9 Crimes

O Crime de Harry


Bolkhov, 1° de setembro de 1867

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Mamãe e Papai,

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Ah, mamãe... que dias loucos, não? Em um momento, tínhamos tudo. No outro, nada. E eu pensei que seria fácil recuperar aquele tudo. Era a esperança inicial, a negação dos fatos, os sentimentos ainda puros. Não levou muito tempo para o céu começar a escurecer, com suas nuvens negras se ajuntando aqui e ali para preparar a tempestade de nossas vidas.

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Não lembro exatamente quando a realidade tornou-se palpável, por fim. Só sei que a negação já não resolvia, a pureza havia ido embora e a esperança não mais intimidava meus fantasmas. Foi o instante em que outros planos surgiram, em que tentei cavar outras saídas. Engraçado, as saídas se encontravam... Mas eu nunca mais me encontrei.

E então era só sofrimento, agonia, desespero, nostalgia. Havíamos nos afastado o suficiente da costa para começar a odiar a viagem. E tenho que ser sincero aqui: a senhora e papai causavam em mim uma amarga inveja todas as vezes em que conseguiram dormir enquanto a tempestade rugia, lá fora, implacável.

Ah, mamãe... foram dias memoráveis. Fui duas pessoas ao mesmo tempo. E nenhuma delas me ajudou de verdade. Só queria ter notado isso a tempo... Mamãe, mamãe! Onde esteve a senhora quando não testemunhando essa decadência tão minha?

Certo. Nem tudo foram flores, mas o aroma permaneceu. Conheci quem não haveria conhecido de outra forma. Cheguei a conclusões mais lógicas do que o fiz em outros anos. Mas não me diga que isso fez tudo valer a pena. Acredito sinceramente que as coisas boas não estão atreladas aos destinos. São eventos independentes; presentes de Natal fora de época. Logo, eu ainda via tudo errado.

Bem... talvez a senhora já me compreenda agora, mas sei que papai levará mais tempo. Oh, papai, o senhor fez o possível. E eu verdadeiramente admiro isso. Eu quase consigo enxergar as árvores carregadas com os frutos cujas sementes o senhor plantou até agora. Todavia, espero que me entenda: estou apenas cumprindo as regras. É um jogo cruel. Não?

Cruel e universal. Quem nunca o jogou antes? A ansiedade das incertezas, as noites de pensamentos fugazes, luzes cegando ideais... Tão vivo! Tão louco! De qualquer forma, queria encerrá-lo vencedor. E o fiz antes da virada do século, o que pode me garantir pontos extras.

E eu só tenho a agradecer a vocês. Os tempos ruins acabaram, e é tão bom e prazeroso perceber isso! Fim da caminhada, da trajetória esgotante, dos dias de queimar a pele! Por favor, não vamos chorar. Eu sei, é emocionante, mas olhos embaçados pouca coisa veem.

Estou tão orgulhoso de nós. Conte aos amigos, publique no jornal! Vencemos a pior fase de nossas vidas... E, não importa o que venha agora, seremos eternamente amparados pelas memórias desses anos e de como... como papai adora dizer, “vimos coisas piores”.

Não sei quando esses novos tempos negros virão, mas estou tão ansioso por eles que mal posso me controlar. Alegra-me porque agora sei como vencê-los. E alegra-me ainda mais ao contemplar o exército que formamos. Apenas os três, daqui em diante, já que todos os outros foram embora.

Também me é difícil admitir que não compreendo o valor dado às últimas palavras de alguém. Não acho que meus irmãos tenham dito algo mais importante antes de morrer do que disseram toda a vida... Mesmo assim, pensei em algumas últimas palavras. Não se assustem! Apenas não gosto de deixar as coisas para depois se posso fazê-las agora. E se acontecer de ninguém registrar o que eu disser? Também é possível que eu me encontre sem bons conselhos na hora precisa. Só quero manter tudo organizado.

Portanto, quando pensarem em mim, pensem em como a vida é cheia de opções disponíveis. Cheia de cordas a serem puxadas, portas a serem abertas. E em todas elas se esconde uma surpresa, uma mão pronta para salvá-lo do abismo em que se encontra. Nossa tarefa não é a salvação em si, mas encontrar o que nos leva até ela. Será que encontrei a saída perfeita?

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Quero ouvir a opinião de vocês quando chegarem. De antemão, digo: a viagem é longa, mas o tempo para se preparar para ela é ainda maior. Digo isso porque o deixei passar... Arrumei tudo de última hora. Ruim, ruim! Porém, dei conta de tudo. Já estou armado de meu banquinho de madeira e uma corda de boa qualidade. Acho que é tudo que preciso. Ah, e claro, da opinião de vocês.

Amo-os tanto que não posso explicar.

Adeus!

Harry

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P.S.: será que sofrerei alguma punição por quebrar as regras das cartas de suicídio? Elas são sempre tão diretas e cheias de arrependimento, mágoa. É que, bem... talvez eu só tenha desejado mantê-los cientes de que muitas coisas partem comigo, mas meu amor continua vivo, andando por aí... Quebrando frias regras, escrevendo doces cartas, fazendo sorrir mesmo quando não se é o momento apropriado... Fiz bem?

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.