“Sinto-me livre! Ele corre com a Vespa como não houvesse amanhã. E a toda velocidade. Mas em certo momento, o seu comportamento se torna brusco. Júlio começa a ultrapassar ônibus, outras motos, uma perua, caminhões.

— Vá devagar, Júlio! – o repreendo. Mas tudo que ouço é sua risada. Tão transloucada como Light Yagami em Death Note.

O fotógrafo hipster diz:

— Veja do que sou capaz!

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A partir daí, ele acelera mais ainda a ponto que a motoca começa a trepidar. E logo tenta emparelhar com um Land Rover branco.

— Pare, Júlio! Pare! – ordeno.

Ouço mais uma vez o ronco do motor renegando o meu pedido. Não! Agora, estamos lado a lado com o carro. Quando viro do lado, dou de cara com a Melissa. É ela que está no volante do carro chique.

— Vou mata-los! Muaahhh! – e gargalha de um jeito que me deixa arrepiada.

— Não! – grito.- Pare os dois!

— Jamais!! – respondem os dois ao mesmo tempo.

O carro de Melissa começa a trombar conosco e ela solta uma gargalhada mais alta.

— Veja! Olhe suas mãos! – a garota periguete me ordena.

Me volto às minhas mãos e elas seguram apenas a camisa de Júlio. A moto continua a guiar sozinha. Pelo retrovisor, vejo um corpo caindo ao chão de bruços, ensanguentado e sem vida. E sim, é do Júlio, sem dúvida!”.

*****

— Não!!!!! – acordo com o meu próprio grito. Sento-me na cama atordoada com o pesadelo que tive. O Sol tenta invadir as frestas das persianas e dos vãos da janela. Ernesto chega sem fazer barulho. Para na porta do quarto e mia.

“Maluca! Agora deu de gritar sonhado, é? Você deveria é ser internada!”, mio.

— Desculpe, Ernesto! Mamãe acordou você?

“Não! Imagina! Quase me levou a um infarto! Doida!”

O gato me olha mais uma vez com desprezo, depois dá meia-volta e vai embora.

Passo as mãos pela cabeça, levanto-me e procuro uma piranha para prender os meus cabelos. Preciso lavar o rosto, quem sabe afasto esse sonho horroroso de minha mente. Sonho, não! Pesadelo! Nunca vi o Júlio naquele estado. E nem quero ver! Afinal... O que a Melissa fazia no sonho?

O celular toca, enquanto termino de escovar os dentes. Tento bochechar, mas quase engulo a pasta. Corro para atendê-lo e, no meio do caminho, o meu dedo dá de encontro com a perna da cama. Agarro o celular e digo:

— Ai!!

— Gi?

— Jú?

— Por acaso estou atrapalhando alguma sessão sadomaso? – pergunta debochado.

— Vá à merda antes que me esqueça! Bati o meu dedinho no pé na cama quando fui te atender.

— Oh, que dor! Mas, você está bem? – me pergunta.

— Sim, acabei de acordar. – digo enquanto tento massagear o dedinho para amenizar a dor. E completo: - Não tanto quanto você.

Olho para o relógio que fica na cabeceira da cama. São oito horas da manhã de um sábado. Ouço uma risada. Mas daquelas gostosas, que ele dá quando dou respostas mal educadas.

— Oh, minha pequenina, então você é mal humorada quando acorda?

— Por que você quer saber? – é... acho que a TPM me atacou, taí a razão do sonho.

— Nada! Só comentei!

Odeio gente que acorda com aquele sorriso no rosto com cara de propaganda de margarina dizendo: “Bom-dia”! Será que o Júlio é assim? Inferno!

— Já tomou café?

— Hum... ainda não!

— Então, vou levar o Mozart para tomar banho, posso passar aí e tomamos café da manhã juntos, que tal?

— Tudo bem! Mas que horas termina o banho dele? – indago.

— Fica fria, teremos pelo menos duas horas. Depois podemos ir ao parque, mais tarde almoçar...

— Nossa, já pensou em tudo! – brinco. E me pego sorrindo. Fico pensando, estamos namorando?

— Podemos passar o dia juntos! Que tal? – ele me propõe.

— Ótimo! – respondo sorrindo que nem boba.

Ernesto aparece de novo na porta e mia.

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“Vai sair, né? Nem para ficar em casa me mimando! Francamente, odeio você, o barbudo e aquele cachorro imbecil!”

— Então, quanto tempo você demora para se arrumar?

— Me dê... uns 45 minutos?

— Hum... tudo bem! – ele me responde.

Corro para me arrumar enquanto o gato vem atrás. De novo, ele mia e até se agarra nas minhas pernas.

— Ernesto! Calma! Vou colocar comida e água!

“Que ódio de você! Quero atenção! Entendeu? ATENÇÃO!”.

Passam-se os 45 minutos e o interfone toca. Estou só finalizando o rímel. Tudo pronto, corro para o interfone.

— O Júlio está aqui, Giovanna. Posso manda-lo subir?

— Claro!

Olho em volta se a casa está em ordem e até que está apresentável. Corro de novo para o quarto a fim de fechar a porta. Não deu tempo para arrumar a cama. Quando a deixo desarrumada parece que ouço minha mãe dizendo: “Isso não é um ninho de rato! É uma cama”. Nesse momento a campainha toca. E vou lá atender. O Ernesto me segue com cara de poucos amigos. E assim que abro a porta.

— Bom-dia! – diz o Júlio com uma eco bag, suco, um bolo e ... flores? Ele comprou flores?

Ele me oferece e mal tenho tempo de cumprimenta-lo porque ele me beija.

— Mas... Mas não iriamos sair?

— Bem, o rapaz do pet shop disse que poderia levar onde estaríamos. Como não sabia onde iríamos tomar café, tive a ideia de vir para cá. Te incomoda?

E respondo dizendo:

— Não... Não.. Não! Tudo bem!

— Mas nosso plano de passarmos o sábado inteiro ainda está de pé, né? – indago.

— Tenha certeza. – responde com piscadela.

Por mais que estou gostando dessa fase com o Júlio, algumas dúvidas começam a me assombrar. “Por quanto tempo ficaremos assim? Será que é algo passageiro? Estamos namorando?” Sinceramente, não sei o que pensar.

Ele deixa as coisas na pia da cozinha e me pergunta:

— Vou lavar as mãos e coloco a mesa, tudo bem?

— Bem, quer café normal ou na máquina de...

Não tenho tempo de terminar a frase, ele me agarra na pia e me beija com vontade. Tirando o fato que estou com fome, o beijo é bom, chega a ser sensual. Ele me abraça com gosto e passa as mãos em minhas costas. Fico tonta até que... o estômago pede por atenção. Ele ri divertido, mas não me solta. E chega a sussurrar no meu ouvido:

— Estava morto de saudades de você.

A voz dele é rouca, chega a me deixar arrepiada, mas sinceramente? A fome fala mais alto. E é fome de comida. Com jeito, o empurro e digo.

— Vamos comer? Estou morta de fome e...

— Tudo bem! Temos o dia inteiro para aproveitar. – e termina a frase piscando.

Não entendi muito bem esse sinal. Ele quer... Sexo? Caramba, mas, o que ele quer de mim? Desvencilho dele, abro a gaveta e pego dois jogos americanos e os levo até a mesa. Ele vem atrás.

— Gi, aconteceu alguma coisa?

— Não!

— Fala, tem alguma coisa incomod...

Agora quem o corta sou eu.

— Vamos comer, está bem? Não consigo raciocinar quando estou com fome.

O café corre normal, animado e com Ernesto nos rodeando. Sinto que ele não gosta do Júlio ou tem ciúmes. O Jú até tenta oferecer um pedaço de pão para conquista-lo, mas o esforço é em vão. Quando estamos levando a louça para pia, o interfone toca novamente.

— Dona Giovanna, o seu cachorro Mozart chegou. – o porteiro parece confuso de modo que para e pergunta: - a senhora tem cachorro? Eu não sabia...

— Não é meu! É do... – e agora como devo chamar o Júlio? Namorado? Amigo? Rolo? Nem eu sei. Para piorar ele me olha com curiosidade para ver como termino a frase. Mal de jornalista... e isso é algo que detesto.

— Bem, em todos os casos, peça para o moço do pet shop subir. – falo.

Para piorar bem a situação, o Ernesto vira do nada e encara a porta. Me olha e depois foca no Júlio. Será que ele sentiu o cheiro do Mozart? Inferno, quando isso vai terminar?

— Gi, deixe a louça aí. Assim que o Mozart chegar podemos sair, certo?

— E vamos deixa-lo aqui?

— Não, bobinha. Vamos leva-lo para passear no parque. Está aí um pretexto para a gente namorar, né?

Fico surpreendida com a afirmação. Certo, pode ser cedo demais para definirmos o que somos. Mas, alguém, por favor, aplaque a minha ansiedade!

Vamos para o parque do Ibirapuera. E o dia está quente, com Sol forte e muitas pessoas aproveitando o tempo bom. Mozart se diverte correndo para lá e para cá. Nunca vi um cachorro com tanta energia. E ele brinca com pouco. Encontro um pedaço de galho de árvore e jogo longe. O cachorro corre para busca-lo e o Júlio me enlaça pela cintura.

— Sabia que você fica uma graça com esse vestido? – sussurra no meu ouvido. Tento parecer natural, mas não sei o porquê fico sem-jeito.

*****

Na hora do almoço, nos dirigimos ao restaurante que há dentro do parque, que só abre aos finais de semana. E o público tem todo o tipo de gente. Quando chega nossa vez, somos barrados.

— Não pode entrar animais de estimação. – alega o hostess.

O Júlio tenta convencê-lo.

— Mas ele é praticamente um membro da família. Não é amor? – o hipster tenta o meu apoio.

Perai, ele falou família? Eu, ele, o cachorro... E onde fica o Ernesto? Ele quis dizer que somos... casados?

— Não! Sinto muito as regras são categóricas aqui!

Aperto o braço do Júlio e pergunto baixinho no seu ouvido:

— E agora, o que a gente faz?

— Topa um food truck? – indaga meu querido hipster.

— Boa ideia!

Damos as costas e o Mozart consegue largar da coleira e volta para fazer xixi bem na porta do restaurante. Nada como um protesto canino.

Isso que me encanta no Júlio. Esse jeito despachado e sem preocupações. E se não dá certo algo, ele logo arranjar outra opção. E o dia corre assim, com novas descobertas, piadas, passeios e beijos.

Júlio está me trazendo de volta para casa, e já é noite. Viro para trás, e o Mozart está desmaiado no banco de trás. Esparramado e com a língua para fora, nem parece o cãozinho que brincava com cada pessoa que passava.

Assim que paramos na frente do meu prédio, tomo coragem e pergunto:

— Quer entrar? Posso fazer um café.

— Hum... eu aceito! Mas veja o Mozart, ele está dormindo tão profundo, Gi. Pode ser outro dia?

— E se você deixa-lo em casa e voltar para cá? – até estranho o meu convite. O que me deu na cabeça? Falar assim é como quem dissesse: “Quero dormir com você”. Não é?

Ele me olha espantando e me diz:

— Posso? Só fico preocupado com...

— Ernesto. – completo.

— Isso! Então fazemos o seguinte, vamos para minha casa e...

— Não! – até eu me surpreendo com a minha negativa.

Ele fica com cara de quem levou um susto.

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— Gi, eu...

Não sei o que me dá. Tenho medo que apenas a gente passe uma noite juntos e ele me abandone. Mas como vou dizer isso a ele? O clima fica meio tenso. Não tenho ideia como conserta-lo e aí tenho uma ideia.

— Bem, podemos passar o Natal juntos, não? Mamãe sempre...

— Gi! Vou passa-lo com os meus pais. Eu tinha prometido para eles...

— Não vamos passar juntos? – pergunto indignada.

— Gi, eu prometi aos meus pais que...

— Mas e os presentes que compramos um para o outro? Os presentes que...

— Gi! – ele me pega pelas mãos e olha no fundo dos meus olhos. – Tinha prometido para os meus pais bem antes de começarmos a ficar...

— Somos só isso? Ficantes? – empurro. – Sabia! Duvido que você irá fazer comigo, o mesmo que fez com a Melissa!

— O que fiz com a Melissa? E o que tem a haver ela em nosso relacionamento? – ele fala mais alto. Nunca o vi assim bravo. Só quando algo ou alguém não permitia que realizasse o trabalho.

— Você comeu ela, né?

“Giovanna Strambolli, por que você não cala a boca?”, penso.

Ele respira fundo, fecha os olhos e me encara. E os olhos dele ficam quase negros. Ops, lá vem encrenca.

— De onde você tirou essa ideia esdrúxula que dormi com a Melissa?

— Você estava olhando a bunda dela enquanto acontecia aquela treta maligna durante o primeiro turno! – berro.

Ele solta as minhas mãos e diz:

— Gi, vá para casa! Não quero brigar com você!

Pego a minha bolsa que está no chão do carro, abro a porta do carro e antes de batê-la, digo:

— E eu não quero vê-lo nem pintado na minha frente! Passe bem!

Bato a porta do carro e vou zunindo de raiva até o portão do prédio. Empurro-o com tanta força que por pouco pega meu dedinho. E só ouço os pneus do carro cantando e os latidos do Mozart ao fundo.

— Que morra no próximo poste! Maldito hipster. – grito e sigo rumo ao meu canto para chorar. O que me resta fazer?