Abrupto

Capítulo 1 - Risos e Chicletes


Alicia Moore era considerada uma garota simpática, educada, extrovertida, animada e divertida. Não contava os segredos que lhe eram sussurrados nos ouvidos pelas amigas, não deixava de agradecer a quem lhe fazia um favor, nunca deixava de sorrir às belezas da vida; muitos dos seus colegas de aula gostavam dela, apesar de alguns a considerarem infantil e “certinha” demais. Ela não se importava com as opiniões dos demais e continuava falando com eles como falava com qualquer um.

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Não tinha preconceitos religiosos, não era racista, sexista, tratava todos com igualdade e simpatia, até aqueles que não a tratavam do mesmo jeito – muito pelo contrário, tratavam-na com desprezo e zombavam de sua gentileza. Alicia Moore era a garota que muitos consideram como “perfeita”.

Antes de eu começar a contar essa história, quero que saibam que a frase “a toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade” pode significar mais coisas do que vocês, leitores, imaginam.


Primeiro, Alicia Moore era uma viciada por chicletes. Ela sabia o que os chicletes faziam com os dentes, e por isso se encarregava de escovar os dentes quatro vezes ao dia. Por mais que quisesse, não conseguia controlar seu vício por mascar – e isso, consequentemente, fazia chiclete ser sua maior fraqueza, além de ser, muitas vezes, o motivo de sua fome.

Dito isso, você pode entender o porquê de ela quase chegar atrasada ao colégio: chicletes. Seu estoque secreto de chicletes que ela mantinha em casa havia acabado, e ela precisava reabastecê-lo o mais rápido possível, ou enlouqueceria. Então, no caminho do colégio, parou em uma loja e comprou todos os sabores que sua mesada podia bancar. Já à frente, mastigando já um deles, viu as horas num relógio de alguém que passava na rua.

Faltavam exatos dez minutos para colégio fechar os portões, impedindo que qualquer outra pessoa entrasse – apesar de conhecer Seu Marcos o suficiente para ele abrir as portas para ela com exclusividade, não queria acarretar tal incidente.

Foi aos pulos, tropeços e passos apressados ao colégio, sempre rindo com cada escorregão. Passava pela calçada às pressas, desviando das pessoas, segurando sua bolsa e sorrindo para todos. Chegando ao colégio, não precisava olhar no relógio para saber que faltavam mais ou menos dois minutos para os portões fecharem – afinal, o movimento dos corredores era sempre ativo, mas agora havia poucas pessoas entrando nas salas.

— Seu Marcos! — disse, quando o viu sentado em seu banco na posição de sempre. Alicia sorriu para ele.

— Um pouco atrasada, não, Alicia? — brincou, devolvendo o sorriso.

— Ainda não é sete e meia — ela disse de volta, rindo, e saiu correndo com sua bolsa para a sala A4.

Obviamente, teve que tropeçar. O pior é que não foi em algo sólido, mas sim no próprio chão – quando o cano do tênis não vai para cima o suficiente. Alicia caiu do lado de sua bolsa, se estatelando no chão.

Os vários e vários chicletes saíram de sua bolsa e se espalharam pelo chão: Trident, Bubbaloo, Chiclets, Clorets. Todas as marcas de chiclete que você poderia imaginar estavam no chão, quase como se estivessem brincando com a cara dela. Seu Marcos não podia ver a bagunça para vir em seu socorro, e Alicia teve que ponderar sobre o que fazer: levar seu primeiro atraso ou deixar seus chicletes à mercê, desperdiçando seu dinheiro e tempo.

Quando já estava desesperadamente juntando-os para ver se conseguia salvá-los e chegar a tempo, alguém se abaixou e começou a ajudá-la a catar um por um, colocando-os na sua bolsa. Ela conseguiu juntá-los a tempo de ver a professora se aproximar, andando pelo corredor até sua sala, provavelmente saindo do banheiro. Olhou rapidamente para quem a havia ajudado.

Era uma garota que, segundo Alicia constatou no curto segundo que a viu, tinha cabelos indo até o cotovelo. Ela tinha cabelos mesclados com dois tons de castanho, e seus olhos eram cor de chocolate. Lembrava um pouco da personagem Marina, de A Turma da Mônica. Então, Alicia, de relance, percebeu que se tratava de Júlia, uma de suas grandes amigas.

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— Júlia! — exclamou Alicia, enquanto as duas corriam para dentro da sala de aula. A sala inteira estava conversando, de modo que não foram percebidas. — Graças a Deus! Muito obrigada! — Ela sorriu para amiga, tirando as mechas pretas da frente do rosto. — Pode pegar um se quiser, depois da aula.

— Que nada — respondeu Júlia. — Não gosto tanto de chiclete... não tanto quanto você — e riu.

Elas já iam trocando fofocas para colocar a conversa em dia quando a professora Jennifer entrou na sala. Pelo seu N extra, diziam que ela era tudo em dobro. Irritante em dobro. Feia em dobro. Chata em dobro.

E talvez fosse.

Alicia, no final da terceira aula, sentiu aquela vontade de mascar seus chicletes. Ela olhava o relógio. Ele sempre parecia normal, como qualquer relógio, já que Alicia não era tão impaciente como Jo menos naquelas horas: agora, parecia andar tão devagar... Devagar demais para a necessidade de Alicia.

Quando o sinal de final do período tocou, ela virou o corpo em um ângulo de 180º graus e pegou a sua bolsa que estava pendurada na cadeira. Retirou um pacote de Chiclets e um pouco de dinheiro, e já ia se levantando quando ouviu a voz de Júlia rindo.

— Você não tem jeito, né, Alicia? Sempre com esses chicletes... Vai acabar perdendo-os.

— Então não será a primeira vez, Ju — Alicia sorriu. — Até a saída.

Elas só faziam as três primeiras aulas juntas, o que era uma pena. Porém, Alicia deixou isso de lado e saiu da sala.

Na opinião dela, demorava demais para chegar ao refeitório: teria que passar por todas as salas, praticamente, até chegar finalmente lá. Por isso, jogou um dos Chiclets na boca e estava quase chegando ao refeitório quando esbarrou com alguém que estava saindo de uma das salas.

— Mas que diacho!

Ela se equilibrou na parede e olhou para o lado. O garoto da qual havia esbarrado havia caído no chão, e estava estatelado lá, de barriga para baixo. Alicia olhou para o corpo do garoto, imóvel, e o cutucou com a ponta do tênis.

— Oi? Ricardo, é você?

O garoto que estava no chão tremeu, mas continuou esparramado no chão, recebendo reclamações de pessoas que estavam andando por ali. Alicia virou-o para analisa-lo e viu seu rosto: os olhos pretos perturbadores e o cabelo castanho todo bagunçado. É, era Ricardo.

— Me deixe dormir, Alicia — reclamou ele. — Estou bem aqui.

Alicia deu uma risada e ajudou ele a se levantar. Ricardo estava com o casaco preto todo sujo pelo chão, e seus olhos brilharam quando olhou para ela.

— Você vai pagar a conta da lavanderia.

— Nada feito.

— Você sujou meu casaco!

— Você que quis ficar no chão.

Ricardo bufou. Começou um longo discurso de como sofria injustiça naquela sociedade e que Alicia deveria, além de pagar a conta da lavanderia, comprar um novo casaco para ele, já que danificou o Tiago para sempre.

— Tiago? — ela franziu a testa, estranhando o nome. Estaria ele falando do professor de Geografia?

— É o nome do casaco que você teve o prazer de sujar. Você não sabia que casacos também têm sentimentos? Eu vou te processar por maltratar o Tiago. Isso é agressão física! Alicia, as pessoas vão para a cadeia por cometer infrações na lei desse tipo! Você sabe, melhor que qualquer outro nessa escola, que meu pai é um advogado competente e...

Alicia deu um sorriso com a idiotice de Ricardo e olhou atentamente para ele. Ricardo falava tanto com as mãos quanto falava com o corpo: fazia gestos exagerados de como ela ia ser presa, até que ela riu e finalmente o cortou, dizendo:

— Eu te pago o lanche.

— Feito.