Eu Odeio Esse Fantasma!

Uma diversão... fantasmagórica.


Acordar no dia seguinte à uma humilhação bastante pública em frente a sua escola e durante um funeral, estava entre um dos piores pesadelos imagináveis, principalmente quando você é uma adolescente de dezesseis anos com poucas amizades e como descoberto recentemente, propensa a ver fantasmas.

Não foi uma surpresa então, que ao abrir os olhos nos primeiros raios da manhã, eu já estivesse suada dos pés a cabeça, com o coração batendo loucamente no peito. Aquele tinha sido o sonho mais surreal da minha vida! Para começo de conversa, por que eu havia sonhado com Rayn Miller?!

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No entanto, antes que eu pudesse processar aquela loucura que minha mente havia criado, bater minha cabeça na parede algumas vezes e entrar em um estado de aceitação, uma voz se fez presentes a poucos metros de onde eu agora me encontrava.

— Há! Você realmente ainda lê esses livros infantis? Tem quantos anos? Dez?

Por cerca de dois segundos, tudo o que consegui fazer foi piscar repetidas vezes para onde agora o dito cujo Ryan Miller, sentava enquanto folheava algumas páginas de um livro rabiscado que eu já conhecia muito bem.

No segundo seguinte, no entanto, meu corpo pareceu acordar do torpor e agarrei a primeira coisa perto de minhas mãos - um abajur - apontando o objeto para ele, enquanto me arrastava frenéticamente para o outro canto da cama.

— O que você.. ! Meu deus isso só pode ser um pesadelo. Não, não está acontecendo; isso não é real! Fica longe de mim!

— Ei garota! Fica calma, ok?! – Suas mãos se ergueram com as palmas viradas para frente, em um sinal universal de paz e não pude deixar de encara-lo com descrença. Ficar calma? Ele não podia estar falando sério – Tudo bem, eu sei que isso é estranho, mas se você é, infelizmente, a única que pode me ver, temos que fazer isso dar certo!

— O que você quer dizer com "nós" e "dar certo"? Não tenho nada a ver com isso. Você é um - Engoli em seco antes de ter coragem de pronunciar a palavra que parecia surreal demais pra mim naquele momento - fantasma.

— E que isso tem a ver?

Novamente, meu medo pareceu dar lugar a uma familiar irritação. Ao que tudo indicava, não importava muito o estado das coisas, aquele garoto sempre me daria nos nervos.

— Você pode muito bem querer me matar no meio da noite! E ninguém iria desconfiar de nada porque está, hã...

— Morto? Sim. E saiba que é muito tedioso aqui “do outro lado”– Para acentuar o que dizia, cruzou os braços, fazendo um careta de tédio enquanto bufava alto – Eu não vou te matar, garota, fique tranquila. Apesar de ser uma ótima ideia, ainda não tenho essas habilidades.

Ele abriu um sorriso divertido nos lábios, o que me fez corar e querer degola-lo por aquilo.

— Não acredito em você nem por um segundo e não posso sei como posso ajudar com o que quer que seja. Sai do meu quarto! Some! Faz alguma mágica aí, qualquer coisa que fantasmas saibam fazer para desaparecer.

Para a minha consternação, ele pareceu se aconchegar mais ainda no estofado e colocou a mão sobre o peito de forma dramática, enquanto sorria gatuno e os olhos brilhavam divertidos, a promessa de uma dor de cabeça constante na minha vida surgindo a frente.

— Isso feriu meus sentimentos, você sabe. Não se importa de eu ser um falecido andarilho, vagando sem rumo pelo mundo? Só você pode me ver, foi a última a falar comigo antes do acidente... estamos conectados querida, é o destino. Vamos, não tente fugir disso.

A cada palavra que falava, sua voz ficava cada vez mais melodiosa e quente, caindo em um tom baixo e grave que arrepiou todos os pelos do meu corpo; tinha ali uma mistura de tristeza, raiva e sarcasmo, junto a um desespero crescente se escondendo entre as linhas.

Nada daquilo, no entanto, diminuia a irritação que eu sentia com suas provocações; parecia impossível sentir compaixão quando o homem se esforçava tanto para ser o fantasma mais detestável do planeta.

Bem, não que eu já houvesse conhecido outros fantasmas antes daquele momento.

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— Eu juro que se você não estivesse morto eu cuidaria para isso acontecer pessoalmente! – Estreitei os olhos, agitando o abajur ameaçadoramente em sua direção, mas o idiota nem se moveu, continuando a sorrir daquele jeito insuportável.

— Vou considerar como um elogio, todo esse amor por mim – Com uma risada anasalada, tirou um fiapo imaginário do ombro do casaco - que agora eu notava, era o mesmo que usava durante o fatídico dia.

Tentei não pensar muito naquilo ou começar a procurar outras coisas estranhas - como possíveis marcas do acidente que tinham tirado sua vida - e foquei no momento presente, em perguntas menos pertubadoras que rondavam minha mente desde o momento em que vi o garoto sentado na minha poltrona.

— Como você consegue se sentar, aliás? Pelo que já vi nos filmes e séries, os fantasmas não tem matéria física.

— Uau, você pareceu quase inteligente agora - Ele soltou uma gargalhada enquanto desviava do travesseiro que atirei com força em sua direção - Eu posso escolher se os objetos me transpassam ou não. É uma pena que não funcione com pessoas, já que é a parte mais incomoda de todo esse negócio de "fantasma".

— Não funciona com pessoas? Você quer dizer que se eu tentar te tocar, não vou conseguir?

— Sei que você tinha esse sonho desde o começo, Julie querida, mas não, não é possível.

Antes que eu pudesse de fato, jogar aquele abajur em sua cabeça e testar a teoria, ouvi a campainha tocar no andar de baixo e me limitei a mandar um dedo do meio com todo o ódio que podia conjurar.

— Que madura. Essa é sua retórica?

Decidi que o melhor caminho a tomar seria apenas ignora-lo e fui atender a porta, bastante confusa devido ao horário em pleno final de semana, dando de cara com Stacy e Adrian parados na minha porta com expressões idiotas no rosto.

— Hm, oi? O que vocês estão fazendo aqui a essa hora da manhã?

Stacy torcia as mãos, apreensiva e Adrian tinha uma expressão desinteressada, mas conseguia ver seus olhos vagando pelo meu rosto a procura de algo.

— Oi Jules, viemos aqui para saber se está tudo bem. Você meio que surtou ontem, no velório do Rayn. Até agora não entendi o que aconteceu, parecia que tinha visto um fantasma, sério.

Uma risada debochada do loiro preencheu o ambiente e me contive para não manda-lo calar a boca. Suspirei fundo, abrindo a porta para dar passagem a eles antes de começar a falar sobre a loucura que estava a minha vida.

— Olha, eu sei que vocês não vão acreditar no que está acontecendo comigo, mas...

— Espera, vai contar pra eles?! – Rayn gritou no pé do meu ouvido e gemi de dor, levando as mãos ao ouvido danificado. Rosnei raivosa e o encarei com um olhar fuzilante.

— Se você parar de me interromper, eu vou!

— Vão querer te internar, sabe disso não é?

Eu quero me internar, então, por que não?

Um pigarro alto às minhas costas interrompeu o que seria um novo round de brigas e gelei, lembrando que tinha visitas. Stacy e Adrian me olhavam como se eu tivesse ficado maluca. Bem, talvez estivesse ficando mesmo.

— Julie, se tiver algo que precisamos saber, pode nos contar - Stacy parou a minha frente, os olhos marejados de preocupação, segurando minhas mãos com força.

No final, acabei contando tudo o que tinha acontecido, sem dar brechas para perguntas e notando que a cada minuto do meu relato, suas expressões ficavam mais e mais graves, de vez em quando se entreolhando como se pensassem a mesma coisa: eu não estava bem.

No entanto, sendo meus amigos de longa data, ao invés de ligarem para o hospital mais próximo, eles apenas ficaram em silêncio por um bom tempo antes de falarem algo.

— Olha, Julie...

— Nem começa Stacy! Ele esta bem do seu lado! Eu sei que é difícil, ou melhor, quase impossível de acreditar, mas eu não estou louca.

No mesmo momento, Rayn soprou no ouvido da minha amiga, que soltou um berro que poderia ter sido ouvido em toda a cidade.

— Ah meu deus! O q-que foi isso? Adrian foi você, não foi? - A garota tinha os olhos arregalados como os de uma coruja e olhou para o amigo, que estava do outro lado do quarto, encarando tudo um pouco assustado.

— Rayn! Pare de assustá-la, não é desse jeito que quero convence-los – Ele me olhou com tédio, levantando os ombros e mãos de forma indolênte.

— Só estou tentando ajudar.

— Stacy, pare de brincar; você não precisa fingir nada para não magoar a Julie. Não pode falar sério, o Ryan não pode estar aqui - Adrian deu alguns passos para frente, resoluto apesar de suas mãos tremerem levemente.

— Julie você precisa nos provar alguma coisa sobre isso se não quiser que te internamos em uma clinica psiquiátrica. Tipo, agora mesmo.

Sempre tão delicado esse meu amigo, pois é.

— Ok, tudo bem. Pode inventar qualquer coisa pra me testar, não me importo, só quero que acreditem em mim.

Com um aceno de cabeça, Adrian colocou um braço nas costas e soltou uma risada falsa.

— Quantos dedos eu 'to mostrando Rayn? — O garoto loiro bufou algo como "que coisa mais idiota", mas se limitou a ficar atrás de onde meu amigo estava. O fantasma me indicou o numero três com os dedos.

Garotos são tão infantis!

— Três – Repeti a resposta e Adrian arregalou um pouco os olhos.

Rayn me mostrou um dois.

— Dois

Quatro.

— Quatro – Eu disse e Adrian já não estava mais tão confiante. O fantasma mudava freneticamente a contagem, mostrando que meu melhor amigo estava desesperado.

— Cinco, seis, oito, quatro...

Vi Rayn mostrar o dedo do meio para mim e arregalei os olhos.

— Ei! – Protestei e ele levantou as mãos em sinal de rendição, rindo e apontando para Adrian, acusando-o.

— Adrian! Isso não vale! - Falei para ele, rindo também. Apesar de tudo, cooperavamos bem quando necessário.

O moreno estava quase da cor de Rayn e parecia que seus olhos saltariam a qualquer momento das órbitas.

— Ele está mesmo aqui? – Afirmei com a cabeça – Ah meu deus!

Rayn ficou sério de repente. Ele andou até ficar cara a cara com Adrian e entortou um pouco a cabeça, franzindo a testa.

— O que aconteceu Rayn?

— O que aconteceu Julie? – Meus amigos perguntaram juntos, assustados com o que podia estar acontecendo.

— Ele...Ele esta na sua frente Adrian, está te olhando, confuso.

O garoto engoliu em seco e olhou para frente.

— Ele... Ele é diferente... – Falou Rayn, pensativo, coisa que eu achei que nunca iria viver para ver (ah nossa! Péssimo trocadilho, desculpe).

— Como assim diferente? – O loiro me ignorou e estendeu a mão para tocá-lo no peito e ofeguei de surpresa - Ah meu...! Você consegue tocá-lo?!

Com o arquejo de surpresa vindo de Adrian, poderia apostar que ele sentiu aquilo.

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— M-me tocar? Isso não é meio impossível?

— Pergunte para ele se esteve doente esses dias. Tenho uma hipótese, mas... – Rayn sumia e voltava, como uma projeção holográfica, sua voz falhava e ele estava mais branco do que o normal.

Se é que tinha um normal para um fantasma.

Fiz o que ele pediu e vi Adrian hesitar para responder.

— Bem, sim... Eu estava um pouco mal esses dias, mas não achei que...

O que?! O seu "um pouco mal" é fazer um fantasma te tocar? – Stacy se pronunciou furiosa e bastante preocupada – Por que nunca nos contou nada Adrian Whithouse?!

— Não queria preocupá-las!

Rayn suspirou e saiu de perto do meu amigo.

— Bom, então ele tem que se cuidar, porque eu estou sentindo uma aura bastante fantasmagórica vindo dele.

— Acho melhor não falar isso agora.

Ignorei o seu revirar os olhos com meu tom debochado e Stacy virou o rosto preocupado em minha direção.

— Falar o que? O que o Rayn disse?!

Antes que eu pudesse responder e tentar amenizar a coisa toda, ela soltou uma risada incrédula e vimos a garota se jogar na poltrona com um arquejo alto e olhos arregalados para o nada.

— Ah meu deus! Tem um morto no seu quarto, Julie!

— Hã, pode por favor, falar para eles que "morto" não é um termo que eu goste de ouvir? Fantasma, esse eu consigo conviver.

— Tudo bem! Chega! - Todos pararam e me encaram com expectativa; minha cabeça latejava e só queria voltar para as cobertas quentinhas, esquecendo tudo o que acontecia a minha volta – Olha, eu não sei como e nem porque só eu posso ver esse imbecil, mas eu vou descobrir. Antes, porém, tenho que trocar esse pijama com esses malditos ursinhos e lavar o rosto, antes que eu fique maluca!

Fui em direção ao banheiro e só consegui ouvir Ryan grunhindo irritado após ser chamado de imbecil, antes de fechar a porta enquanto algo batia nela segundos depois com força.

— Ah meu deus! Um pente voador.

— É o Rayn, Stacy - Adrian disse, fingindo uma tranquilidade que não tinha.

— Ah.

Não consegui impedir a gargalhada histérica que surgiu em minha garganta, longe de todos, escondida entre as quatro paredes daquele pequeno banheiro. Minha mante girava com toda a situação, milhares de perguntas sem resposta e uma crescente culpa em meu peito, mas eu ficava feliz de ter amigos que agora acreditavam em mim e que poderiam me auxiliar caso fosse a hora.

Apesar de tudo, pensei, aquilo poderia ser muito divertido.