Beautiful Bones

Desenho


Eu me odeio. Eu me odeio, e odeio, e odeio, e odeio e ODEIO. Eu odeio a minha vida e eu quero morrer e então todos podem continuar a vida sem mim. Isso não seria muito mais fácil? Sem enrolação, nem drama, nem droga de amigas nem namorados que tentam beijar outras pessoas nem NADA. Eu só não existiria. Isso seria legal. Eu percebi uma coisa, desde ontem (o dia em que Cathy Williams me descreveu como vadia): eu odeio ela. Eu finalmente odeio ela com todas as minhas forças e eu só quero que ela desapareça da minha vida para sempre. Porque eu não aguento mais. Eu não aguento as risadinhas, as piadinhas, as brincadeiras, tudo. Tudo que vem dela.

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Estou na aula de biologia, e tentando muito mesmo controlar minha raiva. Ou minha tristeza. Ou qualquer que sejam minhas emoções no momento. Elas SEMPRE resultam em lágrimas, e isso é uma droga. Então eu estou cabisbaixa fazendo meus exercícios, esperando não ouvir a voz de Cathy. Eu tenho aula com ela, infelizmente. Todas as aulas. Seria mais fácil se eu também tivesse aula com Ramona e Owen, mas não tenho. Eles estão no último ano e eu no segundo, e infelizmente eu não sou tão inteligente a ponto de passar para as aulas de inglês avançado (que seria a turma deles). Eu apenas odeio minha vida porque nada nunca dá certo. Primeiro meus pais, depois Cathy, depois Lily, depois o namorado de Cathy e depois tudo que envolve o namorado de Cathy e ela. Eu quero me afogar em lágrimas até morrer, se isso for possível. Eu espero que seja.

-Ms. Durieux? -O professor me chama e eu levanto o olhar, rezando para não estar com os olhos vermelhos. Ele está parado na frente da minha carteira e falou baixo até, mas a sala toda está prestando atenção em nós.

-Sim? -Sem voz rouca. Sem. Voz. Rouca. Não olhe para os lados. Não olhe para ninguém. Respira. Respira. Respira.

-Catherine Dickens está chamando a senhorita, para o seu setor.

Preciso de um momento para lembrar que o sobrenome de Catherine é Dickens. Acho que meu professor acha que a gente chama ela pelo sobrenome, como fazemos com todos os outros professores, mas eu nunca escuto o sobrenome dela sendo dito. Quando eu lembro que é ela, eu levanto.

-Agora?

-Sim. Pode ir. -Ele responde e sem olhar para nenhum lado, eu saio da sala. É claro que as pessoas cochicham e sussurram coisas, mas eu não dou ao trabalho de ouvir. Eu só suspiro de alívio, já que eu posso chorar a vontade agora, então eu vou chorando, soluçando e fechando meus olhos até chegar no setor de artes e procurar a sala de artes. Entrar aqui dói um pouco, por causa das lembranças, mas eu me forço a bater na porta, secando as lágrimas e me preparando para mais um round de "Você está bem? Ela não vale a sua preocupação, você não merece isso, e ela mão merece a sua amizade...". Eu estava quase tirando essas perguntas da minha cabeça e agora parece que todos aqueles meses estão de volta. E o inferno voltou. Outra vez. Catherine abre a porta e não demonstra nenhuma reação quando me vê chorando. Acho que ela já esperava isso.

-Vem. Sente-se. -Eu entro, sem dizer uma palavra e sento no mesmo lugar de ontem. Ela vai até a mesa dela e pega algumas folhas, e eu presumo que são os desenhos de ontem. Eu quero chorar mais ainda porque não quero ver tudo de novo. Não outra vez. Aquela dorzinha no coração volta. E eu quero morrer. Ela pega uma cadeira e senta na minha frente. -Como você está? -Certo. Vamos fazer isso de novo. Você consegue, Willow.

-Bem.

-Eu não acredito.

-Então por que perguntou? -Eu pergunto, meio impaciente. Depois vejo que não tenho motivos para ser assim com Catherine e me sinto culpada. -Me desculpe.

-Tudo bem, eu sei que você não está bem, mas eu pergunto por educação. E eu espero uma resposta verdadeira. -Ela me pressiona. E eu perco minhas forças e começo a chorar. Tão forte, tão... dolorido. Eu só quero chorar até não existir mais. Eu não sei quantas vezes vou ter que explicar isso tudo, mas eu só estou cansada de viver assim. Eu não quero mais. Eu não aguento mais.

Catherine não fala nada. Ela só me deixa chorando e às vezes passa as mãos no meu cabelo. Eu enterro meu rosto nas minhas mãos, apoiadas na minha perna. Eu choro aquela parte de mim que está quebrada a muito tempo. Aquela parte que estava com vontade de chorar assim há muito tempo. E eu não consigo respirar, então tomo algumas golfadas de ar... e começo a chorar novamente. Porque isso tem que ser tão difícil? A vida? Os relacionamentos? TUDO é tão complicado e complexo e dramática e doloroso ultimamente. Minha vida está de cabeça para baixo, e eu ainda não me acostumei com isso. Parece um terremoto que abala totalmente as minhas estruturas, sempre que vem. E são muitos terremotos para pouca força. Eu sou frágil.

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-Eu quero te mostrar uma coisa. -Ela diz. Eu ergo a cabeça para vê-la. Ela me olha, esperando por uma resposta.

-T-tudo bem. -Não tento esconder minha voz de choro dessa vez. Ela pega uma das folhas que estão no colo dela e me mostram. É um desenho. Sou eu. Do exercício de ontem. Eu sinto lágrimas quentes caírem outra vez, mas não começo a soluçar, como antes. Minha garganta dói.

Dá para ver que sou eu por causa do cabelo, e dos olhos eu acho. Não há nada de especial ou fora do normal. Eu franzo o cenho, ainda não entendendo o que ela quer dizer me mostrando isso. Ela me olha e quando vê que não entende, explica:

-Esse foi Ramona... -Ela comenta, olhando para o papel também. Depois ela abaixa e pega outro. Mas quando vai me mostrar, hesita. -Esse... esse é da Cathy. -E então ela vira. E ao invés de estar escrito "vadia" como estava ontem, tem uma imagem. Uma imagem real, minha. E eu não pareço nem um pouco com uma vadia. -Mesmo querendo evitar, ela acha você bonita. -Eu bufo, incrédula. -É verdade. Está vendo como ela desenhou os olhos? Eles estão brilhantes. E ela botou menos pintinhas, porque é assim que ela vê você. E esse desenho é lindo.

-Como assim foi ela quem desenhou isso?

-Ela escreveu do outro lado da folha aquele... hm... comentário. -Ela vira e me mostra que no mesmo papel está escrito a palavra, na mesma caligrafia, e exatamente igual. Eu estou sem palavras. Ela não me acha uma completa idiota. Ela realmente perdeu o tempo dela me desenhando e eu estou... bonita. Eu não sei o que pensar sobre isso. E eu ainda estou pensando nisso quando ela puxa outro papel. -Agora... esse é o meu preferido. -Ela ainda não o virou.

-Por que? -Eu questiono, confusa. E então ela vira. Meu queixo desce até o chão. O desenho está... está... fantástico. Eu não posso acreditar que sou eu. Parece bonito demais para ser eu. Está perfeito. Os traços, tudo. Catherine percebe que eu estou maravilhada e começa a falar.

-Você consegue ver? Perceba a suavidade das linhas. Perceba a sombra em lugares que os outros não botaram.

-É tão bonito.

-É você, Willow. -Mas eu não acredito. Está lindo. A garota do desenho está linda. O cabelo cai pelos ombros perfeitamente (e o busto não parece tão esquisito quanto... bem, o busto de verdade), e as minhas pintinhas estão nos lugares certos. E o meu sorriso está aí. Só o de Ramona tinha o meu sorriso até agora. Mas ele está nesse desenho também. E eu pareço feliz e calma e confiante. Coisa que eu não sou. Nenhuma das três opções. -Essa pessoa gosta de você. -Ela comenta e eu a encaro, confusa. Eu sei que ela é toda artística, mas não vejo como ela pode tirar informações assim do desenho.

-Como assim?

-Bem, primeiro temos as linhas. A suavidade das linhas me impressiona. Até as linhas mais fortes, por causa da sombra. E olhe os seus olhos. O de Cathy tinha o mesmo brilho, mas nesse você parece feliz. Olhe como a pessoa desenhou o brilho, bem aqui no centro, está vendo? -Eu faço que sim com a cabeça, quando vejo o que ela está querendo dizer. -E o cabelo, ele está igual ao real, mas está mais reforçado, está maior, está mais volumoso, com mais fios soltos, como se a pessoa tivesse dado mais atenção aos detalhes que só de perto alguém pode ver.

-Mas...

-Eu não terminei ainda. Olhe os lábios. Eles estão carnudos. Mesmo com você sorrindo, dá para perceber isso. Veja, ele está maior. -O.K. É verdade, eles parecem maiores e meu cabelo realmente parece mais volumoso, mesmo assim, ainda parece eu. -E vejo como ela desenhou as olheiras, e a falha na sua testa, quando você olha para cima. Está vendo? -Ela aponta para um rabisco, quase imperceptível no meio da minha testa, que eu pessoalmente odeio.

-Sim, eu estou vendo.

-Perceba como ele desenhou os mínimos detalhes, dando mais atenção para eles. Ele desenhou como um todo, mas todas as partes estão tento as devidas atenções.

-Bem, essa pessoa é uma artista. -Eu a respondo, explicando.

-Isso também. Mas essa pessoa gosta de você. E ela vê você. Ela vê a sua beleza, não consegue perceber?

Então eu vejo. O desenho está bonito. E sou eu desenhada, o que quer dizer... eu estou bonita. E isso é novo.

-Sim. -Eu sussurro, um pouco chocada para responder normalmente. -Quem desenhou isso?

Mas ela não precisa responder para eu saber quem desenhou. Eu sei quem me vê. Quem me vê como eu realmente sou (até com a falha na testa). E eu quero chorar outra vez, mas não de raiva, ou tristeza... é algo novo, que eu não consigo identificar. Algo que se intensifica quando ela fala:

-Owen.