Ago(u)ra

Carochinha


Quando a rua acabou, eu não soube pra onde ir

Eu caminhei em círculos várias vezes

Respirando aquele quarteirão

Sentindo o ar que a tua voz deixou

Impregnado.

Quando o poste acendeu ao meio-dia, eu estava a caminho de casa

Embebedado, cansado, ludibriado

Minhas coxas ardiam e os pés urravam

As janelas da avenida nunca se abriam.

Quando eu dei meia-volta, o sol me derrubou

Eu olhei para cima, pensei em ficar ali e morrer

Os meus olhos já não tinham mais olhares

Os meus dedos palpitavam em busca do piano

As cores caminhavam em meus ouvidos.

Quando alcancei a esquina da rua de baixo, eu a encontrei

Ela estava no carro, e bebia. Ela sorria

E não viu a mim

Acenei, berrei, esperneei igual a um condenado

Ela estava entretida. E feliz.

Quando eu cheguei a casa, liguei a televisão

Assentei no banquinho de ferro

Peguei um livro dela

E comecei a ler, como se minha vida dependesse daquilo

E eu não tivesse nada mais a fazer a não ser ler aquelas páginas.

Quando eu acordei, três semanas depois, o livro estava ao meu lado

Ela estava de pé

Nunca saberei se alucinei ou se ela estava lá

E ouvi

O anel que tu me destes era vidro; se quebrou

O amor que tu me tinhas era pouco; se acabou.

Então ela se foi.