Let it be

Alice está des-mai-a-da


Meu cabelo está um horror e é impossível penteá-lo, então apenas faço um rabo de cavalo. Se eu agir com confiança, todos vão pensar que o frizz e os fios rebeldes são parte do estilo. Espero que também pensem que minhas olheiras são um complemento do meu visual descolado. Meus pais estão ajeitando tudo para que possamos nos mudar, e eu estou tentando fazer o mesmo. Já disse adeus para minha carreira de modelo e estou começando a empacotar as coisas do meu quarto e fazer minhas malas.

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As coisas que não usamos mais, como roupas ou sapatos que não servem, serão doadas.

– Alice! – escuto minha mãe gritar no andar de baixo. Ela tem gritado muito ultimamente.

– Não fui eu! – grito de volta.

Mas fui eu. A mamãe está estranha agora, ela vive comendo meus biscoitos e, na verdade, todo tipo de comida que vê pela frente. Então eu estou estocando minha comida debaixo da minha cama. Agora ela deve ter percebido. Ai meus duendes, ela está subindo as escadas. Ai meus duendes, ela está com raiva.

– Onde está?

– O que? – pergunto, encarando a fera.

– Hã, deixa eu ver... Quase tudo que estava na despensa?

– Acho que você comeu tudo, mamãe.

– Não se faça de desentendida, Alice. Olhe, eu estou passando por uma séria situação agora, e preciso do seu apoio. Devolva-me a minha comida.

– Não é sua! E eu não estou com a comida. Alias, gula é pecado. E a senhora está engordando, sabia? Daqui a pouco as roupas nem cabem mais. Se eu estivesse mesmo escondendo a comida de você, seria para seu próprio bem.

– Vou olhar no seu guarda-roupa. – minha mãe anuncia, e eu dou de ombros. Sou esperta demais para guardar comida em um guarda-roupa! Fico surpresa que ela duvide tanto assim da minha astúcia. – Será mais fácil para você se você disser onde está.

– Tudo bem. – suspiro. – O que eu recebo em troca?

– Eu não te mato.

– Qual seu problema com a comida, mãe? Porque está devorando tudo?

– Eu estou... – ela suspira. – Vou chamar o seu pai.

Antes mesmo que eu possa fugir ou algo assim, meu pai entra em meu quarto com a aparência preocupada. Ele passa as mãos pelo cabelo com força.

– O que está acontecendo? – papai indaga.

– Espera pai, você se comunicou com a mamãe por telepatia ou algo assim? – eu pergunto e franzo a testa.

– Não, eu só segui os gritos. O que você aprontou dessa vez Alice?

– Amor... – minha mãe o interrompe. – Deveríamos contar a ela. Já passou da hora, afinal.

– Helooo! – exclamo. – Eu estou aqui. Ouvindo tudo! Me contem e eu devolvo a comida.

– Venha conosco. – minha mãe sai do meu quarto e dobra no corredor. Eu a sigo. Provavelmente estamos indo em direção a o quarto de hospedes que não é usado há uns séculos. Ela abre a porta e eu vejo que o quarto de hospedes agora está mais para um deposito, cheio de brinquedos e roupas de criança. – Eu ainda tenho alguma das roupinhas que você usava quando era bebê. Não sei ainda se é uma garota ou um garoto, mas...

– O que? – eu pergunto.

– Eu estou grávida, Alice.

Ela sorri. Não pode ser verdade, certo? Eu vou ter um irmão ou irmã? Ai meus duendes! Não consigo pensar em nada sensato para dizer, e apenas fico paralisada com meu queixo caído. Meu pai se posiciona a meu lado e segura minha mão, tentando transmitir segurança. Não funciona, obviamente.

– O que foi? – papai pergunta.

– Isso é pegadinha ou algo assim?

– Claro que não, querida! – minha mãe responde, entusiasmada. De repente, minha visão escurece e tudo ao meu redor passa a girar. Meu pai segura minha mão com mais força.

O mundo está torto ou é impressão minha?

* * *

Acordo em uma cama estranha e desconfortável. Uma luz forte me encandeia. Tento colocar a mão na frente do meu rosto, para protegê-lo da iluminação, mas sinto uma dor forte no braço e desisto. Estou tomando soro. Por que estou tomando soro?

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Assim que meus olhos se acostumam ao ambiente vejo uma enfermeira se aproximando. Eu estou em um hospital?

– Você acordou. – ela sussura, passando a mão na minha testa. – Fique quietinha, vou chamar seus pais.

– Não. – eu resmungo. Não quero ver meus pais agora. Pelo que eu me lembre, minha mãe estava querendo me matar porque escondi a comida.

– Eles estão preocupados com você, querida. – ela sorri e faz sinal para outra enfermeira se aproximar. – Hannah, fique de olho na Alice.

Hannah é o nome da outra enfermeira, pelo que eu percebo. Ela é bonita. Seu cabelo é liso e escuro e sua pele é morena. Seu rosto tem algumas manchas, mas mesmo assim é lindo.

– Alice, certo? – ela pergunta. Eu faço que sim com a cabeça. – Você se lembra do que houve?

Eu faço que não com a cabeça. Ela suspira. Provavelmente não está a fim de explicar, mas é o trabalho dela, não é? Hannah começa a contar que eu desmaiei ontem à tarde, porque minha pressão caiu, mas que eu estou aparentemente bem.

Meus pais entram apressados no quarto logo que ela termina de falar a palavra “bem”.

– All, querida! – minha mãe exclama e se aproxima da maca com uma expressão preocupada no rosto. Ela beija minha testa e sorri. – Que bom que você está bem.

Eu reviro os olhos e me limito a murmurar “é”.

– Vamos para a casa logo logo. – papai acrescenta.

– Por que eu desmaiei? – pergunto com a garganta seca. Sei que Hannah disse que foi porque minha pressão caiu, mas quero ver o que meus pais têm a dizer.

– Notícias fortes demais, aparentemente. – mamãe brinca. – Te contaremos melhor quando não estivermos nesse hospital.

– E o Jake?

– Ele está bem. Falamos com ele hoje mesmo, dando notícias suas.

Eu confirmo com a cabeça e tento sorrir.

* * *

Quando volto para casa, minha mãe me conta tudo de novo, mas obviamente pede para eu me sentar antes e me dá um copo de água. Ela está grávida. Ainda vamos para Miami. Eu preciso devolver a comida que estava guardando debaixo da minha cama.

– Eu sei que é difícil para você saber que vai ter que dividir seu espaço com outra pessoa, um irmão ou uma irmã, mas estamos muito felizes com isso e espero que nos compreenda. – mamãe sorri e aperta minha mão. – E vamos te amar do mesmo jeito e com a mesma intensidade.

– Legal. – murmuro. – Eu não me importo mesmo.

– Vou te deixar sozinha, para você pensar um pouco. – ela anuncia. Eu pego meu telefone e digito o número da Melissa. Ela não me atende e eu ligo para o Jake, ainda pensando no que diachos a Mel deve estar fazendo.

O Jake só atende no segundo toque. O que está acontecendo com esse pessoal? Hellooo, quando eu deixei de ser o centro do universo?

– Alô. – falo, e o Jake suspira do outro lado da linha.

– Você está bem? Minha nossa Alice, eu fiquei sabendo que você estava no hospital e quase surtei.

– É, eu estou bem. Nada com que você deva se preocupar. Quer dizer, mais ou menos... Tenho noticias ruins.

– O que houve? – O dragão ocidental pergunta, nervoso. Ele é tão precipitado.

– Minha mãe está grávida.

– Grávida? Tipo, de um bebê?

– Não, mané, de um alienígena.

– Mas isso não é noticia ruim, All. Eu adoraria ter um irmãozinho.

– É, só que eu não! – exclamo.

– Então, você ainda vai se mudar?

Eu faço que sim com a cabeça, mesmo sabendo que ele não pode me ver e suspiro:

– Daqui a menos de um mês.

– Posso ir aí? – Jake pergunta. Eu respondo que sim, mesmo não tendo certeza. Preciso vê-lo.

* * *

O dragão ocidental toca a campainha. Estou esperando em frente à porta há um tempão. Eu destranco a porta e a abro, abraçando o Jake em seguida. Ele fica surpreso, mas me abraça de volta.

– Você está com cheiro de alho. – reclamo.

– Estava matando uns vampiros por aí. – ele brinca e sorri. Percebo que o Jake está carregando um violão. – Será que seus pais se importam se formos para o parquinho.

– Acho que não. Já volto.

Pergunto para a mamãe e o papai se posso ir com o Jake até o parque do meu condomínio, e eles respondem que sim, então eu sorrio e bato palmas e depois volto para onde o dragão ocidental está me esperando. Eu digo “vamos, idiota” e ele segura minha mão.

– Para que o violão? – pergunto.

– É surpresa. – ele responde e beija minha bochecha rapidamente. Eu dou uma risadinha boba. Isso foi tão fofo.

O parquinho está quase vazio, exceto por duas crianças. O que viemos fazer aqui mesmo?

– Vamos brincar ou...?

– Não vamos brincar. – Jake ri. – Vou cantar uma música para você.

– Ai meus duendes, não!

Eu cubro meu rosto com as mãos. Ele sabe cantar? Duvido. O dragão ocidental começa a tocar algo no violão. Não reconheço a música, mas é bonita. A voz do Jake é linda. Eu me pego suspirando; isso é tão fofo.

– Mais? – pergunto quando ele acaba. – A propósito, como se chama essa música?

– More Than Words. – ele responde. – E não vai ter mais por enquanto. Você duvidou da minha capacidade artística.

– Hum... É. Talvez. – respondo.

Ele ri e me puxa pela cintura. Antes que eu possa me mover ou dizer algo, estamos nos beijando. Eu ponho meus braços em volta do seu pescoço e mordo seu lábio. Que clichê.