lugar da Gi. Olha, o meu julgamento foi errôneo diante do cara. Se não fosse ele, eu e a minha pequenina talvez não tivéssemos se acertado.

Quem coordenará as equipes em campo para o especial será a Juliana. Então, a coisa vai ser mais sossegada do que imaginava.

— E a Gi? – me indaga o Jura enquanto coloco o equipamento no carro.

— Com gripe, Jura!

— Caramba, já tinha falado para ela tomar vitamina C! – reclama o Murilo.

— Mas acha que não dei uma chamada na garota? Falei: “Gi, é muito Sol, você não se hidrata direito e...”

Não consigo terminar a frase por conta de um burburinho atrás de mim. E o Murilo me fala em tom jocoso:

— Júlio, dá uma olhada o que está rolando atrás de você.

Vejo o Felipe soltando faísca logo cedo com a Melissa e o Coelho, que se autoproclama o “motorista mais rápido do mundo”, pena que é mais perdido do que calcinha em Lua de Mel, tentando apartar a briga.

Viro para o Murilo e digo:

— Essa equipe vai render uma treta!

— Você acha? – indaga de forma irônica o Murilo. E completa: - Imagina!

*******

“Melissa, no alto da escada, vestida com um quimono reluzente, me encara com desprezo e desdém quando me diz:

— Você acredita que seria fácil, coelhinha?

Estou com um macacão amarelo, segurando a minha hattori hanzo pronta para o ataque. Ensanguentada não por ferimentos sofridos, mas dos homens que matei. Os capangas da Melissa, os famosos 88 loucos! A olho friamente e digo:

— É! Pensei que seria mais fácil!

E do nada, estamos em um jardim oriental. Frente a frente. Ela tira seus tamancos e se inclina me cumprimentando para o início da batalha. A neve cai sobre nossas cabeças. Espadas em punho. E a luta começa! Avanço e tento um afundo, ela vem feroz para meu lado. Um, dois, três golpes. Somos como a caça e o caçador. Contra-ataco, ela rodopia e me acerta nas costas. Caio no chão com uma dor latente. ‘Não, não devo morrer aqui! E não vou!’, penso. Levanto com dificuldade e a encaro.

Ela me olha com ódio e não se conforma em não ter me abatido. Avanço e ela vem em minha direção. Em um rápido golpe, consigo fazer um escape! Antes de cair dura no chão, com os olhos em lágrimas, ela diz:

— Sim, realmente é uma hattori hanzo!”.

Acordo sobressaltada, em parte pelo sonho bizarro, por outra pela chegada de uma mensagem via WhatsApp. Tento firmar minha visão na mensagem. Uma, não, tem pelo menos umas três do Júlio e outras... Caramba, o que rola para o Felipe desembestar e enviar tantas assim?

E minha curiosidade fala mais alto, abro a primeira e leio:

“É treta! Treta! Treta!”.

Oi? De quem? E lá embaixo outra.

“Bee! Faltou você!”

“A Juju lacrou geral! Partiu e foi para cima com tudo dessa quenga desclassificada!”.

Quenga? Será que é a Melissa? Só pode.

“Aliás, saí com ela a campo e foi um poooooorre!”.

Quer saber? Fico aliviada. Só que faltava o Júlio ir a campo com essa sirigaita! Envio a minha mensagem antes de ler as outras.

“E o Jú saiu com quem?”.

Enquanto isso, leio as outras mensagens.

“A Juju disse que a Melissa precisa voltar para o Mobral! Tô adorando!!!”.

Pensei... Juju? Ah, só pode ser a Juliana! Caraca, a Melissa tá ferrada! E aí vem a resposta do Felipe.

“Seu boy saiu com o Thiago Lacerda do jornalismo. Bee, se pudesse eu os shippava. Mas sei que o Ju é hetero...”

Fico meio pensando: What??? Mas, antes de enviar a mensagem do que está acontecendo, o Felipe me informa.

“ A Juju é a coordenadora da reportagem especial de São Paulo. Lembra?”

“Lembro! Mas que a sapato cheiroso fez?” – envio.

“Aí, que tá! Essa amapozinho de quinta fez um monte de cagada e para variar a Juju foi limpar”

“Só que não contente com isso, a sapato cheiroso veio dando showzinho dizendo que ela não sabe nada! Que faltava visão e não é para mexer no texto tão benfeito dela. Pode isso?”

“Quase gritei: Volta bicha!!!”.

Ahãm? Será que... Bem, pelo jeito, a Juliana edita as matérias que estão realmente ruins destrinchando para que o leitor entenda perfeitamente o que está lendo. E com a parte da Melissa não foi diferente. Aquela insuportável deve ter enchido linguiça em vez de coletar os dados em campo. A Melissa escreve qualquer coisa que venha da cabeça, sem fazer pesquisa, ou faz um control c, control v com os releases das assessorias de imprensa, assinando as matérias na maior cara de pau. Não tem nem a coerência de mudar a linguagem e ficar de um modo como ela tivesse escrito.

Enquanto mexo no celular, o Ernesto me rodeia com cara de poucos amigos. Para na minha frente, coloca a pata na minha mão e mia.

“Humana, sossegue o rabo. Largue esse celular e vá descansar! Quer ter uma recaída?”.

— Espera só um pouquinho, Ernesto. Preciso saber dessa treta!

Digito rápido e faceira:

“Então me conte desde o começo. Como foi o dia em campo com essa horrorosa!”.

E envio. Me espreguiço vitoriosa. E se meter com a Juliana? Ela cutucou a onça com a vara curta! A Juju é um amor, mas não pise no seu calo, que despertará a leoa interior da garota.

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Ajeito os travesseiros cantarolando, me sentindo a marquesa do século XVIII. Só faltou meu rapé. Tirando o fato de eu estar em 2015, vestindo um pijama, descabelada e com coriza. Mas, isso é de menos.

O bacana é... Melissa se ferrou, ô, ô, ô! E com isso ganho meu dia.