Capítulo 02 - Papo nerd

Sacrifício de amor

Kaline Bogard

Parte 02

Papo nerd

Qual não foi a surpresa da turma, no dia seguinte, de chegar na sala e descobrir que o professor de Álgebra estava doente e precisaria faltar. Quem cobriria seu turno seria a senhorita Ruby Smith...

– Bom dia classe! – a mulher foi dizendo ao entrar na sala – Parece que teremos mais tempo para ficarmos juntos essa semana! E eu já pensei no trabalho de hoje. Comecei a corrigir as redações de ontem e estou gostando muito, tem ótimos escritores nessa sala. Por isso... destaquem uma primeira folha do caderno.

Deu a instrução e aguardou ser obedecida. Scott, que novamente estava a frente do amigo, tentou roubar uma folha, mas Stiles já antecipava algo assim e deixara o caderno fora de alcance.

Quando todos estavam com uma folha solta, Ruby sorriu empolgadíssima.

– Hoje a sala vai usar seus dons literários futurísticos, se é que existe algo assim. Quero que pensem em vocês mesmos daqui a trinta anos. Como acham que estarão? O que tem para comemorar e melhorar? Quais as suas esperanças...? Usem a imaginação e me surpreendam! Quero no mínimo três laudas.

A sala resmungou um pouco, mas logo todos trataram de obedecer. Scott virou-se para trás e fez uma careta para Stiles, que respondeu com um balançar de ombros.

– De volta ao primário, cara. Acredita nisso? – foi o humano quem sussurrou – Se o resto do ano for assim estamos perdidos! Nem Harry Potter salva...

McCall riu baixinho antes de olhar ao redor.

– Hoje não tem treino com o time, vou até sua casa. Tudo bem?

Stiles ergueu as sobrancelhas.

– E a galera do Camp Rock Wolf? Vai se dispensar hoje?

– Parece que o Derek está planejando um super treinamento para amanhã, algo assim.

– Ahh – o garoto coçou o pescoço – Mas e a Allison? Não vai na casa dela?

O lobisomem deu de ombros.

– Não posso ir a casa dela – disse de forma misteriosa, mas diante do olhar agudo que recebeu acabou ficando sem graça e completando – Allison está... naqueles dias...

Stiles franziu as sobrancelhas, meio confuso. Aos poucos a compreensão o atingiu como um raio e ele deixou o queixo cair, ficando agitado.

– Como você sa... – antes mesmo que completasse a frase, Scott apontou o próprio nariz, querendo dizer que descobrira pelo cheiro – ECA!!

A exclamação atraiu olhares do restante da classe e da professora.

– Parece que a dupla dinâmica aí tem coisas mais importantes para fazer do que a tarefa que eu passei...

– Não, senhorita... – Scott começou, mas foi cortado.

– Mais uma dessas e os dois vão ganhar um horário especial para terminar a redação: detenção. Fui clara?

Os meninos balançaram a cabeça, enquanto ouviam uma ou outra risadinha, e se concentraram no que fora pedido. Deixariam as conversas para depois das aulas, quando estivessem em casa.

Ruby olhou atentamente para ambos, todavia se convenceu de que eles não conversariam mais e voltou a corrigir redações. Ou melhor, voltou a fingir que corrigia, já que seus pensamentos estavam a anos-luz de distância dali e seus olhos, volta e meia, caiam sobre Stilinski, como se o avaliasse.

oOo

Stiles mal pôde acreditar quando estacionou o jipe em frente de casa. Saltou e entrou na residência pela porta da cozinha, onde roubou um pacote de Ruffles do armário e uma latinha de Coke da geladeira. Chegou no quarto e arremessou a embalagem com batatas para Scott, que já estava sentado na cama do garoto.

– Odeio quando faz isso – resmungou – Não é justo que venha de bike e chegue na minha frente.

– A lei do mais rápido – Scott riu abrindo o saquinho e pegando um punhado de batatas – E o meu refri?

– Pega lá, The Flash – e deu um longo gole fazendo questão de mostrar como estava refrescante.

McCall rolou os olhos e saiu do quarto para pegar algo gelado também. Quando voltou Stiles estava à frente do PC, digitando.

– E o seu pai?

– Tá bem. Pegando uns turnos extras. Essa cidade nunca foi tão agitada, se é que me entende. Me pergunto quando foi que passamos por um portal e viemos parar nessa realidade alternativa...

– É – McCall sentou-se confortavelmente na cama.

– Você não acha a senhorita Ruby estranha?

– Estranha como? – Scott perguntou – Estranha como eu ou como você?

– Idiota. Eu não sou estranho. Por que perguntou isso? Sentiu cheiro de alguma coisa sobrenatural nela?

Scott balançou a cabeça.

– Não. Só perfume barato. E muito, muito adocicado – respondeu com uma careta engraçada – Ela deve ser esquisita tipo você... talvez seja a primeira vez que dá aula, sei lá.

– Hn. O trabalho sobre HP foi legal. Mas essas redaçõezinhas são um saco. O que será na próxima aula? Se imaginar daqui uns cinqüenta anos? Eu acho que vou estar milionário e com um harém!

– Um harém?!! Dúvido! – Scott engoliu mais batatas – Acha mesmo que o Derek deixaria...? Ele é muito territorialista.

– SCOTT! – Stiles repreendeu encolhendo-se um pouco. Desde que seu melhor amigo descobrira sobre sua paixonite pelo Alpha vivia fazendo esse tipo de piadinha sem graça.

– Mas o Derek tem sorte por ser você.

A afirmação fez o dono da casa voltar-se com um sorriso para McCall. Os olhos brilhavam.

– Me acha tão legal assim?

– Não – Scott caiu de costas na cama, derrubando batatas no colchão – É que você não tem período menstrual então...

– CALADO! – o garoto rosnou e voltou-se para a tela do PC. Digitou furiosamente por um tempo, porém não resistiu – O cheiro é tão ruim assim?

O outro se apoiou nos cotovelos para poder olhar o amigo melhor e balançou a cabeça.

– Pelo contrário. Me deixa louco! E com a proximidade da lua cheia... eu... eu tenho medo de não me controlar e...

– Chega, Scott! Não quero mais saber disso, poupe minha jovem vida de mais um trauma, por favor – lamentou exagerado – Vamos mudar de assunto.

– O que você está fazendo aí? É o trabalho de literatura já? – perguntou catando as batatas da cama e jogando na boca – Seu nerd.

A pergunta ligou o botão de “Empolgação Máxima” do Stiles. Ele mudou a cadeira de posição, para ficar de frente com Scott. Acenou com a mão descartando o que o outro adolescente dissera.

– Tem nada a ver com literatura. Sabe o que vai acontecer domingo a meia noite?

O tom misterioso deixou McCall interessado.

– Não. O quê?

– Exatamente à meia-noite os planetas estarão na posição Contemplação Maia. E as doze constelações do horóscopo solar na posição de Alinhamento Perfeito. No primeiro dia da lua cheia!!

A primeira coisa que passou pela mente de Scott foi que, se um cientista anunciasse a cura para o câncer, ele não conseguiria soar tão entusiasmado quanto Stiles soara naquele instante. E a segunda coisa foi que ele não fazia a mínima idéia do que o menino falava.

– Wow... – deixou escapar visivelmente desinteressado.

– Você sabe do que eu to falando?

– Na verdade não. Mas tenho certeza de que vou ficar sabendo...

A empolgação desapareceu de Stilinski como um passe de mágica. Ele assumiu a melhor expressão facial de “paisagem”.

– Te deixo entediado? Desculpa se não estou no meu período menstrual...

Scott riu da cena.

– Que bom! Não queria atacar sexualmente meu melhor amigo... agora deixa de ser drama queen e me conta logo o que é isso.

O dono da casa se animou de novo.

– É tipo assim, na Contemplação Maia todos os planetas do Sistema Solar estarão perfeitamente alinhados! Se fosse possível passar uma linha, hipoteticamente falando, em um traço paralelo, essa linha passaria pelo meio perfeito de todos os planetas! E o Alinhamento Perfeito é uma posição das doze constelações de um jeito que a lua fica no meio exato, quer você observe do hemisfério norte ou hemisfério sul. Não é incrível? Essas duas formações só acontecem simultaneamente a cada três mil anos! Já surgiram as teorias mais loucas na Internet.

Scott, que acabara sentando-se na cama, inclinou-se levemente para frente e observou com cuidado a face do outro adolescente.

– O que foi...?

– Você respira? Como consegue falar tanto sem tomar fôlego?

Stiles fez uma careta e inclinou a cadeira para trás, apoiando-a nos pés traseiros. Ficou balançando de leve, equilibrando-se.

– São anos de treinamento. Um newbie como você jamais conseguiria – finalizou a frase dando um ultimo gole na latinha de Coke, e continuando com ela vazia na mão.

– E essas teorias loucas?

– Ah, são loucas mesmo! Coisa tipo Elvis Presley voltando do espaço, terremotos unindo os cinco continentes, o Canadá virando super potência, o fim do mundo, titãs devorando a humanidade etc etc etc...

– Quanta conversa fiada! Não acredito em nada disso.

– Falou o lobisomem – Stiles brincou bem humorado. No fundo também desacreditava de muitas daquelas teorias.

– Hum... Elvis voltando do espaço? Tá bom.

– Ora, só por que você não acredita, não quer dizer que não possa acontecer – recebeu um olhar agudo de Scott que o fez completar – Não Elvis Presley, claro...

– Então o que?

– Sei lá. Mas até pouco tempo eu nem acreditava em lobisomens. E olha onde estamos agora: tenho um melhor amigo com super habilidades olfativas e taras por períodos menstruais.

– Ei! – o rapaz soou indignado – Não tenho “tara” por isso!! Mas... essas teorias todas...

Scott silenciou, com certo receio de expressar o que tinha pensado.

– Sim...? – Stiles deixou os pés da cadeira baixarem, voltando a posição normal.

– Alguma fala sobre reverter a transformação de lobisomens?

Ao ouvir aquilo Stilinski balançou a cabeça.

– Não li nada a respeito. Prometo dar uma olhada... pelo que eu li os Maias realmente acreditavam que o impossível podia se tornar realidade quando algo assim acontecesse. Vai que...

Scott sorriu sem animo. Não queria encher-se de esperanças, embora pessoas pelo mundo estivessem tão crédulas com milagres e outros absurdos. Lá no fundo, bem no fundinho, não podia deixar de se perguntar que tipo de desejo impossível seria concretizado no domingo à meia-noite...

Continua...