Unapologetic

Ghosts


Joffrey não entendeu as últimas palavras de Katerina.

– Ivna? Quando que você ouviu Ivna falar isso?

Katerina estava tão confusa quanto ele. As palavras simplesmente saíram da sua boca e ela demorou para lembrar da resposta para a pergunta do tio.

– Veio durante um sonho - ela conta. - Eu estava dormindo, sonhando que passeava pelo palácio e eu ouvi você e ela conversando. Eu era pequena, mas meu pai já tinha morrido.

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Katerina falava olhando para Joffrey, mas ela não o enxergava. Ela estava e não estava ali. Era tão confuso porque sua visão estava embaçada e ela não enxergava Joffrey e nem nada além de si. Simplesmente nada. Não era algo em branco, pequenas manchas vermelhas e coisas do tipo. Absolutamente nada.

Ela acha que está começando a delirar, mas Joffrey compreende rapidamente.

– Não foi um sonho - ele diz. - Foi uma lembrança.

– Como é?

– No norte há um cientista muito capacitado - Joffrey explica. - O criador do Kalxifor.

– E?

– Além da pomada milagrosa ele criou várias outras coisas, como injeções para retirar ou inserir memórias.

Ela balança a cabeça.

– Eu não acredito nisso, é totalmente contra a ciência e em tudo o que é possível nesse mundo. Algo que cure ferimentos graves é, sim, possível. Mas uma injeção para tirar a minha memória... Por quê? Pra quê?

– Ivna achava que se você não se lembrasse de algumas coisas que viu e ouviu seria mais fácil para seguir nossos conselhos no futuro.

Então algo estala em sua mente. Ela tinha diariamente o pesadelo com a morte do seu pai, com os olhos arregalados da sua mãe ao vê-lo morto, a pequena Katerina correndo pelo corredor ao ver o corpo do seu pai batendo contra o chão...

– Como a morte do meu pai.

Ele concorda com a cabeça.

– Suponho que você tenha saído cedo demais, caso contrário teria visto que sua mãe estava viva durante todo esse tempo.

– Por que cada vez que conversamos eu descubro mais uma maldade sua?

– Não revire muito no meu passado, Katerina. Há fantasmas enterrados que você odiaria trazer de volta a vida.

– Misterioso e odiável - ela resmunga, levantando da cadeira. - Eu odeio você.

– Obrigado.

Ela se irrita mais ainda com a aparente indiferença dele. Katerina se apoia nos braços da cadeira de Joffrey e fica a centímetros dele, conseguindo enxergar os fios mais escuros dentro dos seus olhos verdes.

– Minha mãe não quis manter um relacionamento com você mesmo depois de casada porque ela sabia a pessoa que você era ai dentro - ela pressiona o dedo indicador contra o peito do tio. - Um assassino cruel e sem amor por qualquer pessoa que seja. Você poderia estar com ela agora, mas ela não o quer porque você estragou tudo matando o marido dela na frente dela. E para quê? Você achou mesmo que a esconder por todo esse tempo a faria se apaixonar novamente por você? Quem gosta de passar doze anos em cárcere? Ela poderia até ter fugido com você antes de se casar se quisesse, mas não quis porque ela viu além.

Ela respira fundo e fecha os olhos por um breve momento.

– Você tinha tudo para ser o homem mais feliz desse mundo e poderia até reivindicar o seu lugar no trono. Um exame de DNA provaria que você está certo e você poderia ter se casado com a minha mãe e tido os seus tão sonhados filhos com ela, mas isso não aconteceu porque você é uma pessoa horrível, completamente deplorável. Joffrey, como você pode achar que essa sua aparência de homem rico e sem alma poderá lhe trazer qualquer coisa? Se você se abrisse de verdade, confessasse os seus crimes e pagasse por eles como um homem de honra faria, minha mãe provavelmente o perdoaria. Eu provavelmente o perdoaria.

Joffrey parece hesitar por um momento. Um breve momento que faz com que os olhos de Katerina se encham de esperança e os seus pulmões se encham com uma grande quantidade de ar. Ela solta o ar aos poucos e espera por mais um sinal, por menor que seja. Algo a que se agarrar, mais um pequeno fiapo de esperança...

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– Eu não preciso do perdão de ninguém.

Ela se afasta, irritada.

– É por isso que você não tem nada! - ela grita. - É por isso que todo mundo o odeia! - ela olha rapidamente por ele. - É por isso que eu farei você ser preso.

Ele parece levemente surpreso. Seus olhos acendem e apagam aos poucos.

– Não há muito o que eu fazer que não seja esperar, não é mesmo?

– Você é inacreditável.

– Eu não tenho medo da prisão. Tenho influência e tenho amigos. Posso comprar com o meu dinheiro a minha liberdade que nem mesmo uma usurpadora do trono pode tirar.

– Vai mandar me prender junto com você?

– Eu nunca faria isso, mas Ivna com certeza fará - Joffrey fala. - Fará por ela, não por mim. Bom, acima de tudo, fará por Rebekah.

Katerina o encara, pasma. Depois disso ela esboça um sorriso ao dizer:

– Então eu o vejo na cadeia.

+++

Francis encara os dois irmãos com uma indignação profunda.

– Algumas vezes eu ouvi boatos sobre vocês dois, mas eu nunca... nem por um momento... - ele balança a cabeça. - Eu não conseguia imaginar como vocês teriam coragem de...

O irmão mais velho se embaraça com as palavras. Seu rosto está sem expressão, mas a sua voz... a sua voz corta o peito de Alison. O seu tom de nojo a deixa com raiva de si mesma e ela pensa se tudo o que pensou que fosse certo não era na verdade errado. Ela não podia ficar com o irmão, é algo errado e ninguém nunca aceitaria. É ilegal, punível com morte por decapitação. Incesto é proibido em Altulle, um absurdo para Alison, mas é.

– Eu não consigo adivinhar como essa nojeira tenha começado.

Alison sente a mão de Hector tocando as suas costas. Não de modo ousado, mas de um modo bom. Ela empurra a mão para trás das costas e Hector a aperta de leve, entrelaçando os dedos dos dois. Ele está ali a apoiando.

– Não consigo imaginar quantas vezes vocês tenham transado nas costas de todo mundo.

Francis parece não perceber, mas conforme fala, ele gesticula e conforme gesticula, a arma se mexe na sua mão. O dedo indicador dele está pressionado contra o gatilho e Alison entende o suficiente de arma para saber que ela está destravada e carregada. Ele pode atirar a qualquer momento.

De onde ele havia tirado aquela arma, afinal? Que momento mais inoportuno.

– Me contem.

– Como é? - Alison se surpreende.

– Me contem quando tudo começou.

Alison acha aquilo um absurdo. Ele não tem o direito de bisbilhotar a vida dos dois.

– Foi durante uma viagem - Hector responde. - A única viagem em que nós três fizemos juntos.

– Isso é... - ele balança a cabeça. - É um crime.

– Altulle é o único país em que incesto é crime - Alison se pronuncia. - Isso é tão preconceito quanto com os homossexuais.

Francis olha para a irmã.

– Falando em homossexual, você não tinha uma namorada? O que você está fazendo com o nosso irmão?

– Eu amo os dois.

– Você é realmente muito eclética.

– Sou desprendida, é diferente. Eu gosto de ser livre e de ficar com quem quer que me dê vontade.

– Você sabe que essa sua rebeldia pode levá-la a morte? - ele olha para o irmão. - Vocês dois?

– Nós esperávamos que você fosse um rei menos preconceituoso - Alison resmunga.

– Vocês querem que eu compactue com isso - Francis se exalta. - Eu não vou nem por um momento concordar com essa nojeira que vocês aprontaram!

– Francis, abaixa essa arma - Hector pede.

O primogênito está muito nervoso. Em algum momento, as luzes do jardim foram acendidas e Alison consegue perceber que o rosto de Francis está vermelho e que ele pode sufocar a qualquer momento.

Então ele parece perceber que está segurando uma arma de fogo. Ele olha para o objeto como se fosse um diamante e seus olhos brilham. Apesar disso, Alison percebe que não são de vontade de atirar, mas sim as lágrimas que começaram a brotar nos seus olhos e que ele conseguiu engolir.

– Você acha mesmo que eu teria coragem de fazer isso com vocês? - ele pergunta, virando os olhos azuis para eles. - Eu nunca conseguiria nem que algum de vocês dois tivesse matado alguém muito importante para mim. Apesar de tudo, vocês são sangue do meu sangue.

Ele respira fundo e Alison sente o alívio tomar conta do seu peito.

– Não pensem que eu vou concordar com isso, porque eu não vou, e nem que eu vou aceitar. Estou apenas dizendo que se algum dia alguém descobrir e levar isso aos tribunais, podem ter certeza que eu vou usar até a última gota da minha influência para que nada aconteça as pessoas que tem o sobrenome Kionbach.

Alison sente como se algemas tivessem libertando os seus pulsos em carne viva. A dor ainda lateja no seu peito, mas a alegria de ter um pouco da sua liberdade de volta a conforta.

– Mas vocês dois, francamente, tenha mais cuidado. Eu vou encomendar algumas injeções de memória do norte de Frömming.

– Francis, você não está pensando em...

– Eu não quero lembrar disso, Ali. Eu amo vocês dois como irmãos e eu sempre pensei que todos nós sentíamos o mesmo amor fraternal uns pelos outros, mas nunca imaginei que vocês tivessem outro tipo de relação - ele esboça um sorriso. - Eu não posso lembrar. Eu não consigo.

– Você sabe que essas injeções podem apagar bem mais do que as memórias que você escolhe - Hector fala. - Elas não são controladas.

– Não há muita coisa importante para lembrar.

Então ela pensa em Katerina. Uma das únicas coisas que ele não queria esquecer é aquela deusa em forma humana. A mulher que ele ama, a mulher que ele sempre desejou ter ao seu lado. O seu sonho, um delírio juvenil. O seu primeiro amor.

Ele não podia esquecer dela e nem da morte da sua mãe. Ele precisava se lembrar de que Joffrey havia a matado para que a sua raiva continue acesa. Um dia ele terá a sua vingança.

Francis respira fundo.

– Será que nós podemos fingir que isso não aconteceu e irmos para a festa? - ele pergunta. - Eu não quero que vocês estraguem a minha noite de solteiro.

Ele queria esquecer, sim. Ele ia esquecer.

+++

Ivna e Rebekah se sentam na mesa diante de Melanie e Josh.

– Ela sabe? - Melanie pergunta.

– Sei do quê?

Ivna vira-se para a sua filha.

– Michael não é filho do seu pai e Kurt era um bastardo. Joffrey é o rei herdeiro e você só precisa se casar logo com Alek para assumir a coroa.

– Bem direta - Melanie reconhece.

Rebekah fica um tempo sem falar, digerindo as notícias.

– Isso é tão confuso.

– Querida, essas pessoas também não gostam de Katerina. Você vai ser a rainha, Bekah. Você é a herdeira por direito.

– Eu não fui criada para ser rainha, mãe.

Ivna dá de ombros.

– Isso é irrelevante. Tudo o que você precisa é ser educada e seguir os seus Conselheiros, mas acima de tudo a sua mãe. Eu nunca faria nada que a colocasse em perigo.

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– Eu sei, mãe. Eu confio em você - ela diz. - Também sei que você nunca mentiria para mim, então eu sei que é verdade.

Ivna sorri e pega a mão da filha, beijando as costas da mão dela.

– Eu amo você, Bekah. Eu só quero o melhor para você e no momento o melhor para você é ser rainha.

Rebekah olha para os rebeldes na sua frente e depois para a sua mãe.

– O que eu tenho que fazer?

+++

– Alis! - o sotaque francês de Desirée desperta Alison do seu transe. - Eu senti tanto a sua falta, mon amour.

Alison beija a namorada calorosamente. Ela não sabia o que sentir, porque sentia que amava Hector, mas algo dentro dela se acendia quando estava com Desirée. Ela sentia uma excitação que só sentiu uma vez em toda a sua vida: na primeira vez em que esteve com o irmão, naquela piscina durante a viagem deles.

– Eu também senti a sua, Dess.

Desirée Moritz, dezessete anos, alta, cabelos loiros e enrolados abaixo dos seios, olhos azuis esverdeados, pele clara e lisa como um pêssego, além de ter a parte inferior dos lábios mais carnudos que o normal.

– Nunca mais quero ficar longe de você, Alis.

A loira havia sido vendida para o bordel dos Kionbach há três anos. Naturalizada francesa e vendida pelo pai drogado em troca do perdão de uma dívida, ela parece até se divertir com essa vida. Desirée fica com homens, mulheres, os dois ao mesmo tempo... Alison realmente não se importa. As duas tem um relacionamento aberto até demais.

– Eu amo você, Alis.

Alison sorri e beija Desirée novamente, mas não diz as três palavras mágicas de volta. Ela não pode mentir para a francesa.

Alison não a ama mais.

+++

Erik e Katerina estavam em Ahnmach há três dias. Ele inventou algumas reuniões para entrar no plano mentiroso dela. Tudo o que Katerina precisava era de uma semana de volta. Apenas sete dias...

Neste momento os dois estavam no quarto que costumava ser dele no Palácio Le Lëuken.

– Você já jogou verdade ou consequência? - ela pergunta.

– Que tal jogarmos verdade ou verdade?

Katerina dá de ombros. Está entediada. Toparia qualquer coisa neste momento.

– O que você quer saber?

Erik, apesar de estar sendo legal, estava distante nos últimos dias. Desde que ela havia dito a ele que o bebê podia não ser filho dele, o loiro andava muito estranho. Como ela queria que ele agisse naturalmente, afinal?

– Você ainda o ama?

Então é isso. É nisso que ele pensava esse tempo todo. Se ela ainda ama Fabrizio...

Ela não quer mais mentir. Sem mentiras, sem mentiras. Sem mentiras.

– Sim.

Erik abaixa a cabeça.

– Sua vez.

– O que você pretende fazer se o meu filho não for seu?

Erik volta a encará-la.

– O que você acha que eu seria capaz de fazer?

– Responde a minha pergunta, por favor.

Ele sorri de leve.

– Eu assumiria esse filho mesmo que não fosse meu.

Katerina arqueia as sobrancelhas, surpresa.

– Como é?

– É isso mesmo. Eu o assumiria simplesmente por ele ser seu.

– Erik, mas isso é...

Injusto, é o que ela quer dizer. Não é justo com ele assumir um filho que não é dele.

– Por quê? - ela pergunta.

– Eu assumiria esse filho, mesmo que não seja meu, porque eu amo a mãe dele - ele sorri. - Então eu já o amo simplesmente por ser filho de quem é.

Aquilo foi, provavelmente, a coisa mais bonita que ela tinha ouvido durante muito tempo. As lágrimas começam a rolar os seus olhos e Erik as seca com o polegar. Ela olha no fundo dos olhos azuis daquele homem maravilhoso que confessou que a amava e que assumiria um filho que talvez não seja dele simplesmente porque a ama.

– Como eu queria que estivéssemos jogando verdade ou consequência - ela murmura. - Assim você poderia escolher consequência e eu o desafiaria a me beijar.

Erik sorri.

– Isso não é um desafio, é uma alegria.

E assim, ele a beija.